MUNDO -Política de saúde na China: a influência ocidental europeia em suas reformas a partir de 19781


 no local de trabalho, em especial nas empresas estatais. Como resultado, o governo chegou a acreditar que a reforma do sistema foi um componente necessário do movimento de reforma. Entretanto, em segundo lugar, e mais importante, o sistema de bem-estar tinha de ser reformado em qualquer caso, em virtude das circunstâncias trazidas por duas mudanças profundas e duradouras no desenvolvimento socioeconômico: a reforma do mercado e da política de porta aberta (Guan, 2000, p. 118; tradução nossa).

Cabe ressaltar que em 2002 o governo tentou implementar o seguro rural, por meio do Regime de Medicina Cooperativa Rural (RMCR), em uma base-piloto financiada pelo subsídio governamental de cerca de US$ 2,50 por ano e da contribuição anual dos sócios de US$ 1,25. Esse sistema assegura apenas internação (atendimentos de alta complexidade e ambulatorial) e ainda sob alta taxa de franquia, sendo sua adesão de natureza voluntária. É subsidiado pelos governos local e central (contribuição por residente rural per capita/ano). Entretanto, essa contribuição representa menos de um terço das despesas per capita com saúde nas áreas rurais (Ramesh; Wu, 2009). O RMCR, de um modo geral:

Foi instituído visando combater os problemas gerados por gastos excessivos com doenças críticas, monitorados por indicadores da OMS. A autonomia significativa dos governos locais na administração desses seguros e da sua política de reembolso confere uma diversidade extrema aos mesmos em função do perfil dos governos locais: se de regiões mais ricas, se mais empenhados com a questão da saúde, se menos envolvidos em problemas de corrupção no uso de recursos. Conforme Dong 2009, (p. 593), no final de 2007 85,6% dos condados já havia implementado o sistema e 86,2% dos camponeses estavam segurados (Silva; Vargas; Venturini, 2013, p. 17).

Percebe-se que essas reformas de saúde orientadas para o mercado criaram um problema de acesso aos cuidados para os chineses. Principalmente pela desoneração do governo com os gastos em saúde, como revelou o Ministério da Saúde da China ao dizer que em 2000 estes custos tinham aumentado para um nível muito dispendioso, mesmo para as famílias de renda média, sem qualquer forma de subsídio. Mais de 63% dos pacientes urbanos não procuravam atendimento hospitalar quando necessário, e a principal razão para isso foi o médico ser caro (Liu; Emsley; Dunn, 2013). Segundo Blumenthal e Hsiao (2005), isso foi determinado pela modificação do sistema de salários para os médicos, em que se incluiu bônus variáveis decorrentes das vendas de medicamentos e serviços de maior custo que o médico realizasse para o hospital. Como consequência houve um boom nos gastos globais com saúde, sendo que o encargo com medicamentos chegou à metade da despesa em 2002.11 E nos anos posteriores os custos de saúde continuaram a aumentar acentuadamente, como se observou em 2009, sendo o gasto privado da China com a saúde 49,9% do gasto total, enquanto no Reino Unido, no mesmo ano, foi de 16,4%. Aliás, os problemas de saúde não somente causavam dificuldades à população chinesa, mas também representavam riscos políticos para o governo:

A crescente desigualdade no acesso aos cuidados de saúde prejudica gravemente o compromisso declarado do governo de “sociedade harmoniosa”. Percebendo os problemas, a sexta Sessão Plenária do Comitê Central do Partido Comunista, em 2006, identificou especificamente a reforma da saúde como uma prioridade nacional e o governo se comprometeu a atingir a cobertura de saúde universal até 2020. Apesar da urgência dos problemas e do compromisso político de alto nível, as reformas têm sido lentas devido às profundas divisões entre os especialistas e departamentos governamentais nas direções da reforma (Ramesh; Wu, 2009, p. 2258; tradução nossa).

Uma das iniciativas do governo central da China, ao perceber a gravidade do problema, em 2007, foi confiar a nove organizações – inclusive o Banco Mundial, a Organização Mundial da Saúde, Universidade de Pequim e o Instituto de McKinsey – as recomendações para a reforma do sistema de saúde. Posteriormente, em março de 2008, o primeiro-ministro Wen Jiabo, em discurso, anunciou um aumento de 25% nos gastos governamentais com a saúde. Nessa linha, duas propostas de reforma merecem destaque: a primeira tratava de um aumento substancial de orçamento para os hospitais públicos e outras instalações de saúde de propriedade pública, para que pudessem prestar serviços básicos de forma gratuita ou a preços substancialmente reduzidos.12A segunda proposta previa a expansão do seguro de saúde subsidiado pelo governo para cerca de 80% da população que não estava coberta por qualquer forma de seguro13 (Ramesh; Wu, 2009). De acordo com esses autores, há indícios claros de que as duas propostas foram as diretrizes orientadoras das reformas elaboradas pelo governo chinês atualmente.

Uma característica comum a ambas propostas de reformas é que elas se concentraram em aumentar as despesas de saúde pública como uma solução para os problemas que o país enfrentava nessa área. E na avaliação de Ramesh e Wu (2009) gastar mais dinheiro podia parecer fácil no contexto das crescentes receitas do governo chinês, porém o aumento dos gastos públicos em saúde não levaria necessariamente a melhores resultados. A expansão planejada de seguro de saúde, sem dúvida, poderia melhorar o acesso aos cuidados de saúde, mas questões críticas de eficiência, qualidade dos serviços e sustentabilidade financeira dos mesmos permaneciam sem solução.

Uma alternativa apareceu em fevereiro de 2008, quando o governo anunciou um subsídio de seguro premium de pelo menos 40 Yuan para cada morador urbano sem seguro, (Ramesh, Wu, 2009Dong, 2009). Entretanto, para Liu, Emsley e Dunn (2013) foi em abril de 2009 que o governo chinês lançou sua reforma da saúde em larga escala, com a intenção de restabelecer o sistema universal que iria fornecer cuidados básicos de saúde acessíveis a todos. Para atingir esse objetivo o governo ampliaria o financiamento da saúde por meio de orçamentos central e local. O governo central comprometeu-se a gastar 850 bilhões de Yuan na fase inicial plano de implementação, no triênio de 2009-2011. Duas estratégias foram concebidas e propostas para alcançar esse objetivo: a primeira foi estabelecer um sistema de seguro de saúde pública para que todos os chineses fossem contemplados por um regime de seguro de saúde adequado; a segunda foi a reforma dos hospitais públicos, que voltariam a desempenhar o papel-chave que tinham sob o regime maoísta.

Segundo Yip e Hsiao (2009), as finalidades dessa iniciativa consistiam em: 1) expandir a cobertura do seguro saúde visando a sua universalidade até 2011, estimulando a adesão aos seguros voluntários do Regime de Medicina Cooperativa Rural (RMCR) e do regime de Seguro de Saúde Básico (RSSB); 2) aumentar o gasto governamental com saúde pública, sobretudo nas regiões de baixa renda, de modo a homogeneizar os dispêndios nas diferentes regiões; 3) constituir centros de saúde para os cuidados de atenção primária; 4) estabelecer reformas no mercado farmacêutico; e 5) realizar projetos-pilotos nos hospitais públicos.

De acordo Liu, Emsley e Dunn (2013) e com Keyong Dong (2009) foram reimpostos reimplantados seguros de saúde pública pela reforma de abril de 2009, compreendendo quatro regimes e os seus respectivos públicos-alvo. O primeiro deles foi o Regime de Seguro de Governo (RSG). Como já dito, estabelecido pela primeira vez no início de 1950, o RSG cobriria novamente a população institucional, incluindo funcionários do governo (servidores públicos), funcionários públicos (pessoal militar) e a população acadêmica (professores e alunos). O segundo foi o Regime de Seguro do Trabalho (RST). Também estabelecido no início de 1950, o RST cobriria a população no emprego formal, quer de empresas estatais, quer do setor privado. O terceiro foi o Regime de Segurança Social Urbano (RSSU). Criado a partir de 2000, o RSSU cobriria a população que vivia em áreas urbanas ou em cidades não cobertas pelo RSG ou RST – por exemplo, os trabalhadores autônomos, os desempregados e os reformados. Sua finalidade principal:

[…] é reduzir os impactos que os gastos médicos nos casos de doenças crônicas causam em termos de empobrecimento dos indivíduos e famílias, dando enfoque a serviços de internação e ambulatoriais relacionados a doenças crônicas e fatais como a diabetes, doenças do coração etc. O prêmio do seguro é maior do que o Novo Seguro Médico Cooperativo, no entanto mais baixo do que o Seguro Médico Básico dos Empregados Urbanos. A participação do governo é variável (embora não possa ser menor do que CNY 40), dependendo do nível econômico da região e da situação econômica do indivíduo. A base para prêmio individual nos demais casos é a renda média dos habitantes da cidade, que possuem o hukou urbano, recebendo mais os atendimentos de maior complexidade. (Silva; Vargas; Venturini, 2013, p.19).

O quarto foi o Regime de Medicina Cooperativa Rural (RMCR), que cobriria a população rural. A autoridade administrativa local que ficou responsável pelos regimes de seguro de saúde pública foi o Departamento do Trabalho e Segurança Social, enquanto a autoridade central foi dada ao Ministério do Trabalho e da Segurança Social. Os quatro sistemas formados por contribuições tripartites – o indivíduo, o empregador (ou do governo local para RSSU) e o governo central.

Quanto ao acesso aos serviços de saúde, o sistema de seguro de saúde pública dividiu os cuidados entre Men Zhen (inclui cuidados primários e quaisquer tratamentos que não envolvessem hospitalização) e Zhu Yuan (cuidado hospitalizado). Ao primeiro, o regime deposita certa quantia de dinheiro em uma base anual e emite um cartão de cuidado integrado (IC) para cada um dos seus segurados. O segurado pode usar esse cartão para cobrir os produtos farmacêuticos (medicamentos) e os custos de seus cuidados de não hospitalização. Se os custos de medicamentos extrapolarem o depósito no cartão de IC antes de sua renovação anual, o segurado tem de pagar o este excedente de seu próprio bolso. Além disso, qualquer depósito remanescente no cartão de IC no tempo de sua renovação anual pode ser transportado para o ano seguinte. Pacientes com doenças crônicas, como diabetes e distúrbios da tireoide, podem solicitar subsídio extra no seu cartão para cobrir os custos com medicamentos de uso diário. O método de pagamento por cartão de IC só foi aceito por profissionais de saúde normalmente instituídos nos hospitais públicos e locais (Liu; Emsley; Dunn, 2013).

Para o Zhu Yuan, o sistema de seguro de saúde realizou arranjo com os prestadores de cuidados de saúde (designados aos hospitais públicos locais), de forma que o pagamento da conta fosse feito diretamente aos hospitais, de acordo com a percentagem fixada de pagamento a ser realizado pelo sistema de seguro de saúde. Ao mesmo tempo, como destacam alguns autores, houve problemas associados a essa política:

Nosso estudo revelou a inconveniência da política rígida definida pelo sistema de seguro de saúde pública apenas para o acesso e a cobertura dos cuidados de saúde em hospitais públicos locais indicados. Ele também revelou que a cobertura dos planos de saúde variou entre regimes diferentes e em lugares diferentes. Por exemplo, entrevistas com as nossas duas famílias rurais informaram que os cuidados do Men Zhen não foram cobertos por seu RCMS, enquanto dois dos nossos participantes abrangidos por RSG disseram que eles poderiam obter até 90% de seus custos de cuidados do Men Zhen e Zhu Yuan cobertos. Na prática, essas políticas foram definidas localmente. Por exemplo, em Guangshan, condado da província de Henan, os pacientes cobertos pelo sistema de seguro de saúde pública tiveram de pagar o valor total de 200 yuan do seu próprio bolso em 2011, referente aos seus primeiros cuidados Zhu Yuan, e a cobertura das despesas dessa modalidade de cuidados em 2011 foi de 100.000 yuan no total. Em uma grande cidade na província de Guangdong, os pacientes cobertos pelo sistema público tiveram que pagar o valor total de 700 yuan de sua primeira conta de cuidados Zhu Yuan, enquanto para 2011 a cobertura despesas com conta de cuidados internados foi 200.000 yuan. (Liu; Emsley; Dunn, 2013, p. 64; tradução nossa).

Os resultados da pesquisa citada indicam que a reforma de saúde em abril de 2009 foi no caminho de alcançar o objetivo de oferecer cuidados básicos de saúde a preços acessíveis para a população em geral do país. No entanto, apresenta um limite de acesso, pois é intrínseco à política de hospitais públicos e tipicamente locais, impedindo a inserção dos segurados aos hospitais não vinculados à rede: hospitais não locais e não públicos:

Entendemos que tais políticas podem ter sido concebidas como mecanismos para controlar o pagamento feito fora do sistema de seguro, mas, dada a atual estrutura da economia, isto é simplesmente impraticável, especialmente para a população trabalhadora do país. Atualmente, as pessoas na China estão mudando de emprego e/ou migrando com mais frequência do que nos anos maoístas. Assim, os tomadores de decisão política e reformadores deveriam ter considerado a praticidade dessa instituição, a política de hospitais públicos locais, como meio de minimizar (se não eliminar) os inconvenientes que traz para os usuários comuns de saúde. (Liu; Emsley; Dunn, 2013, p. 65).

Portanto, há evidências de que existem desigualdades no acesso aos cuidados de saúde e nos resultados dos serviços de saúde no sistema chinês. Porém, de forma a minimizá-las, autores como Hipgrave et al. (2012) ressaltam que, em julho de 2011, o Conselho de Estado da República Popular da China demandou a padronização de cuidados primários, a implantação de programas de saúde pública, a educação comunitária, a participação em sistemas de financiamento de saúde e a manutenção de prontuários individuais, como novas funções a serem incorporadas pelas instituições médicas em nível local. Esse novo sistema contribuiu para a acessibilidade da população chinesa, inclusive aos usuários/participantes das regiões mais empobrecidas no país. E dada a dimensão geográfica e populacional da China esse fato caracteriza-se como uma grande conquista (Liu; Emsley; Dunn, 2013, p. 65).

Outra iniciativa do conselho foi destinar 22 bilhões de yuan para a construção de um sistema de gerenciamento de informações de saúde, a ser implementado entre 2011 e 2015. Esse sistema de dados dos provedores e das instalações de saúde até o nível das aldeias (com a proposta de ser alimentado em tempo real) propiciará informações que subsidiarão os tomadores de decisão e os gestores de saúde, visando à expansão da cobertura dos seguros de saúde até 2020. (Liu; Emsley; Dunn, 2013).

Essas experiências e pretensões do governo central em relação ao sistema de saúde (universal), especialmente a partir das reformas de 2009, demonstram os compromissos com os cuidados de saúde para a população em geral, sendo os maiores desafios da China: 1) manter essas conquistas; 2) garantir a sustentabilidade do sistema recém-estabelecido em um longo prazo; 3) combater as desigualdades na saúde, considerando as enormes dívidas do setor público; e 4) atender à crescente demanda por cuidados de saúde devido às mudanças demográficas e tecnológicas (Liu; Emsley; Dunn, 2013).

Em busca de soluções para os desafios impostos à política de saúde, observa-se que há um debate aberto no próprio governo sobre os métodos de sua efetivação e dos regimes de saúde. A “esquerda” defende hoje o sistema francês de distribuição baseada no princípio da solidariedade entre trabalhadores e diferentes gerações – que se prepara para o longo caminho do socialismo -, enquanto a “direita” prefere o sistema dos EUA, que divide os trabalhadores e transfere o risco do capital para o trabalho. Mas, o que se observa até o momento em relação à política de saúde e seus regimes é a influência francesa (antes da crise do Estado providência, ou seja, até a década de 1970):

O sistema francês é universal e único, mantido por diversos tipos de organizações (Caixa Nacional de Seguro Saúde dos Trabalhadores Assalariados; Caixa Nacional dos Trabalhadores Urbanos Não-Assalariados; Mutualidade Social Agrícola; etc.) que reembolsam as despesas de seus associados. Em geral, o reembolso cobre 75% dos honorários dos médicos; de 35 a 65% das despesas com medicamentos, 90% das despesas hospitalares e 100% das enfermidades que tornam inválidos os cobertos. Algumas caixas reembolsam em menores proporções. Os empregados das empresas estatais dispõem de seguro-saúde próprio. Em que pese a diversidade, há três sistemas básicos, atendendo à massa da população, e diversos especiais para categorias limitadas. O atendimento sujeito a reembolso é feito por clínicas particulares (organizadas ou não com fins lucrativos). Por tais mecanismos, assegura-se grande liberdade de escolha. Além do sistema, pago pelo usuário e reembolsável, há hospitais públicos sustentados diretamente pelo Estado, cujo atendimento não é cobrado. A prevenção (vacinação, prevenção maternal, infantil ou escolar) tampouco é cobrada (Rosanvallon, 1998, p. 14-15).

Apesar de suas diferentes perspectivas estruturantes, a política de saúde chinesa e francesa apresentam características comuns: a intervenção do Estado na regulação do mercado e os estabelecimentos públicos de saúde. Distingue-se, assim, da política norte-americana, que dá ênfase à atenção em saúde abordada como problema individual, devendo suas necessidades ser satisfeitas pelo mercado privado ou pela família. Apenas os pobres e incapazes de competir no mercado recebem alguma forma de intervenção (por tempo determinado) nas instituições de saúde subsidiadas pelo governo (Romero, 1998Conill, 2008).

Cabe ressaltar ainda que a política de saúde chinesa não somente é influenciada pela cultura europeia (neste caso, a França), mas também pode influenciar algumas reformas no Sistema Nacional de Saúde (NHS, na sigla em inglês) do Reino Unido, conforme afirmam Liu, Emsley e Dunn (2013), sendo as experiências das reformas de saúde promovidas na China desde a década de 1980 uma fonte valiosa de aprendizagem política e lição para a coalizão de governo britância. Em particular, destaca-se na experiência chinesa a liberdade quase ilimitada ao hospital público para levantar fundos em seus programas de reformas orientadas para o mercado através de sistema de regulação eficaz e poderoso. Implicações que contribuiriam para a o Reino Unido abolir a cobertura arbitrária de renda do paciente privado no NHS Foundation Trusts (PPI Cap), de modo a lutar contra as desigualdades na saúde e garantir o bom comportamento do provedor de serviços de saúde.

Numa tentativa de análise geral, as reformas mostraram inovações e compromissos do governo central quanto aos cuidados em saúde voltados à população chinesa, distinguindo-se historicamente com relação ao grau de cobertura, às fontes de financiamento e, consequentemente, ao alcance de integração entre os financiadores e os prestadores proprietários dos serviços. A nosso ver, não se caracterizam pela implementação de um projeto de contrarreforma ao projeto soberano da China (“o socialismo com características chinesas”), pois não se implantou um desmonte de suas políticas com base nas diretrizes neoliberais. Mas, é verdade que as reformas foram influenciadas por perspectiva ocidental europeia, especialmente o sistema de saúde francês (antes da “crise” do seu Estado providência).

Entretanto, observou-se que na era de Mao a política de saúde caracterizou-se pelo alto nível de provisões dos serviços de saúde a uma população de baixa renda. Todos os equipamentos e infraestrutura dos provedores de saúde tinham caráter público, de propriedade coletiva ou estatal, ancorados em parâmetros estabelecidos pela planificação central, sob a responsabilidade dos governos locais, provinciais e central (Ministério da Saúde). A fonte de financiamento da saúde eram as contribuições em uma estrutura descentralizada (governo, empresas estatais, organizações coletivas – comunas e cooperativas). O modelo de gerenciamento e administração estava organizado em três sistemas de segurança social: Regime de Seguros Governamental (RSG) para os funcionários do governo; Regime de Seguro do Trabalho (RST) para a população urbana; e o Sistema Médico Cooperativo (SMC) para a população rural. A maioria dos chineses encontrava-se coberta por um desses regimes e a saúde população obteve uma significativa melhora.

Após as reformas da era de Deng Xiaoping, que desencadearam o fim das comunas e a reestruturação das empresas estatais, uma série de reformas de saúde alterou gradualmente o sistema de saúde universal e coletiva maoista, comprometendo o caráter coletivo das contribuições, com a intenção de tornar os usuários de saúde “cooperantes” com o governo no financiamento da saúde. Outra iniciativa refere-se à natureza do acesso aos equipamentos e às infraestruturas, pois houve um esforço por parte do governo em introduzir o mecanismo de mercado em hospitais públicos. Como resultado: 1) o governo reduziu seu financiamento; 2) os hospitais públicos receberam liberdade quase ilimitada para captar fundos, cobrando contas médicas dos pacientes; 3) os regimes de saúde instituídos na era maoista foram abandonados ou reestruturados de maneira gradual até a década de 1980; e 4) houve diminuição do acesso da população aos cuidados de saúde por não apresentar qualquer forma de cobertura.

Esse contexto foi alterado com as reformas em 1998 e na década de 2000, quando o governo central instituiu e introduziu em novos moldes os regimes de saúde da era maoísta: Regime de Seguro de Governo (RSG); Regime de Seguro do Trabalho (RST); Regime de Segurança Social Urbano (RSSU); e Regime de Medicina Cooperativa Rural (RMCR). Essas iniciativas objetivam expandir a cobertura do seguro saúde com vistas à universalidade, aumentar o gasto governamental com saúde pública, sobretudo nas regiões de baixa renda, de modo a homogeneizar os dispêndios nas diferentes regiões; constituir centros de saúde para os cuidados de saúde primária; estabelecer reformas no mercado farmacêutico; e realizar projetos-pilotos nos hospitais públicos, de maneira que estes voltassem a desempenhar a função que tinham no regime maoísta. Quanto ao financiamento, este passou a se caracterizar por contribuição tripartite (o indivíduo, o empregador e governo – local e/ou central). A administração e o gerenciamento foram descentralizados, porém, em outro arranjo, já que o Departamento do Trabalho e Segurança Social ficou responsável pela administração local, enquanto a autoridade central foi dada ao Ministério do Trabalho e da Segurança Social.

Apesar das mudanças de direção na política de saúde registradas nos anos entre 1970 e 1980, essas reformas se distinguem da era maoísta (ideologia igualitária), pois seus pilares se pautam por duas propostas essenciais, que consistem: 1) no aumento de orçamento para os hospitais públicos e outras instalações de saúde de propriedade pública, visando à prestação de serviços básicos de saúde de forma gratuita ou a preços substancialmente subsidiados; e 2) na expansão planejada do seguro de saúde subsidiado pelo governo para cerca de 80% da população que não estava coberta por qualquer forma de seguro de saúde. Essas propostas representam um avanço no acesso da população aos cuidados de saúde, mas também apresentam desafios de longo prazo, principalmente que tange à sustentabilidade financeira.

E, por fim, apesar de toda a reestruturação que sofreu a política de saúde chinesa, esta não se configura como um processo de “americanização”. Mas não há dúvidas de que houve um retrocesso em comparação com o período de Mao, retrocessos esses que consistem em uma influência ocidental e europeia na constituição de seu sistema de segurança social e, por conseguinte, nos regimes de saúde.

  • AMIN, S. China 2013. Monthly Review, New York, v. 64, n. 10, 2013. Disponível em: <http://monthlyreview.org/2013/03/01/china-2013/>. Acesso em: 9 jun. 2015.
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  • CONILL, E. M. Sistemas comparados de saúde. In: CAMPOS, G. W.

    Marga Zambrana

    Por que os chineses são mais magros? Além de por questões genéticas, a maioria dos especialistas destaca que a dieta equilibrada e baseada nos hábitos de saúde taoístas e a Medicina Tradicional Chinesa (MTC) mantêm essa população no peso ideal.

    A Medicina Tradicional Chinesa defende o uso de ervas e alimentos para melhorar a saúde
    A Medicina Tradicional Chinesa defende o uso de ervas e alimentos para melhorar a saúde

    Foto: EFE

    A prova de que o segredo da magreza dos chineses está na dieta e em hábitos de vida equilibrados é que até os mais magros estão começando a engordar com a chegada do hambúrguer e outros tipos de fast-food. “A obesidade é uma doença que aumenta lentamente no mundo todo. O excesso de peso afeta a circulação, a pressão arterial e pode, inclusive, provocar câncer”, explicou Wendy Shao, especialista em Medicina Tradicional Chinesa do Beijing United Family Hospital and Clinics (BJU), um dos mais caros da capital chinesa.

    Produtos naturais, acupuntura e massagens
    A MTC, uma prática preventiva de três mil anos de antiguidade e cuja efetividade continua sendo objeto de estudo e controvérsias para a ciência ocidental, combina o uso de ervas medicinais, dietoterapia, massagens e acupuntura para resolver os problemas de obesidade.

    Procedente de uma família de mulheres especialistas em MTC, Wendy deu uma série de conselhos gerais, como evitar a perda de peso rapidamente por meio do uso de produtos ditos “milagrosos”, já que podem produzir problemas cardíacos.

    De fato, alguns medicamentos chineses à base de efedra e exportados através da internet foram proibidos nos Estados Unidos por conterem uma substância ilegal, o cloridrato de fenfluramina, que estava associada à problemas no coração e cuja venda foi proibida em 2009 na China.

    Wendy defendeu o uso de produtos naturais, sem componentes químicos, para equilibrar todo o corpo: “este é o núcleo do meu tratamento, combinado com a acupuntura e as massagens”.

    Segundo ela, a maioria de seus pacientes conseguiu reduzir entre 5% e 10% de seu peso e melhorar a aparência de sua pele, que costuma sofrer com as mudanças bruscas de peso.

    Seus tratamentos começam por equilibrar o interior mediante acupuntura e massagens e depois com chás a base de ervas, entre elas a do fruto do cratego chinês, a raiz de kudzu e a de sementes de cássia.

    Wendy assegurou que estes chás não provocam efeitos colaterias e contêm numerosos flavonóides (antioxidantes), como a citrina, e outros componentes que, combinados em função de cada pessoa, podem ajudar a perder peso ao reduzir o apetite e ativar o metabolismo e o funcionamento do sistema digestivo colaborando para a evacuação, a eliminação dos triglicerídeos e na redução do colesterol.

    “Trata-se de fazer com que a beleza e a saúde se encontrem e não de perder saúde a fim de se conquistar beleza”, recomendou a especialista. Como parte de seu tratamento, a acupuntura desempenha um papel fundamental, pois através dela “se pode influir no sistema digestivo e reduzir a ansiedade a fim de que os pacientes comam menos, além de melhorar a circulação, enquanto as massagens incidem nos mesmos pontos para conseguir efeitos similares”.

    A especialista recomendou que, para emagrecer, as pessoas devem procurar um um profissional experiente em MTC, já que cada caso exige remédios individualizados para que o corpo recupere o equilíbrio e, com ele, a saúde, a beleza e a magreza.

    Equilibrando o ¿Yin¿ e o ¿Yang¿
    O objetivo do diagnóstico pela MTC é equilibrar os elementos “yin” (negativo) e “yang” (positivo). A MTC se baseia na natureza e no poder das ervas e dos alimentos, que têm quatro características: frio, quente, temperado e fresco; e cinco sabores: salgado, ácido, doce, amargo e picante.

    O tratamento consiste em usar remédios com uma natureza e sabor opostos ao do problema a fim de neutralizá-lo.

    Cada uma destas características tem uma influência diferente. Por exemplo, os alimentos ácidos atuam sobre o fígado e a vesícula biliar, os amargos favorecem a drenagem e atuam sobre o coração e o intestino, os salgados lubrificam e atuam sobre o rim e os doces tonificam o baço, o pâncreas e o estômago. Da mesma forma, os alimentos quentes revigoram, os neutros harmonizam e os frios adstringem.

    Wendy recomendou perder peso gradualmente, a um ritmo de entre 5% e 10% do peso em dois meses, já que mais rápido que isso não é considerado saudável. Além disso, aconselha aos pacientes que reduzam ou abandonar de vez hábitos alimentares ocidentais, como o abuso de café e de pizzas. “É preciso comer muitos vegetais e frutas. E substituir o café por chá verde ou Chá Pu-erh, que não só ajudam a perder peso, mas são ricos em antioxidantes que mantêm a juventude”.

    Para a MTC também é muito importante ter paz de espírito e praticar esportes. Por este motivo, a especialista recomendou descansar após as refeições e, depois, praticar alguma atividade física, como uma caminhada em ritmo acelerado.

    “Se a linfa flui, o corpo emagrece”
    Lili Lu, famosa por seus tratamentos naturais herdados de gerações de praticantes da MTC, também disse acreditar que não há milagres, portanto a pessoa precisa manter uma alimentação equilibrada e praticar esportes. Ela assegurou que é esse o segredo da beleza de atrizes chinesas como Li Bingbing, Xu Qi, Gao Yuanyuan e da francesa Juliette Binoche.

    Os antepassados de Lili trataram tanto dos aristocratas da dinastia Qing como dos funcionários de Mao Tse Tung e passaram para ela a receita contra a acne a base de mel que a tornou famosa entre a colônia estrangeira em Pequim como “Sugar Mama”.

    De seu salão em Pequim, o Royal Family Beauty and Health Care, ela revelou à Agência Efe que os melhores alimentos para o verão, ricos em antioxidantes, são brócolis, tomate, pepino e arando.

    “A medicina chinesa age para que todo o corpo esteja são. Acho que é importante conhecer como se distribui o sistema linfático por todo o corpo (…). Se a linfa flui sem obstáculos, então o corpo emagrece”, explicou a esteticista.

    Por isso, entre as recomendações que Lili dá a seus clientes está caminhar diariamente por 20 minutos em um ritmo acelerado, para que o corpo sue, promovendo a circulação do sangue, mantendo a fluência do sistema linfático, expulsando as toxinas e reduzindo o peso. Ela recomendou ainda alimentos com fibras, comer muito no café da manhã e pouco para jantar, e dedicar entre 20 e 40 minutos diários para a prática de atividades físicas.

    “Não sou a favor de a pessoa emagrecer reduzindo a quantidade de comida, acho que o exercício é o melhor método. O esporte ajuda a digerir a comida e melhora o tom dos músculos”, destacou.

    A esteticista, que tem 56 anos, 1,68 metro de altura e 60 quilos, explicou que mantém essa proporção graças a sua rotina: a primeira coisa que ela faz ao se levantar é tomar uma colherada de mel e água, depois se exercita durante 20 a 40 minutos, faz uma refeição que inclui tomate, pepino, maçã, carnes, frutas, leite, queijo e ovos. O jantar costuma ser mais leve, a base de peixe e carnes branca, para que a digestão seja rápida.

    Ela afirmou que na sua idade é preciso consumir mais alimentos ricos em cálcio e vitamina D, incluindo queijo e soja.

    “Acho que o leite, os ovos, o sol e atividades físicas são quatro fatores essenciais para se manter a saúde. A vitamina D também é importante.”

    EFE  

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