NATAL RN-Salto mortal para o rio Potengi: Ponte não tem sistema para prevenção de suicídios – See more at: http://www.novojornal.jor.br/noticias/cidades/salto-mortal-para-o-rio-potengi-ponte-nao-tem-sistema-para-prevencao-de-suicidio


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Quase oito anos depois de inaugurada, a Ponte Newton Navarro apresenta falhas no sistema de segurança para a prevenção de suicídios. Na última semana de janeiro, três pessoas morreram ao saltar para as águas esverdeadas do Rio Potengi. A estrutura está a exatos 55 metros do solo. A via conta apenas com uma câmera de monitoramento, ao longo de 1,7 mil metros de extensão, e aguarda há dois anos pelo resultado de uma decisão judicial que determina a montagem de uma rede de proteção a fim de evitar a investida de quem pretende tirar a própria vida.

 

O atual sistema de monitoramento é executado por uma câmera que registra a movimentação do tráfego. Os vídeos são enviados ao Centro Integrado de Operações de Segurança Pública (Ciosp). No entanto, o equipamento não consegue alcançar toda a estrutura; vários pontos cegos podem ser encontrados no vão central.

 

Para registrar as imagens que ilustram esta reportagem, o fotojornalista Ney Douglas subiu a proteção metálica da ponte. Caso se tratasse de uma tentativa de suicídio, as imagens não seriam registradas.  Enquanto fazia o trabalho, o fotojornalista ouviu gritos de alguns motoristas que transitavam pela estrutura: “Pula, pula, pula”.

 

“O suicídio é um problema de saúde pública. É um assunto que precisa ser mais discutido”, avalia a psicóloga Ana Karina Silva Azedo, docente efetiva do curso de psicologia da UFRN com mais de 10 anos de estudos sobre o assunto.

 

De acordo com estudo da Organização Mundial de Saúde (OMS), uma pessoa comete suicídio a cada 40 segundos em todo o planeta. É a segunda maior causa de morte entre pessoas de 15 a 29 anos. “Numa situação de desesperança, as pessoas não conseguem pedir ajudar e, muitas vezes, nem conseguem identificar estes sintomas e também não sabem como agir”, explica Ana Karina.

 

Com o desdobramento do drama existencial que se encerra em torno do problema, o juiz Airton Pinheiro deferiu em 17 de janeiro de 2013 uma liminar contra o Governo do Estado e Município exigindo ações de reforma e manutenção da Ponte Newton Navarro. O autor da ação foi o promotor de Meio Ambiente João Batista Machado.

 

Na liminar, foram determinadas a execução de obras de correção do pavimento da pista, melhoria da iluminação, construção das defensas nos pilares da estrutura e, por fim, a instalação de uma rede que ficaria logo abaixo da ponte. A tela protegeria a integridade física das pessoas que utilizam o passeio público, assim como os barcos que navegam nas águas do rio e seus respectivos ocupantes.

 

“A ação inicialmente tinha o objetivo principal de proteger a navegação do impacto de objetos que caíssem lá de cima. É que eu não tinha a dimensão exata do problema que envolve os suicídios. Os casos deste tipo não são publicados na imprensa. Agora, porém, a rede tem o objetivo maior de salvar vidas”, diz o promotor.

 

O município – a quem supostamente caberia instalar a rede de proteção, – recorreu da sentença, justificando que a obra pertence ao Governo do Estado. Já o Governo do Estado se defendeu alegando que a instalação da rede deveria ficar sob a responsabilidade do município.

 

“Há um jogo de empurra. Ninguém quer se comprometer”, revela o promotor. Hoje, a ação está na 5ª Vara da Fazenda Pública. “Já enviei três petições pedindo celeridade no processo, mas nada foi feito”, lamenta o promotor. O NOVO JORNAL tentou ouvir a Procuradoria Geral do Município (PGM) e o juiz Airton Pinheiro, mas não obteve resposta até o fechamento desta edição.

 

No entanto, segundo o secretário adjunto de Obras de Natal, Caio Múcio Pascoal, a instalação de uma rede de proteção é inviável. “Eu acho mais fácil aumentar o alambrado. Seria mais efetivo. Colocar a tela abaixo da ponte é inviável. Que tipo de material seria usado? E quem faria a manutenção?”, indaga.

 

Sinais de alerta se antecipam ao ato

 

De acordo com a Organização Mundial de Saúde, o suicídio sempre é precedido de sinais de alertas, sejam verbais ou comportamentais. “Em determinados casos, claro, não há qualquer aviso, mas o suicida sempre deixa algum alerta sobre a instabilidade que está passando”, analisa a psicóloga Ana Karina Silva Azedo. Os principais sinais são o súbito desinteresse pelo cotidiano, o afastamento do convívio social e as mudanças repentinas de hábitos.

 

Fatores para desencadear uma crise são os mais diversos, expõe a psicóloga. Passam por transtornos mentais, questões emocionais, a solidão dos grandes centros urbanos e, inclusive, o preconceito ao sofrimento alheio. “As pessoas preferem não se intrometer nas vidas de quem apresenta algum tipo de sofrimento. Oferecer ajuda é o primeiro passo para salvar uma vida”, relata.

 

Ela diz que as causas do suicídio são multifatoriais. Muitas vezes a questão é emocional. Pode está relacionada com perdas familiares, desemprego ou questões amorosas. “Nem sempre um transtorno significa um potencial suicídio”, afirma. Segundo ela, os fatores que levam a pessoa a encerrar a própria vida são: ter tido uma tentativa prévia de suicídio, distúrbios mentais, perda financeira ou de emprego, dor crônica ou doença, falta de esperança, abuso de álcool e outras substâncias e até mesmo fatores genéticos.

 

A psicóloga afirma que o sistema público é frágil para atender a demanda da saúde mental. Ela reclama da falta de estrutura para atendimento à população. Segundo a Associação Brasileira de Psiquiatria, entre os que morrem por suicídio, cerca de 50% a 60% nunca se consultaram com um profissional de saúde mental ao longo da vida. “A identificação e a avaliação do risco suicida são competências que dizem respeito a toda a rede de saúde, sendo fundamental que todos estejam capacitados para realizá-la, por se tratar de uma grande questão de saúde pública mundial”, detalha.

 

A Secretaria de Saúde de Natal (SMS) tem hoje cinco unidades de atendimento para transtornos mentais. O ideal, segundo preconiza o Ministério da Saúde, seria a existência de um local de atendimento para cada grupo de 100 mil pessoas. Ou seja, com uma população beirando a casa de 900 mil pessoas, Natal deveria contar com nove Centros de Atenção Psicossocial (CAPs). Procurada pelo NOVO JORNAL, a coordenação de saúde mental do município se limitou a dizer que vai construir um novo centro de atendimento ainda neste primeiro semestre.

 

Ana Karina lembra ainda que o atendimento médico deve ser complementado ainda com educação. “O serviço de saúde não significa apenas atendimento médico, tratamento terapêutico, mas ações educacionais. O suicídio é um tabu para a sociedade e o aumento dos casos obriga que o poder público se faça presente”, conta.

 

Ponte Golden Gate

 

Uma sugestão é a produção de cartilha sobre o assunto. Em San Francisco, nos Estados Unidos, para enfrentar o crescente número de mortes na Ponte Golden Gate (um dos principais locais de peregrinação de suicidas em todo o mundo), uma universidade local elaborou informativo para distribuir entre a população. Também há telefones públicos, com linha direta para o Corpo de Bombeiro, e um sistema de monitoramento de vários pontos da estrutura. No Brasil, por outro lado, não há ações específicas para a prevenção de suicídios em estruturas elevadas.

 

Além disso, a Prefeitura de San Francisco vai iniciar este ano a construção de uma tela de proteção sob a ponte. De acordo com o site da prefeitura daquela cidade americana, o custo da operação será de 76 milhões de dólares. Em 2014, foram registradas 46 mortes.

 

Em outros locais do mundo, o assunto também passou a ganhar mais atenção das autoridades públicas. Na capital da Suíça, Berna, a prefeitura local instalou redes metálicas de proteção abaixo de duas pontes. O resultado foi imediato: os registros de suicídio foram reduzidos em 90%. O modelo da rede, por sinal, será o mesmo a ser adotado na cidade americana de San Francisco.

 

Na asiática Seul, na Coréia do Sul, uma parceria entre o governo municipal e a companhia de tecnologia Samsung conseguiu reduzir em 85% as tentativas de suicídio da Ponte Mapo, de acordo com levantamento feito pelas instituições de saúde pública da capital coreana. A ponte era o principal local escolhido pelos coreanos com o desejo de encerrar a própria vida. A estrutura fica a 20 metros das águas do Rio Han – 30 metros a menos que a estrutura potiguar.

 

A ação da empresa de tecnologia instalou sensores de movimento e luzes ao longo do passeio público. Ao caminhar pela estrutura, placas com mensagem de otimismo se acendem conforme detectam o movimento das pessoas. A iluminação especial se estende pelos dois quilômetros de extensão e utilizou duas mil lâmpadas de LED.

 

 

Sobre a Ponte Newton Navarro, a psicóloga Ana Karina aponta a necessidade de uma maior vigilância no local. “Deveria ser instalado um posto policial ali próximo. Os profissionais deveriam ser treinados para atender aos casos de tentativas de suicídio. Saber abordar as pessoas é um grande passo ajudar a evitar uma morte”, diz.

 

Especialista analisa como a imprensa deve tratar o tema

 

Um dos maiores tabus sobre o suicídio está relacionado com publicação do tema nos veículos de comunicação. Os casos, geralmente, não são noticiados. As exceções ficam com as mortes de pessoas expostas à mídia, como políticos, atores e músicos. Um dos mais recentes foi o baixista do grupo Charlie Brown Jr, Luiz Carlos Leão Duarte Júnior, mais conhecido por “Champignon”, encontrado morto com um tiro na cabeça no ano passado.

 

Segundo Socorro Veloso, doutora em Ciências da Comunicação e professora do curso de Jornalismo da UFRN, é preciso tratar cada caso em sua singularidade, usando critérios que diferenciam interesse público de interesse do público, e rejeitando o apelo fácil ao espetáculo de mau gosto.

“Não acho que devamos noticiar casos de suicídios isoladamente. É o tipo de conteúdo que, tratado de modo isolado, sem contexto, não serve a ninguém. Apenas machuca ainda mais a família do suicida e alimenta a morbidez própria dos seres humanos. É da natureza humana o interesse por tragédias, de modo geral”, afirma.

 

Um fenômeno que chamou a atenção da especialista em comunicação é a difusão de vídeos – gravados com aparelhos celulares – das tentativas de suicídio da ponte sobre o Rio Potengi. Ao se buscar pelas palavras “suicídio ponte Newton Navarro” no site Youtube, o usuário tem à disposição várias páginas de gravações. Mostram saltos para a morte, tentativas de resgate e também o processo de retirada de corpos das águas da foz do Potengi.

 

“É da natureza humana o interesse por tragédias, de modo geral. A psicologia sugere tratar-se de um mecanismo de compensação (“aconteceu com o outro, não comigo”). Isso talvez explique tantos acessos aos vídeos da Ponte Newton Navarro”, analisa.

 

Maria do Socorro lembra ainda de um caso emblemático para o jornalismo, a morte de Budd Dwyer, secretário do Tesouro da Pensilvânia, nos EUA. Em janeiro de 1987, Dwyer convocou uma coletiva de imprensa e, na frente dos jornalistas presentes e das câmeras de TV, deu um tiro na boca. Ele era acusado de corrupção e se dizia inocente. “O caso, de inegável interesse público, foi noticiado em todos os telejornais. Mas a imagem do momento do tiro foi congelada – o que supõe bom senso e respeito à família do suicida”, explica.

 

De acordo com a Associação Brasileira de Psiquiatria, a imprensa tem obrigação social de tratar desse importante assunto de saúde pública e abordar o tema de forma adequada. O site da instituição afirma que noticiar não aumenta o risco de uma pessoa se matar. Ao contrário, é fundamental dar informações à população sobre o problema, onde buscar ajuda.

 

 

“Então, penso que noticiar ou não deve partir, sempre, de uma decisão editorial que adote como pressupostos o interesse público, o bom senso e o respeito à família da pessoa que se suicidou”, contrapõe a Socorro Veloso.

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Levany Júnior

Levany Júnior é Advogado e diretor do Blog do Levany Júnior. Blog aborda notícias principalmente de todo estado do Rio Grande do Norte, grande Natal, Alto do Rodrigues, Pendências, Macau, Assú, Mossoró e todo interior do RN. E-mail: [email protected]

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