GUAMARÉ RN-SOBRE A TERCEIRIZAÇÃO NA PETROBRÁS E O PL 4330


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O debate sobre a terceirização e sua regulamentação não é novo. Existem diversos estudos, projetos de lei e, apesar da hipocrisia do patronato e seus representantes no congresso nacional, existe uma legislação trabalhista em vigor, além de inúmeros acordos e convenções coletivas de trabalho nas mais diversas categorias profissionais que tratam dessa matéria.

Presentemente, tramita na câmara dos deputados um projeto de lei versando sobre a terceirização que está sendo duramente combatido pelo movimento sindical. Trata-se do PL 4330/2004 de autoria do deputado Sandro Mabel do PMDB. Esse PL pretende “regulamentar” a terceirização e, por outro lado, desregulamentar quase que toda a legislação trabalhista conquistada a duras penas durante anos e anos de lutas. Para contribuir com esse debate resolvi escrever esse artigo sobre alguns aspectos da terceirização na Petrobras e os danos causados aos trabalhadores.

A Petrobrás tem 86 mil trabalhadores próprios e aproximadamente 400 mil trabalhadores terceirizados em todo o país que desempenham atividades em serviços de vigilância; serviços de hotelaria; asseio e conservação; serviços temporários e serviços especiais, as chamadas atividades-meio.

Mas, também, terceiriza atividades que a legislação não permite porque são consideradas como essenciais e definidoras da sua essência produtiva, as chamadas atividades-fim, que são a pesquisa, exploração e produção de petróleo e gás, e, atividades permanentes como manutenção, apoio administrativo e apoio logístico. São postos de trabalho permanentes, ou seja, deveriam ser preenchidos através de concurso público. Além disso, existe, também, a chamada quarteirização que é a terceirização da terceirização e a contratação de pseudo-cooperativas que fornecem serviços e mão de obra.

A terceirização e as condições de trabalho

Nesses contratos de terceirização as condições de trabalho são, na grande maioria dos casos, precarizadas. Os salários, direitos e benefícios são reduzidos e estão em desacordo com o que a Petrobrás pratica para os seus próprios trabalhadores. O treinamento para qualificação profissional é, quase sempre, ineficaz e, portanto, insuficiente, e de qualidade duvidosa como, por exemplo, na questão da segurança que tem submetido os trabalhadores terceirizados às condições de trabalho cada vez mais inseguras, sendo, por isso mesmo, as maiores vítimas dos acidentes de trabalho com mutilações e mortes.

A prática da multifunção é bastante utilizada e são comuns os casos de assédio e violência moral e, inclusive, outros tipos de assédio; atrasos de salários; não pagamento de férias nos prazos estabelecidos; não pagamento de horas extras ou pagamento com supressão de horas; demissões imotivadas.

Muitos trabalhadores recorrem à greves e à justiça do trabalho para receber salários atrasados e verbas rescisórias. Muitos são os casos de calotes cometidos pelas “gatas” que desaparecem da noite para o dia e deixam os trabalhadores a ver navios.

Os sindicatos e o próprio direito à sindicalização são constantemente atacados porque as empresas utilizam de práticas antissindicais e, em muitos casos, escolhem o sindicato com uma convenção ou acordo coletivo de trabalho que melhor lhes convém. O objetivo é poder participar das licitações em condições mais “competitivas” em função de menores custos devido salários, adicionais e benefícios rebaixados.

Regimes e jornadas de trabalho nas empresas terceirizadas também são diferentes dos praticados pela Petrobras que adota 40 horas semanais para as áreas administrativas nos seus escritórios e áreas de campo. Nas áreas remotas e unidades industriais a Petrobras pratica os regimes de trabalho de sobreaviso, turno ininterrupto de revezamento e regime especial de campo. Todos com jornada de 12 horas e 1,5 dia de folga para cada 1 dia trabalhado (14 X 21). Para os terceirizados o regime e jornada são bem diferentes. Jornada de 44 horas semanais para o administrativo e regime de trabalho de 1 dia de folga para cada dia trabalhado com jornada de 12 horas (7 X 7).

Salários, remuneração e benefícios

De um modo geral, os salários e demais benefícios pagos aos trabalhadores e trabalhadoras terceirizados são bem inferiores aos que são pagos pela Petrobras, muito embora, os trabalhadores destas estejam ocupando milhares de cargos que antes eram ocupados por empregados próprios da Petrobras.

A própria Lei do Trabalho Temporário, nº 6.019/74, determina que, mesmo na hipótese da terceirização por ela regulada, fica garantida ao trabalhador terceirizado “remuneração equivalente à percebida pelos empregados da mesma categoria da empresa tomadora…”. Por analogia, essa isonomia se aplicaria a todas as hipóteses de terceirização.

Isso não ocorre e estamos diante de um caso flagrante de discriminação e aviltamento dos salários dos trabalhadores que na grande maioria dos casos recebe remuneração bem inferior da que é paga pela Petrobras aos seus trabalhadores próprios, ou seja, o trabalho é igual, mas os salários, direitos e benefícios não são.

A terceirização e a legislação 

A legislação sobre licitação é relativamente ampla e seus conceitos estão intimamente ligados. Existem diversos critérios que podem ser adotados, desde que devidamente explicitados no edital ou convite, como por exemplo, menor preço, melhor preço, melhor técnica, melhor técnica e preço.

Da mesma forma a legislação constitucional, trabalhista e civil têm mecanismos de proteção ao trabalho terceirizado e definem de forma clara os direitos dos trabalhadores e trabalhadoras dessa atividade. Além disso, existem as convenções e acordos coletivos de trabalho que complementam e até avançam em muitas questões do interesse dos trabalhadores, bem como, julgados trabalhistas e relatórios sobre o assunto como veremos a seguir:

1) Decreto Lei nº 200/67 – Permitiu a terceirização na administração pública direta e indireta;

2) Lei 5.645/70 – Definiu os serviços que poderiam ser contratados pela administração federal;

3) Decreto no 2.271/97 – Regulamentou a forma de contratação de serviços pela Administração Pública Federal direta, autárquica e fundacional;

4) Enunciado 256 do TST – Declarou ilegal a terceirização, salvo nos casos de trabalho temporário e de serviço de vigilância;

5) Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT): art. 9º, art. 455, art. 513, art. 581;

6) Lei 6.494/77 – Regulamenta serviços de estagiários;

7) Lei nº 6019/74 – Regulamenta o trabalho temporário;

8) Lei nº 7.102/83 – Regulamenta os serviços de vigilância;

9) Lei nº 5.764/71 – Estatuto do Cooperativismo;

10) Lei 8949/94 – Criou as Cooperativas profissionais ou de prestação de serviços;

11) Súmula do TST 331/93 – Ampliou as possibilidades da terceirização para as áreas de manutenção, asseio, conservação, hotelaria, bem como a de serviços especializados ligados à atividade-meio da empresa contratante, desde que inexistente a pessoalidade e a subordinação direta e estabeleceu limites com relação a atividade-fim das empresas (art. 2º  da CLT);

12) Artigos 593 a 626 do Código Civil – Trata da empreitada;

13) Decreto n. 2.271/97 – Regulamentou a forma de contratação de serviços pela Administração Pública Federal direta, autárquica e fundacional;

14) Lei nº 8.666/93 – Lei das Licitações com base no menor preço;

15) Decisão 1465/02 do TCU – Determinou o fim da terceirização nas atividades-fim em Furnas Centrais Elétricas S.A;

16) Decreto Lei nº 2.745/98 – Processo Licitatório Simplificado para aquisição de bens e serviços (Facilita processos de licitação com base no melhor preço);

17) Relatório de Auditoria TC 023.627/2007-5 – Emitido pelo Tribunal de Contas da União determinando o fim das terceirizações nas atividades-fim das empresas estatais e outros órgãos governamentais.

Apesar de toda essa legislação à Petrobrás utiliza a terceirização com os critérios licitatórios da forma que melhor lhe convém. E quando surgem os problemas trabalhistas, toda essa legislação é sempre secundarizada pela Petrobrás que se limita a dizer que contrata serviços e não pode avançar com maior rigor sobre o desrespeito dessas empresas nas questões relativas aos direitos trabalhistas e sociais.

Por outro lado, nos Acordos Coletivos de Trabalho que a Petrobrás, suas coligadas e subsidiárias mantém com as diversas representações sindicais dos petroleiros de todo o país, existem cláusulas que visam ao aperfeiçoamento das relações de trabalho próprias e terceirizadas, inclusive, com fiscalização e gerenciamento desses contratos. Existem, também, mecanismos internos da própria Petrobras para auditar e monitorar o cumprimento da legislação trabalhista, previdenciária e tributária por parte das empresas contratadas, porém, na prática, a terceirização segue celeremente dizimando os direitos dos trabalhadores.

Por sua vez, a alta cúpula da Petrobras não busca – e nem quer – aperfeiçoar esses mecanismos e, nem tão pouco, quer aperfeiçoar a legislação aplicável à contratação de mão-de-obra e serviços através de licitações porque da forma como está, atende muito bem aos seus aos seus interesses  e o resultado desse modelo é o desrespeito às leis e o avanço cada vez maior da terceirização com alto grau de precarização do trabalho permitindo, inclusive, a quarteirização, quinterização e, inclusive, os “free-lancer” que são versões mais selvagens da terceirização. Lamentavelmente, até a fiscalização de contratos está sendo terceirizada pela Petrobras.

Na verdade, a Petrobrás utiliza a terceirização de forma licita, mas também de forma ilícita para reduzir custos com direitos, salários e benefícios; atacar o movimento sindical com práticas antissindicais e, burlar a Constituição Federal quando não realiza concurso público para preenchimento de vagas como apontou o Tribunal de Contas da União no relatório de auditoria no TC 023.627/2007-5, publicado recentemente.

Por outro lado, é preocupante que existam projetos de lei, como é o caso desse PL 4330 com o suposto objetivo de “regulamentar” a terceirização para “modernizar” as relações de trabalho no Brasil. Isso é uma falácia e uma mentira que está sendo propagandeada pelos partidos direitistas no congresso nacional com o devido apoio do partido da imprensa golpista para enganar os trabalhadores.

Ora, não é por falta de leis, acordos e convenções coletivas de trabalho que os direitos dos trabalhadores são desrespeitados e sim porque os patrões não respeitam as leis. Se tivesse que ser adotada mais uma lei com esse objetivo deveria ser no sentido de que a terceirização deveria ser praticada apenas nos marcos da legislação vigente, acordos e convenções coletivas de trabalho da categoria profissional dos trabalhadores da empresa contratante.

Por fim, alertamos a sociedade que não podemos mais aceitar que partidos direitistas que são maioria num congresso nacional completamente desmoralizado submetam os trabalhadores aos desatinos desse projeto nefasto. É preciso impedir na luta a aprovação do PL 4330, pois vai no sentido da desregulamentação da própria CLT e demais leis vigentes, como também, do sucateamento de acordos e convenções coletivas de trabalho.

Será a prática da terceirização desenfreada de todas as atividades das empresas, ou seja, é o avanço da precarização do trabalho como jamais visto. Com a aprovação dessa lei será o retorno da própria escravidão.

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Levany Júnior

Levany Júnior é Advogado e diretor do Blog do Levany Júnior. Blog aborda notícias principalmente de todo estado do Rio Grande do Norte, grande Natal, Alto do Rodrigues, Pendências, Macau, Assú, Mossoró e todo interior do RN. E-mail: [email protected]

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