A PALAVRA DO DIA-Como Entender Romanos 9?


Por Prof. Gabriel O. Porto¹

Certamente, o texto mais usado por calvinistas para defender a ideia de que Deus não quer salvar a todos e que, por isso, Ele já cria pessoas com o único propósito de condená-las, é o capítulo 9 de Romanos.

Antes de tudo, é muito importante explicar que, na época em que os livros sagrados foram escritos, eles não tinham essa divisão de capítulos e versículos. Essa subdivisão foi feita muitos séculos depois.

O que quero dizer com isso, é que Paulo, quando estava escrevendo a carta aos Romanos, desenvolveu um único texto corrido em sequência. Portanto, uma interpretação correta e saudável tem que analisar os assuntos principais de toda a carta aos Romanos.

Também é fundamental entender que o trecho que abrange os capítulos 9, 10 e 11 de Romanos, são uma única sequência e portanto, formam um único bloco que trata do mesmo assunto, a nação de Israel.

Toda informação descrita nos capítulos 1 a 8 da carta, nos auxiliará a entender corretamente qual é a mensagem que o Apóstolo Paulo quis transmitir nos capítulos 9, 10 e 11 de sua carta aos Romanos.

É fundamental para um correto entendimento, perceber que Paulo não trata a respeito de indivíduos nesse texto; mas do povo israelita em 3 etapas. O capítulo 9, fala sobre as origens e o passado de Israel.

No 10, fala sobre o presente de Israel, ou seja, a época em que Paulo escrevia o texto. E no 11, fala sobre o futuro da nação de Israel, o momento em que as promessas para o povo de Jacó serão cumpridas.

Tendo em mente que o capítulo 9 de Romanos está tratando da eleição, das origens e do passado da nação de Israel, ficará muito mais fácil de entender as afirmações que o texto faz e seu real significado.

Esse é um texto complexo que, há séculos é motivo de muitas controvérsias. Para que o leitor possa ter um entendimento mais completo desse texto e de seu significado, ele será transcrito na íntegra.

“…tenho grande tristeza e constante angústia em meu coração. Pois eu até desejaria ser amaldi-çoado e separado de Cristo por amor de meus irmãos, os de minha raça, o povo de Israel. Deles é a adoção de filhos; deles é a glória divina, as alianças, a concessão da Lei, a adoração no templo e as promessas. Deles são os patriarcas, e a partir deles se traça a linhagem humana de Cristo, que é Deus acima de todos, bendito para sempre! Amém”. (Romanos 9.1-5)

Paulo começa falando de sua tristeza pelo fato de que a maior parte do seu povo não aceitou a mensagem do evangelho de Jesus Cristo. Ao ponto de dizer que preferiria sofrer a condenação eterna, se com isso pudesse salvar todo o povo de Israel.

Ressalta que o povo de Jacó recebeu grandes honras da parte de Deus. É com eles que Deus fez as alianças, eles são a descendência dos patriarcas, por meio deles, Deus entregou a Lei, as Escrituras, o Templo, enviou os profetas e também o próprio Cristo.

“Não pensemos que a palavra de Deus falhou. Pois nem todos os descendentes de Israel são Israel. Nem por serem descendentes de Abraão passaram todos a ser filhos de Abraão. Ao contrário: “Por meio de Isaque a sua descendência será considerada” Noutras palavras, não são os filhos naturais que são filhos de Deus, mas os filhos da promessa é que são considerados descendência de Abraão. Pois foi assim que a promessa foi feita: “No tempo devido virei novamente, e Sara terá um filho”. (Romanos 9.6-9)

Nesse segundo trecho, Paulo argumenta que o fato da maior parte do povo de Israel ter rejeitado o Messias, não significa que os planos de Deus foram frustrados, pois nem todos os descendentes físicos de Abraão, são povo de Israel aos olhos de Deus.

Para exemplificar esse conceito, ele cita o texto de Gênesis 21.12 para afirmar que embora, Ismael fosse filho de Abraão segundo a carne, não era ele quem seria considerado para a linhagem de Abraão.

“Mas Deus lhe disse: “Não se perturbe por causa do menino (Ismael) e da escrava (Hagar)…. porque será por meio de Isaque que a sua descendência há de ser considerada”. (Gênesis 21.12)

Pois ele foi gerado apenas de modo natural, mas Isaque foi eleito por Deus como sucessor de Abraão e patriarca do povo de Israel porque ele era o filho da promessa. Ele foi gerado por um milagre de Deus!

É importante observar que pelas tradições da época, o mais velho é quem teria o direito de ser o próximo patriarca, mas Deus demonstra que a Sua vontade está acima das tradições e regras humanas.

Na sequência, Paulo continua demonstrando que este não foi o único caso em que Deus foi contra as regras humanas e soberanamente elegeu um dos descendentes de Abraão para ser o patriarca do povo de Israel, isso também se repetiu com Jacó e Esaú.

“E esse não foi o único caso; também os filhos de Rebeca tiveram um mesmo pai, nosso pai Isaque. Todavia, antes que os gêmeos nascessem ou fizessem qualquer coisa boa ou má — a fim de que o propósito de Deus conforme a eleição permanecesse, não por obras, mas por aquele que chama — foi dito a ela: “O mais velho servirá ao mais novo”. Como está escrito: “Amei Jacó, mas rejeitei Esaú” (Romanos 9.10-13)

Nesse trecho Paulo continua enfatizando, que a eleição divina do povo de Israel, desde os patriarcas, não foi por mérito de nenhum deles; mas exclusi-vamente pela graça e soberania divinas, em escolher a linhagem da qual o Messias viria ao mundo.

É nesse trecho que os calvinistas interpretam o texto de forma totalmente equivocada, pois eles rejeitam todo o contexto que está falando a respeito do povo de Israel, e afirmam aqui que a eleição é uma eleição individual para salvação ou para perdição.

Nesse sentido, os calvinistas se utilizam desse texto para alegar que Deus, de forma totalmente incondicional, elegeu Jacó para a salvação e Esaú para a perdição. Porém, o texto aqui não está falando sobre eleição pra salvação, mas dá eleição da nação de Israel, como povo das promessas feitas a Abraão.

Eles citam isoladamente o trecho: “amei Jacó, mas rejeitei a Esaú” aplicando o texto diretamente as pessoas de Jacó e Esaú, e inferindo que essa eleição seria para a salvação de Jacó e perdição de Esaú.

Porém, quando analisamos as citações feitas por Paulo, percebemos que isso é impossível, pois antes disso, ele cita a segunda parte de Gênesis 25.23 que diz: “o mais velho servirá ao mais novo”

Então para entendermos a citação, vamos primeiro ler o texto completo de Gênesis 25.23 para observarmos o que Deus falou antes dessa frase:

“Disse-lhe o SENHOR: “DUAS NAÇÕES estão em seu ventre, já desde as suas entranhas DOIS POVOS se separarão; um deles será mais forte que o outro, mas o mais velho servirá ao mais novo”.

Ao analisarmos o texto completo, fica evidente que o texto não trata de indivíduos, mas de povos ou nações, que descenderiam deles. É isso que Paulo tinha em mente quando citou esse trecho em Rm. 9.

Outro fato que comprova essa verdade é que o homem Esaú, nunca foi servo do homem Jacó, pelo contrário. Foi Jacó quem se prostrou diante de Esaú, deu-lhe presentes e chamou a si mesmo de servo.

Porém, quando analisamos toda a história dos povos gerados por esses dois homens, confirmamos o cumprimento da promessa divina. Pois os Edomitas que descendem de Esaú, foram várias vezes subjuga-dos pelos Israelitas, que descendem de Jacó/Israel.

Também é fundamental analisarmos que, logo depois de citar Gênesis 25.23, na sequência direta do texto, Paulo em Romanos 9.13, faz uma citação bíblica que diz: “Amei Jacó, mas rejeitei Esaú”

Outro erro calvinista é associar essa segunda citação, como se fosse uma continuação da primeira. A primeira citação é de Gênesis, e narra eventos que ocorreram por volta de 2000 a.C. Já a segunda é do livro de Malaquias, escrito por volta de 400 a.C.

“…a palavra do SENHOR contra Israel, por meio de Malaquias. “Eu sempre os amei”, diz o SENHOR. “Mas vocês perguntam: ‘De que maneira nos amaste?’ “Não era Esaú irmão de Jacó?”, declara o SENHOR. “Todavia eu amei Jacó, mas rejeitei Esaú.

Transformei suas montanhas em terra devastada e as terras de sua herança em morada de chacais do deserto.” Embora Edom afirme: “Fomos esmagados, mas reconstruiremos as ruínas”, assim diz o SENHOR dos Exércitos:

“Podem construir, mas eu demolirei. Eles serão chamados Terra Perversa, povo contra quem o SENHOR está irado para sempre. Vocês verão isso com os seus próprios olhos e exclamarão: Grande é o SENHOR, até mesmo além das fronteiras de Israel!” (Malaquias 1.1-5)

Mais uma vez, vemos de forma incontestável que Deus está falando novamente de dois povos, os Edomitas e os Israelitas. Gênesis nos revela a eleição instrumental do povo israelita de forma profética.

Já Malaquias registra a história desses dois povos, que descendem de Jácó/Israel e de Esaú. Nos comprovando o cumprimento pleno das promessas divinas, proferidas para Isaque e Rebeca no Gênesis.

Deus fez o povo Edomita se tornar vassalo dos Israelitas, até que, por fim, perdeu sua terra e foi absorvido por Israel, conforme os livros históricos do A.T. registram com muita clareza e exatidão.

Sendo assim, a eleição descrita em Romanos 9, é a eleição instrumental do povo de Israel como nação pela qual Deus se manifestaria, revelaria as Escrituras, enviaria a Lei, os Profetas e o Messias.

Deus elegeu este povo, não porque ele fosse melhor que os outros, nem mesmo porque Isaque fosse melhor que Ismael, ou Jacó fosse melhor que Esaú, mas exclusivamente pela Sua vontade Soberana.

“E então, que diremos? Acaso Deus é injusto? De maneira nenhuma! Pois ele diz a Moisés: “Terei misericórdia de quem eu quiser ter misericórdia e terei compaixão de quem eu quiser ter compaixão”. Portanto, isso não depende do desejo ou do esforço humano, mas da misericórdia de Deus. Pois a Escritura diz ao faraó: “Eu o levantei exatamente com este propósito: mostrar em você o meu poder, e para que o meu nome seja proclamado em toda a terra. Portanto, Deus tem misericórdia de quem ele quer, e endurece a quem ele quer”. (Romanos 9.14-18)

Sendo assim, essa é uma eleição incondicional e soberana de Deus. Porém, é uma eleição instrumental de um povo, para cumprir os desígnios. Não se trata de uma eleição para salvação ou perdição de pessoas.

E nem poderia ser! Pois, como o texto trata claramente de dois povos, afirmar que se trata de uma eleição pra salvação, implicaria em dizer que Deus, decretou a perdição eterna de um povo inteiro.

Mas vários textos bíblicos, nos revelam que no céu, haverão pessoas de todos os povos, tribos, línguas e nações. Na congregação dos filhos de Deus, não faltará nenhum povo, nem mesmo os Edomitas!

“… diante de mim estava uma grande multidão que ninguém podia contar, de todas as nações, tribos, povos e línguas, em pé, diante do trono e do Cordeiro, com vestes brancas e segurando palmas. E clamavam em alta voz: “A salvação pertence ao nosso Deus, que se assenta no trono, e ao Cordeiro”. (Apocalipse 7.9-10)

Depois de analisarmos todo o contexto, para realmente entendermos qual é o assunto que Paulo está tratando, podemos compreender o restante do texto sem forçar nenhum conflito soteriológico.

Não há nenhum conflito no fato de Deus fazer eleições condicionais para a salvação por meio da fé pré-conhecida do indivíduo (Rm. 8.29-30; 1Pe. 1.1-2); com o fato de Deus ter feito na história dos patriarcas e do povo de Israel, algumas eleições instrumentais incondicionais para cumprir Seus desígnios maiores.

Pois essas eleições instrumentais não afetam a salvação ou perdição de indivíduos. Porque o justo Deus dá igualmente a todos condições para crer, suportando com paciência aqueles que insistem em não crer, como “vasos de íra”; e concedendo a salvação a todos aqueles que crerem, os “vasos de honra”.

“Mas algum de vocês me dirá: “Então, por que Deus ainda nos culpa? Pois, quem resiste à sua vontade?” Mas quem é você, ó homem, para questionar a Deus? “Acaso aquilo que é formado pode dizer ao que o formou: ‘Por que me fizeste assim?’ ”

O oleiro não tem direito de fazer do mesmo barro um vaso para fins nobres e outro para uso desonroso? E se Deus, querendo mostrar a sua ira e tornar conhecido o seu poder, suportou com grande paciência os vasos de sua ira, preparados para a destruição?

Que dizer, se ele fez isto para tornar conhecidas as riquezas de sua glória aos vasos de sua misericórdia, que preparou de antemão para glória, ou seja, a nós, a quem também chamou, não apenas dentre os judeus, mas também dentre os gentios?

Como ele diz em Oséias: “Chamarei ‘meu povo’ a quem não é meu povo; e chamarei ‘minha amada’ a quem não é minha amada” (Romanos 9.19-25)

TRECHO DO LIVRO: “HOMEM, PECADO E SALVAÇÃO” de Gabriel de Oliveira Porto.

¹OBS: O conteúdo de inteira responsabilidade do seu autor, não representando necessariamente a posição do SBL – Seminário Batista Livre e nem dos seus diretores.

Professores SBL

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