FOTOS IMAGENS-O quebra-cabeça do capital, geopolítica e da crise política brasileira, por Piero Leirner


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A ENERGIA DE DILMA

Por Piero C. Leirner

  1. Conexão Capital

O fim do governo Lula traz a lembrança de uma recorrência política que poucos estão recordando nesse momento. À época da eleição de Collor, muito se falou que ele foi um candidato inventado pela mídia. Como pouco se sabia dele, coube aquilo que lhe colocaram. Seu capital real, inflacionado pelo marketing que lhe atribuiu um verniz de modernidade, se compunha da herança de uma pequena oligarquia alagoana que estava acostumada com os trâmites de Brasília. Collor cresceu sacando o jogo, mas o jogo real, quando caiu nas suas mãos, encontrou um poder baseado numa aposta inflacionada, incapaz de segurar a miríade de interesses que circula entre as grandes capitais brasileiras e Brasília. Não custa lembrar que Collor procurou realizar dois movimentos na economia: confisco da moeda, e abertura de capital. Ele secou a base, tornou o dinheiro caríssimo em um primeiro momento, e não deu contrapartida; Mas ao contrário do que se podia esperar, a escassez de moeda não resolveu a inflação alucinada do governo anterior: ela logo resultou em inflação galopante, isto é, perda total da credibilidade do maior símbolo do estado, seu dinheiro. E logo, não tardou para que a inflação da moeda se convertesse em inflação do poder: Collor tinha pouca base, sua sustentação era ilusória. A bolha estourou em 2 anos, essa foi a história do poste inventado pela Globo.

Com Dilma houve um movimento político parecido, embora economicamente distinto. Sua duração foi bem maior, no entanto, graças ao fato de que ela sobreviveu na memória de um país anteriormente estabilizado por 16 anos. Essa foi, no meu entender, uma estabilidade política que produziu o acordo de uma estabilidade econômica também baseada em bolha: a inflação e a desmoralização do estado que começou a ser precipitada no governo Geisel e teve seu ápice em Collor, depois de uns 15 planos fracassados, foram convertidos em uma inflação ideológica baseada no compromisso de uma aliança entre o estado e o sistema financeiro internacional. Mas tudo continuou a ser bolha, como pretendo mostrar.

Como bem se sabe, entre outras coisas, o plano real se baseou, além do programa de abertura do mercado, em um amplo programa de abertura de capitais, especialmente estatais, junto com a contrapartida para uma “dolarização fake” da economia: o câmbio excessivamente apreciado, mesmo que aplicado numa força produtiva meio capenga, serviu para emparelhar o sonho burguês de não ser tão jeca. De repente, uma base nada desprezível de setores passou a inflar um setor de serviços (importadores, traders, bancos de investimento, lojistas, etc.) que se expandiu muito graças a um movimento de contração de outras bases: Durante FHC 1, venda de patrimônio; durante FHC 2, achatamento da base social, com escalada de impostos (percentualmente maior que as dos governos PT), desemprego e inflação. Mas a absurda taxa de juros e o câmbio apreciado continuaram a inflar a bolha: Todo mundo, de uma classe para cima, passou a ter papéis.

As amplas garantias que o governo deu ao sistema financeiro, especialmente incentivando a expansão de bancos de investimento que passaram a captar parte do dinheiro do capital produtivo foram também as garantias de amplo apoio da burguesia. A contrapartida disso foi uma certa dose de entrada de capital financeiro internacional numa crescente abertura das estatais, PRESERVANDO O DÓLAR BAIXO E A SENSAÇÃO DE EQUIPARAÇÃO QUE A BURGUESIA NACIONAL TINHA COM OS GLOBAL PLAYERS. Com a crise energética, esse movimento ficou particularmente claro na reestruturação tentada no setor elétrico, que alimentava boa parte dessa ciranda. Veja-se, por exemplo, uma ata, qualquer da CPFL ou Eletropaulo, quem são os acionistas¹. Esse é o momento chave, pois esse acordo não cessou durante o governo Lula. Os papéis, ao contrário do que poderíamos imaginar no governo de alguém saído do ABC, continuaram a operar um sopro de ar vital na banheira social.

Essa é uma história bastante complicada, mas para torna-la minimamente simples em função do argumento que quero trazer aqui, durante o governo Lula os papéis se sofisticaram de maneira “nunca antes vista na história desse país”. O que aconteceu foi um incrível processo de retroalimentação da bolha financeira, que deu gordura inclusive para desachatar a base social mais pobre. Mas o que mudou de rota? Houve, nesse momento, um intenso processo de desregulamentação financeira, aos moldes do que havia acontecido nos EUA na década de 1980. Henrique Meirelles, então presidente do BC e ex-presidente do Banco de Boston, foi “o cara” certo para fazer isso. Hoje é o ministro da Fazenda. De volta à época, não é à toa, penso eu, que Lula e Bush se tornaram grandes parceiros. Esse é um processo difícil de se ver, e sobretudo de se admitir, sobretudo para nós. Mas vamos lá.

Já em meados de 2004, explode um enorme processo de expansão de bancos e financeiras no país².

Mas a expansão dos bancos por si só não explica um processo dialético que alimenta a relação entre sistema financeiro e estado: de um lado, se expandiu de maneira considerável aquilo que vou passar a chamar de “dinheiro caro”: aquele que uma financiadora dá a conta-gotas, cobrando um juro enorme. É o $ que vai para nós, os não investidores, digamos assim. Mas esse é o mesmo $ que vai também para a outra ponta, a que vou chamar de “dinheiro barato”: aquele que alguém que tem mais de, digamos, 1 milhão, põe num papel seguro, e ganha fácil. A cobrança de um alimenta o ganho do outro, e aí o sistema infla. Um sistema retroalimenta o outro, mas não é nesse ponto que quero chegar. As duas pontas se expandiram, e isso com o mesmo dinheiro, o real, produzido pelo mesmo estado. No entanto, enquanto se viu com olhos nada vendados a expansão do crédito, outro jogo se fazia na ponta do dinheiro barato.

O capital começou um amplo movimento de recompra desse dinheiro. A burguesia, já suficientemente dolarizada após uma década de câmbio apreciado, passa a usar o expediente de aplicar no mercado de capitais brasileiro a partir de bancos de investimento e off-shores localizadas no exterior3.

Fonte: BC

Fonte: BC

Assim se dá uma dupla garantia. Seu dinheiro cresce e está protegido em dólar lá fora, garantido pela estabilidade que o processo de ingresso de capitais fornece ao amento da bolha econômica daqui. Isso em tese, pois o BC não consegue rastrear o que acontece com o dinheiro depois que ele vai para fora, especialmente em paraísos fiscais (destino número 1, cf. quadro BC logo acima).

Mas, é uma questão de lógica: um dinheiro vai para um paraíso fiscal, sede de inúmeros bancos de investimento e fundos. Ninguém manda dinheiro para o exterior para ser aplicado em títulos da dívida americana, europeia, japonesa, etc. Esses estão em juros negativos. Qual é o portfólio então? Os tais mercados emergentes. Nesses, além do Brasil ser campeão em ganhos, há uma questão claramente política: por que um investidor brasileiro iria colocar seu dinheiro num mercado como o russo, se ele pode olhar de perto o que está acontecendo em um “inside job” dos principais papéis brasileiros: elétricas, Vale, Petrobrás, etc? Ou seja, o sujeito coloca seu dinheiro lá fora, protegido pelo dólar e pelos tais swaps cambiais que o governo garante aqui (recompra pelo valor de câmbio real em dólar, caso haja desvalorização do Real), para de lá investir na compra dos papéis daqui, especialmente estatais4. É aí que se torna absolutamente estratégico ter pessoas no conselho dessas empresas… (e, me desculpe, comprar oferta de ações na Bovespa, nesses lotes para “pés rapados” que o Banco do Brasil vende, é coisa prá quem não sacou como é melhor fazer um inside job from the outside…).

É um processo maluco, onde o capital nacional se internacionaliza para pôr o dinheiro aqui, ganhando em cima dos juros brasileiros e da garantia de investimentos de risco protegidos pelo sistema financeiro em dólar. Isto, é claro, é uma operação pouco visível para o BC, que só nota o investimento direto em ativos lá fora (IDE: Investimento Direto no Exterior)5. Não é à toa que os maiores destinos desses investimentos são as Ilhas Cayman, Ilhas Virgens Britânicas, Austria, etc… [Ver quadro acima]. Mas o que realmente me soa estranho é que mesmo com esse montante enorme de capital sendo remetido ao exterior, as reservas internacionais não pararam de crescer [VER QUADRO ABAIXO]. Isto é, ENTRAM MAIS DÓLARES DO QUE SAEM. Se olharmos para os superávits comerciais, eles não são suficientes para fechar essa conta. O que passa então pela minha cabeça é que todo esse dinheiro que sai, volta, corroborando a hipótese acima.

Fonte: BC; elaboração: http://www.fpabramo.org.br/fpadefato/?p=425

Mesmo com o quebra-quebra de 2008, isso não foi suficiente para tirar o respiro desse movimento, daí a tal marolinha de Lula. Para quem quiser ver esse processo, basta entrar nos relatórios do BC sobre capitais brasileiros no exterior. É notável a expansão durante todo o ciclo do Real (ATÉ 1992 ERAM UNS POUCOS US$ BI, EM 2014 SÃO QUASE 400BI), mas os saltos realmente fortes foram entre 2010 e 2013. Mas o que salta mesmo aos olhos é que a menor expansão jamais registrada é entre 2013 e 2014. Coincidentemente, é nesse momento que Dilma vai perdendo todo seu apoio entre os diversos setores do capital.

Essas operações têm que ser feitas com uma espécie de fiador lá fora. Quando resolvi seguir o rastro desses fundos de investimento que estavam nas reuniões do setor elétrico daqui, foi aí que surgiu a pista. Por exemplo, havia um fundo, que peguei aleatoriamente, “GMO emerging markets” (há centenas desses), parte de seu capital é formado por empresas do agronegócio que se dedicam à pesquisa e cultura de transgênicos no Brasil. No entanto, são vários fundos que se reúnem nela. E outros que se cruzam, como por exemplo um “THE  MASTER  TRUST  BANK  OF  JAPAN,  LTD.  AS  TRUSTEE  FOR  MTBJ400045835”. No entanto, se olharmos para esses dois fundos, ambos tem duas coisas que se locupletam: ambos estão englobados pelo J.P Morgan, e têm sede em um conjunto de prédios em Barueri, ao lado de Alphaville, além de uma sede em NY e subsidiária em Tóquio.

JP Morgan é um dos nomes parceiros de bancos e financeiras que entram em efeito cascata hoje. Tudo se dá em função de um sistema de garantias e recompras. Por exemplo, uma montadora tem um banco; esse é controlado por outro, que tem parceiros internacionais, etc. Quando vemos na lista dos investidores das elétricas do Brasil o nome de um fundo de pensão de funcionários de sindicatos de Detroit, por exemplo, dá para imaginar como esse caminho é complicado. O financiamento do Chevrolet Celta daqui, indiretamente, paga o rombo de Detroit, que investe na CPFL. Olhando toda essa operação, está o JP Morgan, ou o Goldman Sachs lá, eventualmente através do Itaú, aqui. Então é notável que o capital internacional é, também em grande medida, nacional, ou vice-versa.

Para se ter uma ideia do paralelo, veja o tal caso dos fundos abutres da Argentina. Aparentemente era uma questão de fundos de risco: ganha-se muito, arriscando-se muito. Essa é a regra do jogo ao se aplicar em emergentes. Tudo se passou como se fosse uma simples pressão de investidores americanos através dos grandes bancos querendo seu quinhão de volta, mas não é só isso. Uma parte considerável é de investidores argentinos, e aí a pressão para pagar tem algum efeitointerno. As relações exteriores não funcionam se não estiverem conectadas com as interiores…

De todo modo, foi notável como este plano de Lula sem querer funcionou, financiando inclusive a enorme ampliação da base social tomadora de crédito – este aliás, um dos requisitos para fazer o sistema girar. E a aposta de Lula foi usar o setor de energia para financiar por alguns anos mais esse processo de expansão do capital. É aí que as coisas novamente se enroscam. Aliás, foi aí o racha que hoje vemos entre Dilma e Marina Silva. Não sei exatamente o porquê, mas suspeito que a essa aposta em energia teve dois grandes motivos que redobraram essa bolha: o primeiro foi a possibilidade de projeção de poder para a América Latina e Caribe, de um lado (as tropas no Haiti não foram mera coincidência), e África do Sul de outro (idem para a Namíbia). Esse foi inclusive um projeto coordenado com a China, mas até aí morreu neves. O par que iria alimentar isso era a associação entre a Petrobras e grandes empreiteiras, que fariam as obras de infra-estrutura nesses lugares. O pré-sal, a margem interna desse projeto, além de projetar poder no Atlântico Sul, elevaria a oferta doméstica de barris de 1,5 para 5 milhões de barris/dia (claro, às custas do aumento de 5 vezes o tamanho da dívida, mas isso com certeza ia ser equacionado), oferecendo colchão não só para a indústria automobilística, capenga no mundo mas aquecida aqui, como para as termoelétricas, que garantiriam que não mais se passaria por um apagão semelhante ao que derrubou FHC.

O segundo motivo é este que estamos vendo aí. Desde sempre a base do PT foi insuficiente, e o mensalão foi um mecanismo grosseiro de garantia de gestão dos interesses no Legislativo. O petróleo se constituiria num processo mais engenhoso, dado que tudo se passaria no interior de estatais, protegidas por segredos industriais, num acordo tácito com a assim chamada base aliada. Além disso, já na década de 1980, a Petrobras era uma das maiores fontes de IDE, só diversificados prá valer depois do governo Lula [O NÚMERO DE DECLARANTES DE IDEs EM 2001 (ANO BASE 2000) ERA DE APROXIMADAMENTE 11,5 MIL; EM 2003 (ANO BASE 2002), CAI PARA 10 MIL; EM 2011 (ANO BASE 2010), SÃO 21,7 MIL; EM 2014 (ANO BASE 2013), 37 MIL]. É aí que Dilma venceu a parada. Nessa aposta. A bolha do executivo poderia se garantir desde que essa bolha do fluxo de capitais continuasse inflando, junta. Todo mundo sai ganhando, e os postes de energia alimentam tanto o capital, quanto a política. É assim que Lula foi plantando postes por aí.

Evidentemente, esse é só um dos pontos do problema todo. Sustentar o acordo tácito de ampliação da capitalização internacional da burguesia e a ampliação do dinheiro difícil do crédito não é simples. O projeto, como sabemos, tira capital fixo e investimento da indústria e concentra ele nos serviços e nas commodities. Quando se fala que a taxa de investimento no Brasil é irrisória, geralmente não se está levando em consideração que os IDEs praticamente dobram o número. Essa foi a dinâmica desde FHC, que parece ter encontrado seu ponto de culminância em Dilma 1.

  1. Acirrando as Contradições

Dilma, que é uma verdadeira usina de postes, começa seu segundo governo com um sério problema: para sustentar esse projeto, é notável que ela tem que fundar um novo monopólio econômico, com concentração de poder demasiada nos setores energético e nas empreiteiras, que trabalham agora como um consórcio. Os IDEs, como vimos, praticamente estagnaram entre 2013 e 2014, o que pode ser um forte indício de esgotamento desse ciclo. Isso talvez porque fundamentalmente a baixa nas commodities retirou boa parte do atrativo desse tipo de jogada; mas, afinal, esse era um ciclo que operou desde sempre no plano Real, não se muda de uma hora para outra. Concentrar em energia e construção parecia ser, por algum motivo que só me vem à cabeça se considerarmos a POLÍTICA, uma saída possível para esse impasse. Isso porque basicamente, esses são os setores que também se propagam nas fileiras de um monopólio político, deixando à deriva cada vez mais setores tradicionais do empresariado, sobretudo paulista, que de certa maneira sempre esteve conectado com o PSDB. É notável, assim, que a assim chamada “bancada das empreiteiras vai se tornando a maior do congresso. E, pasmem, qual seria o partido dominante dessa bancada? Vejamos uma breve comparação:

Bancadas, (no destaque, três exemplos de composição: empresarial, agropecuária e empreiteiras) segundo site “Apública”:

 

 

 

 

 

Fonte: http://apublica.org/2016/02/truco-as-bancadas-da-camara/

No entanto, é preciso notar que desde o começo a política de desindustrialização foi fruto do acordo de promoção que a burguesia establishment realizou com o setor financeiro para estabilizar a moeda, e assim o próprio estado. É notável, contudo, que seu crescimento causou cada vez mais dependência de capitais que estavam absolutamente fora do controle da própria burguesia, e algo fora do controle dos próprios bancos brasileiros. Conforme bolhas aumentam, outras vão estourando. Ainda assim, Dilma, talvez vendo que uma bolha enorme poderia estourar em sua mão, tem que recorrer a soluções complicadas para ventilar o sistema todo: de um lado, selar uma ampla gama de incentivos ao setor industrial, dando um refresco para que este continuasse a reprodução ampliada de capital em ritmo aceitável. De outro, aumentando o programa de crédito de dinheiro difícil, subsidiando vários programas sociais. Amarrando essas pontas ainda estaria todo o programa de infra-estrutura, que selaria a base política de seu governo.

Tudo isso funciona desde que se tire de algum lugar. Em FHC se tirou da fórmula inflação alta, mas controlada + juros + desemprego, mas houve uma “inclusão burguesa” e venda de patrimônio; em Lula, se tirou de desregulamentação financeira e fusão de capitais, nacionais e estrangeiros, aumentando substantivamente a participação do capital financeiro na economia (é isso o tal crescimento do setor de serviços…). Todo esse jogo, como é mais do que sabido, só funciona na aposta de crescimento entre setor primário e de serviços. Era sabido que esse processo gerava a chamada “doença holandesa”, mas mesmo assim a reserva do pré-sal era tão gigantesca que poderia garantir alguns anos de alimentação ao sistema. Ainda assim, jorrar petróleo para exportação acirra uma contradição, pois a desindustrialização decorrente da apreciação cambial6acelera a fuga da indústria para fundos aplicados nos próprios setores exportadores, e ela de fato fez amplo uso da papelada para tal. Mas subsidiar a indústria aumentando a desindustrialização é algo, para se dizer o mínimo, esquizofrênico.

Mas sempre há um ponto crítico: é preciso manter o parque, como diria o arquiteto em Matrix, “nem que seja em níveis críticos de sobrevivência”. Para Dilma, a questão era reativar esse parque. Re-financiar a indústria, jogando uma dinheirama nela, ainda que mantendo o câmbio lá embaixo. Mas então tirar de onde? A solução foi, sem sombra de dúvida, espremer os bancos. E foi aí que a bolha começou a esticar e deformar. Minha hipótese é que o setor financeiro é de tal maneira internacionalizado e imbricado à (geo)política que mexer nele tem implicações que fogem ao controle do governo dos assuntos domésticos: é uma questão de Estado, articula este em várias instâncias.

Nesse sentido, me apego aqui sumariamente à análise brilhante de André Singer7, sobre como este processo se desdobrou durante o governo Dilma. Segundo ele, a debandada começou com os bancos. Dilma forçou os bancos públicos a reduzirem cada vez mais o juros de financiamentos, além de diminuir a Selic. Para Dilma conseguir aumentar o crédito como desejava, seria preciso sobretudo chegar à taxas de juros reais próximas de 1%, patamar problemático pois estica a corda de outro lado. Como vimos, o juro alto e o câmbio apreciado são a base da manutenção de uma aliança frágil entre diversos setores de capital. Descer o juro representa algo fora da curva no Brasil. Dá para aumentar o juro e diminuir o câmbio, e vice-versa. Mas ambos… Claro, ninguém é idiota quando se está no governo, e provavelmente se intuía que esticar a corda nesse patamar poderia arrebentá-la. Decidiu-se por uma série de medidas que fariam um contrapeso, literalmente financiariam esse plano. Elas se centram na baixa forçada da energia e dos combustíveis8, além do dólar (tenho a impressão que esse dólar baixo seria visto como a salvação da pátria, só que não…)9; e no uso dos bancos públicos como tapa-buracos de rombos no orçamento, o que gerou o aumento astronômico das tais conhecidas “pedaladas fiscais” (e, note-se, a conta que nunca fecha é sempre em torno de 150 bi…). Mas afinal, esse não poderia ter sido um simples acordo com o capital? Algo que diga: “olha, vocês podem pagar essa conta por uns 3, 4 anos?”. É aí que entramos na bolha, de novo: se numa jogada dessas quebra-se um ou outro setor, todos podem começar a estourar, e aí, como sabemos e vemos acontecer nos quatro cantos do mundo, o efeito dominó dá conta do resto: crise sistêmica.

Tive uma conversa bastante interessante com um economista importante, na qual perguntei, há coisa de uns 6 meses, por que raios esse número mágico de Selic a 14,5% ao ano (5~5,5% reais). Por que não 13,75%? Ou 12%? Ele disse que isso não fazia sentido algum, era simplesmente um número mágico. Era um acordo tácito. Mas afinal, cada pontinho desses representa mais de 100 bi no comprometimento do orçamento, ou um ajuste fiscal e meio. Não creio, assim, que seja só mágica, embora tenhamos que respeitar o ponto de vista nativo. Ou então, sabemos, a magia deve ser encarada com sua eficácia. Diminuir 150, 200 bi desse tal “acordo tácito”, era estourar a bolha de todo aquele compromisso iniciado lá atrás, com FHC, e continuado com Lula. Pouca gente, mas muito graúda, sacou as implicações disso. Afinal, que mal faria se as pessoas ainda tivessem o amplo acesso ao crédito, as indústrias, especialmente a automobilística, aumentando sua produção em 1mi de carros por ano? No entanto, secar o dinheiro fácil, da ponta de cima, implica em secar o difícil, de baixo. Como vimos, ambos estão conectados. Então, foi surpresa, mas pelo visto só para o governo, que diante da taxa de juros mais baixa de sua história, a inadimplência tenha estourado no Brasil. Se as pessoas estavam pagando menos juros de um lado, mas comprando mais por outro, os preços – mecanismo de reação do capital frente à perdas em outras áreas – estouraram, e aí vem a conta para pagar. É, assim, um problema de (des)acordo de classes10.

Na interpretação de André Singer, a debandada da burguesia financeira foi um sinal para que depois, alguns meses, o agraciado empresariado da Fiesp (estima-se que o bolsa empresário tenha sido por volta de 350bi, justamente a economia dos juros), por instinto de sobrevivência, tenha abandonado o barco11. Mas há algo a mais aí. Lembre-se de que por trás de muita ação ali estava um grande plano de alavancar o desenvolvimento a partir da aliança entre energia e construção civil. Singer mostra que a reação dos acionistas internacionais das elétricas foi o que plasmou definitivamente a retirada de apoio do setor financeiro. Em minha interpretação, como de fato a burguesia industrial estava mais do que amarrada nesses papéis, o que ocorreu foi o abandono de barco por conta da real perda de dinheiro aplicado através das off-shores, especialmente em papéis bastante indexadores da economia brasileira: Petrobrás, etc. Some-se a isso o fato de que a queda nos preços das commodities acentuou a fragilidade de um plano que dependia completamente da alta delas, sobretudo do petróleo.

Mesmo assim, como sabemos, Dilma se reelegeu, e com ela a maior bancada das empreiteiras que assumiu o congresso. Essa era uma aliança ainda extremamente forte, outra bolha que parecia ser indestrutível. Surpreendentemente, paralelo a esse fato, o governo percebe que tem que se rearrumar com a banca, senão a vaca iria para o brejo. Tarde demais. Entre 2014 e 2015, o valor de mercado dos bancos brasileiros caiu cerca de 25%12, mesmo tendo lucros absolutamente recordistas (aliás, a rentabilidade dos bancos brasileiros consegue ser maior que a norte-americana)13; a Petrobrás perdeu quase todo seu valor, mesmo tendo aumentado 1 milhão de barris/dia a produção. Nessa hora, vemos que a economia produtiva está bem descolada daquela da ilusão da bolha. Numa simples conversa com um funcionário da Volkswagen, soube que as vendas de carros caíram para o patamar de 2008. Perguntei o que mudou. Ele me disse: “agora só compra aquele que tem um salário mesmo; os 50% que caíram eram basicamente o banco VW…”.

Pelo visto, esse é um indício de uma das bolhas que começaram a estourar. Mas aí fica a pergunta, de novo: estamos falando de setores muito poderosos, empreiteiras e energia: como podem ter caído tão facilmente? Como poderia uma investigação, um juiz, de uma primeira instância, ter estourado essa bolha?

  1. “Ajudinha” de Fora

Como disse acima, podemos acreditar que grande parte dos gargalos de um estado-nação hoje estão no setor de energia. A suspeita de que parte do rolo passava por aí veio quando juntei a informação que André Singer publicou sobre as perdas internacionais que a reestruturação do setor elétrico provocou14, com algo que já estava há muito me intrigando, aquela diversidade de fundos que compõem os acionistas com direito a voto da elétricas, representados, por exemplo, pelo JP Morgan. Mas creio que somente as perdas de acionistas espalhados por Wall Street não é suficiente para se entender um dos pontos de partida mais significativos para o estouro da bolha energia + construção civil, e sua consequente ação sobre o Estado.

Se de certa forma o que vimos até aqui foi um acumulado de causas para o golpe, queremos agora botar o foco num de seus (contra)efeitos. Para então tentar entender o que se passa, vou propor uma leitura de fatos que vai de frente para trás. Quero começar pela nomeação de José Serra para o Ministério das Relações Exteriores por M. Temer. Se a primeira coisa que pode passar pela nossa cabeça é que há pouco ele foi o autor do PL sobre as mudanças de regras na exploração do pré-sal15, e que ele havia em 2009 entrado em contato com executivos da Chevron e da embaixada americana para dizer que tentaria “reverter as regras”16, isso não indica claramente o porquê dele ocupar justamente essa posição. É preciso estar atento ao fato de que ele colocou, já em sua primeira declaração, que seu objetivo é rever o Mercosul, olhando particularmente para a Venezuela.

Como sabemos, a Venezuela tem representado um ponto sensível na geopolítica ocidental. Não se trata só de petróleo e seu controle, mas antes de ter um antagonista político bem na garagem de casa. Trata-se sobretudo de um problema de projeção de poder para a região do Caribe, e Cuba está na articulação desse eixo. Há coisa de uns 6 anos atrás, conversava com um general sobre as forças de paz no Haiti, sobre seu comando por um brasileiro. Ele me disse, textualmente: “você sabe, né, que o problema é Cuba. Já sabemos que mais hora menos hora aquilo se abre, e tá todo mundo correndo para ver quem vai pegar primeiro, quem vai construir o sistema energético lá, que é o grande ponto de estrangulamento hoje”. Venezuela, Haiti e Cuba, como sabemos, estavam sendo um mercado para nossas empreiteiras, que, financiadas pelo BNDES, estavam rapidamente construindo a infra-estrutura desses lugares, em continuidade com os projetos do PAC pensados para nossa economia doméstica a partir de 2011.

O que estou procurando dizer, então, é que há uma forte conexão entre problemas de geopolítica brasileira e a readequação dessa aliança entre energia e empreiteiras. É preciso levar a sério essa pretensão brasileira, para qual se somou mais uma: a projeção de sua influência para o sul da África, com a construção de infra-estrutura em Angola e o estabelecimento do comando de forças de paz na Namíbia. Lula se tornou um protagonista ativo desse processo; desde seu governo, multiplicaram-se as embaixadas na África, e depois dele Lula se tornou um notório lobista de empreiteiras brasileiras, fato, aliás, que tem representado o maior nó em sua atual carreira política (voltarei a isso). Tenho a impressão que é aí que entra a Petrobrás, e a posterior atuação de Serra.

A descoberta do pré-sal no Atlântico Sul, em 2006, engendrou diversos projetos que poderíamos compor nessa aliança entre empreiteiras e energia. Um dos pontos que foram levantados e mais do que explorados por opositores dos governos do PT foram os perdões de dívidas de países como o Congo, Costa do Marfim, Gabão e República Democrática do Congo. Todos eles têm petróleo no pré-sal, e o perdão das dívidas, que estavam em inadimplência, era uma exigência legal para que o BNDES pudesse financiar empreiteiras brasileiras atuando nesses países. Mas afinal, alguém pode pensar por que diante de uma reserva de 80 bilhões de barris no litoral que vai de Santos à Santa Catarina, haveria algum interesse em financiar infra-estrutura nessa área africana? Eis o ponto.

Para se entender onde estamos delineando nosso argumento, podemos recuar até o governo Geisel. Em 1975, ele foi o primeiro governo do mundo a reconhecer a independência de Angola, sobre a libertação promovida pela marxista MPLA. Na mesma época, há um rompimento com o alinhamento automático aos EUA, e, sobretudo, o começo de um tratado de cooperação nuclear com a Alemanha. Sabemos o que aconteceu com esses projetos: apesar da construção de Angra 1, até o governo Lula o projeto nuclear brasileiro ficou praticamente em stand-by. Em relação à África, idem: na década de 1980, apesar de empreiteiras brasileiras atuarem em diversos lugares, prevaleceu um multi-lateralismo, com uma atuação que variava em vários países, do oriente médio ao norte africano, com exportações de armas leves e carros, além da construção de uma ou outra obra. Aliás, é notável que o estoque de capital brasileiro no exterior, nessa época, não passava de US$ 2,5bi.

Lula procurou rever essa situação, particularmente incentivado pelo seu vice-presidente, José de Alencar. Já em 2006 ele preparou o maior projeto de reequipagem das forças armadas, algo em torno de R$ 85 bilhões para serem gastos em 4 anos. Em 2008 o pré-sal deu as primeiras amostras de que iria se consolidar, e aí um novo ciclo de retomada de projetos dos anos 1970 voltou a ser reativado. O primeiro, que para mim é o “x” da questão, é o programa nuclear brasileiro. Em setembro de 2009, José de Alencar defendeu abertamente a construção da bomba atômica aqui17. O projeto não foi tão longe, mas houve financiamento amplo das indústrias nucleares brasileiras, a ponto de deixar claro que o Brasil dominaria o ciclo e teria condições industriais de desenvolver a bomba em tempo hábil diante de qualquer ameaça. Além disso, reativou-se a construção de Angra 3, e, sobretudo, o projeto de construção de um submarino nuclear brasileiro, basicamente proposto para a defesa do pré-sal. Formaria-se assim um “corredor geopolítico” no Atlântico Sul, anexo ao projeto de emprego das forças terrestres no Caribe e África.

Isto acendeu o sinal amarelo nos EUA, que já estava atento ao problema nuclear brasileiro. Ainda em 2004, apareciam denúncias esparsas, como uma publicada pelo Washington Post, de que o Brasil escondia instalações nucleares18. Durante os anos que se sucederam, foram diversos os atritos entre comissões de inspeção e a Fábrica de Combustível Nuclear, em Resende (RJ). Em 2008, os EUA reativaram a 4ª frota da marinha, com duas dúzias de navios responsáveis pelo Caribe e Atlântico Sul. Uma das justificativas claras foi o monitoramento do pré-sal. Ainda que se argumente que esse é um jogo geopolítico normal, há coisas nele que devem no mínimo provocar nosso estranhamento. A principal, a meu ver, é a reativação da indústria de defesa brasileira em termos de produção de equipamentos nucleares. Além disso, como mostram vazamentos wikileaks, havia a percepção americana de que a geopolítica brasileira tinha, com Lula, uma orientação claramente antiamericana19.

Nesse passo, os atores principais foram: a Marinha, que sempre foi a responsável pelo programa nuclear brasileiro; sobretudo através de seu principal protagonista, o Almirante Othon Luiz Pinheiro Silva. Ele não só era o responsável pela retomada de Angra 3, como, principalmente, pelo desenvolvimento do submarino nuclear brasileiro, numa parceria firmada com…. a Odebrecht Tecnologia e Defesa (ODT), subsidiária da empreiteira20. É pouco dizer, a essas alturas, que tanto o Almirante Othon quanto Marcelo Odebrecht estão presos, acusados na lava-jato? E que a Mectron, subsidiária da ODT, que desenvolve mísseis da classe exocet (anti-navio), está à venda?

Não é preciso ir muito longe para deduzir que a prisão de Odebrecht, além da situação de congelamento que a empresa como um todo passa, além da prisão do Almirante Othon, paralisaram o submarino (além do nuclear, outros 4 convencionais estavam sendo construídos), além de outros projetos. A defesa brasileira parece ter recuado aos patamares da década de 1990. Há quem possa argumentar que essa especulação vai longe demais, e que, enfim, a Lava Jato, mesmo que atingindo a Petrobras e por consequência a suas parceiras no projeto energia + empreiteiras, nada teria a ver com isso. Mas é aí que as coisas estranhas começam a aparecer, e formar um desenho realmente perturbador.

Tudo começa com o o juiz Sérgio Moro, e os dois principais procuradores da lava-jato, Carlos Fernando dos Santos Lima e Deltan Martinazzo Dallagnol. Os três paranaenses têm uma trajetória bastante próxima ao olharmos seus currículos: entre fins da década de 1990 e começo dos anos 2000, todos fizeram mestrados nos EUA: Moro e Dellagnol em Harvard, e Lima em Cornell. Como se sabe, todos se especializaram em lavagem de dinheiro, e suas orientações acadêmicas inicialmente visavam crimes financeiros que acobertariam atividades sobretudo do tráfico21. Como qualquer um sabe, o tráfico é um ponto sensível para os EUA na América do Sul, e nesse quesito, particularmente, podemos destacar, de acordo com o Lattes de Moro, que ele realizou também uma série de cursos no Departamento de Estado dos EUA. Recentemente, o wikileaks também divulgou algo sobre um seminário realizado no Rio de Janeiro, ligando Moro a figuras do Departamento de Estado americano, numa pauta que ia do narcotráfico a atividades terroristas na tríplice fronteira.

Como se sabe, em 2013 veio a público o vazamento wikileaks de que a Petrobras era alvo de grampo, e a partir daí se intensificou uma troca de informações entre o MPF brasileiro e setores do estado americano, particularmente sobre a Petrobras e a Eletrobras22. Foi nesse momento, coincidentemente que o MPF e o juizado de 1ª instância de Curitiba começaram a agir com completa autonomia. Tendo percebido que tinham um recurso de informações absolutamente substancioso para por o executivo de joelhos, esses órgãos do Judiciário começam a galvanizar uma série de interesses, entre eles todos os que começamos a desenhar acima, para realizar um projeto de auto-empoderamento. É aí que fecho os argumentos disso que estou tentando explicar como um “efeito bolha” no Estado. A razão de todos esses agentes, no meu entendimento, é um processo de ganho de poder em causa própria. Não há, ao meu ver, uma orquestração com um comando hierárquico que vem de um único lugar.

A geopolítica norte americana; os interesses do sistema financeiro; a dependência do capital deste; o processo de autonomização de setores do estado. Tudo isso sem querer encontrou um caldo comum a ser combatido, que era a aliança entre PT, empreiteiras e transformação do setor energético. É aí que jogo, assim, com as primeiras evidências pós-queda de Dilma.

De maneira bastante especulativa, diria que a indicação de José Serra para o MRE, somada ao que pode ter sido a série de reuniões de Aloysio Nunes Ferreira com membros da administração Clinton recentemente nos EUA, sinaliza uma virada de 180º, literalmente, nessa pretensão brasileira de projeção de poder naval para o Atlântico sul. A inversão de direção se dá em dois eixos: do mar para a terra, e da África para os vizinhos sul-americanos. Serra já andou sinalizando que sua tarefa será rever a política em relação aos países produtores de coca e, especialmente, em relação ao enclave venezuelano. Simultaneamente, não pronunciou uma palavra sequer em relação à África, mas sabidamente seus colegas de senado fizeram várias críticas quanto à política de financiamento do BNDES para as empreiteiras no exterior.

Na defesa de Dilma no senado, ainda durante a comissão que iria votar o relatório elaborado por A. Anastasia, algo me chamou a atenção: o ex-presidente da OAB, Marcello Lavenère associou enfaticamente os interesses em derrubar Dilma ao que seria o jogo internacional de interesses no pré-sal. Após sua exposição, Aloysio Nunes pediu a palavra e em tom bastante enfático procurou qualificar essa tese como um completo delírio, em tom quase de chacota. Ao mesmo tempo, como se sabe, houve uma enorme campanha associando os investimentos em Cuba, Venezuela e na África como se fosse apenas uma transferência de renda para aliados marxistas. Isso não é, nem pode ser, apenas fruto de um desconhecimento da geopolítica regional. Não é a troco de nada que simultaneamente ao recuo brasileiro, vemos Obama fazer o primeiro desembarque norte-americano na Ilha.

É curioso, e trágico ao mesmo tempo, notar que essa é pelo menos a segunda vez que uma pretensão expansionista brasileira em direção ao mar resulta num refluxo em relação à terra. Essa é uma tese muito difundida entre setores conservadores no Brasil, a de que devemos ser uma subpotência regional, controlando os ímpetos dos países vizinhos, e especialmente realizando isso em parceria com a Argentina. A tese do soft power, algo como da classe de países como o Japão – que rapidamente se converte numa potência nuclear, se for o caso – perde força com esse novo realinhamento. Além disso, não me deixa de causar certo incômodo o fato de que o novo ministro da Defesa ser Raul Jungmann (PPS). Para pensar o que isso pode significar, basta lembrar que ele foi presidente do INCRA e depois Ministro do desenvolvimento agrário do governo FHC. Ou seja, sua área de atuação governamental foi justamente o campo, um elemento que está particularmente sensibilizado com a queda de Dilma e a atuação do MST como “exército”. Mas não só. Apenas para pensar, Jungmann foi nomeado conselheiro da Light S.A., a elétrica mineira, durante o governo de Aécio Neves em MG.

Vemos, assim, que esse governo aponta para uma nova transição que revê a aliança entre setores elétricos, empreiteiras e a geopolítica brasileira. Nada mais sintomático, nesse sentido, que a poda do projeto lobista de Lula em relação às empreiteiras no exterior: tudo indica que, mais hora menos hora, vão pegar Lula por conta dessa relação. O tríplex no Guarujá e o Sítio em Atibaia são, até agora, as evidências de um eventual “tráfico de influência”. É pouco, mas é suficiente para tornar Lula inelegível em 2018.

O grande problema que vejo, daqui para frente, é como desarmar o resto da bomba relógio que foi montada para explodir a bolha petista. Como resultado, vimos que vários setores do estado adquiriram uma inércia gigantesca, no sentido de realizar um movimento de autonomização e ataque aos poderes vizinhos. Além disso, o capital espera aflitamente que um novo sopro de ar dê fôlego para que sua dinâmica baseada no ciclo de retroalimentação da papelada continue, e assim o valor de face de seus papéis seja retomado aos níveis de 2010, pelo menos. Não há muita alternativa aí: face a isso, a conta só pode ser paga com venda de patrimônio e/ou com aumento da extração de mais-valia. Esses serão os pontos que veremos nos próximos dois anos, em minha opinião.

Tudo se passa, então, como sintoma de um acordo entre setores de capital e a conveniência que isso traz para um jogo geopolítico, reavivando o poder de uma burguesia dependente e seus entrelaçamentos com setores políticos que estavam fora do jogo há um bom tempo. Vários setores, assim, sonham em respirar de novo. A grande questão é se essa volta ao passado se sustenta. Meu palpite, a essas alturas, é que a inércia de setores do estado vai também minar o governo Temer. É bem possível que venhamos a assistir uma paralização total da máquina pública, que, aliada à locomotiva sem freio do judiciário, tornaria todo esse projeto golpista insustentável. Talvez as palavras de R. Jucá no áudio vazado sejam proféticas: “eles querem fundar uma nova casta política”.

Pierro C. Lenier é professor da Universidade Federal de São Carlos

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Levany Júnior

Levany Júnior é Advogado e diretor do Blog do Levany Júnior. Blog aborda notícias principalmente de todo estado do Rio Grande do Norte, grande Natal, Alto do Rodrigues, Pendências, Macau, Assú, Mossoró e todo interior do RN. E-mail: [email protected]

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