ALTO DO RODRIGUES RN-Fundos que compram heranças em disputa judicial oferecem retornos de até 20% ao ano


Herdeiros de grandes fortunas que brigam na Justiça para receber os valores que julgam devidos passaram a encontrar nos últimos anos no mercado financeiro uma saída para se livrar do problema.

Modalidade de investimento ainda relativamente recente no Brasil, fundos que compram disputas judiciais envolvendo litígios entre herdeiros pelos bens deixados pelo patriarca ou matriarca da família vêm aos poucos ganhando cada vez mais espaço no mercado local.

Esses fundos costumam fazer uma oferta aos herdeiros para comprar o direito de receber o valor previsto alguns anos à frente, mediante um desconto em relação ao montante total por conta do risco de o pagamento da herança atrasar ou, eventualmente, até não ocorrer, a depender dos caminhos trilhados no meio jurídico.

Sócio responsável pelas áreas de originação e estruturação da gestora especializada em ativos estressados Jive Investments, Guilherme Ferreira afirma que o desconto oferecido varia de caso a caso, a depender do grau de complexidade envolvido.

Segundo Ferreira, além de analisar aspectos como o prazo que pode demorar até receber efetivamente o dinheiro envolvido na disputa, qual a probabilidade de ganhar a causa e qual o valor do direito em discussão, em muitos casos também é necessário fazer um trabalho de investigação de bens que não estão listados dentro do inventário, como dinheiro em espécie, joias, obras de arte ou patrimônio mantido no exterior.

“Muitas vezes o herdeiro que nos procura que entende que está sendo prejudicado nos traz informações para rastrearmos o dinheiro”, afirma Ferreira.

O gestor da Jive –criada em 2010 para participar do leilão da massa falida do Lehman Brothers no Brasil– afirma que, para valer a pena considerar um investimento do tipo, o valor da causa precisa ser de R$ 50 milhões para cima, diante do trabalho de análise necessário para ingressar em um processo do tipo. “Em casos envolvendo processos judiciais, o tempo é um elemento bastante imprevisível.”

Por envolver ações judiciais que correm sob sigilo em varas familiares, não é possível abrir em quais casos a gestora investiu, afirma Ferreira. “As pessoas não querem lavar a roupa suja em público”, diz o especialista, acrescentando que a Jive deve ter investido um valor entre R$ 100 milhões e R$ 150 milhões em disputas judiciais ao longo dos últimos meses.

Já sob a ótica do investidor que aceita o risco de esperar o curso do processo para receber o valor envolvido na disputa, a expectativa de retorno dos fundos de ativos estressados da Jive, que também incluem precatórios, carteiras de crédito inadimplentes de grandes bancos e imóveis, é de 20% ao ano.

Dado o grau de sofisticação da operação, os fundos da gestora são voltados somente para os investidores classificados pela legislação de mercado como profissionais, que são aqueles com R$ 10 milhões em aplicações financeiras.

Na Root Capital, gestora fundada no início de 2022 e que também investe em disputas judiciais dessa natureza, o retorno almejado é de 15%, em dólar, dado que cerca de 80% da base de clientes é formada por grandes investidores estrangeiros.

Sócio e diretor de investimentos da Root Capital, Rafael Fritsch afirma que, em um cenário de juros altos, os fundos representam uma boa alternativa para destravar liquidez aos herdeiros, que podem aproveitar o momento macroeconômico atual para fazer investimentos de baixo risco e retorno atraente.

Entre as operações realizadas recentemente, Fritsch aponta o investimento em um precatório detido por herdeiros de um espólio, que aceitaram vender o título com desconto a esperar pelo recebimento do valor devido.

Ele acrescenta que, em operações envolvendo disputas judiciais, um investimento comum de ser realizado é o de proporcionar o financiamento para que uma das partes no processo consiga fazer a aquisição da participação dos demais envolvidos para encerrar o imbróglio.

“Às vezes, tem o caso de herdeiros com uma situação financeira melhor do que os outros, e o que está em uma situação pior pode querer se desfazer do ativo a que tem direito”, afirma o gestor.

O sócio da Root Capital, que acumula passagens por bancos internacionais de grande porte como JP Morgan e Bank of America, afirma estar nos planos uma possível captação de recursos em 2023 para aproveitar as oportunidades que podem surgir nos próximos meses.

O ambiente macroeconômico previsto para o próximo ano, com crescimento econômico baixo e juros elevados, tende a ser propício para o surgimento de operações para fundos focados no investimento em ativos estressados, ainda que não necessariamente envolvendo disputas judiciais, diz Fritsch.

Sócio fundador do escritório Candido Martins Advogados, Alamy Candido afirma que situações de disputa por herança entre membros de uma família decorrem muitas vezes da falta de um planejamento patrimonial e sucessório.

“O planejamento patrimonial é super relevante, e isso não é algo que se faz da noite para o dia”, afirma o especialista.

A formação de uma reserva por meio de um fundo de previdência ou de um seguro de vida são opções acessíveis que podem servir como uma alternativa para que se possa fazer o planejamento sucessório entre os membros de uma família ao longo de alguns anos, diz Candido.

Reuniões prévias entre os participantes, com cada um expondo seus desejos e preocupações, também é recomendável a fim de evitar possíveis disputas na Justiça mais à frente, afirma o advogado. “Têm vários exemplos de inventários com mais de cinco anos de prazo, ou até mais do que isso, porque não se chega a um acordo, com muita gente dentro do processo, em que as notificações são intermináveis.”

LUCAS BOMBANA
FOLHAPRESS

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