Blog do Levany Júnior

Trem da alegria das obras públicas

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Sem alarde, parlamentares tentam votar, na próxima semana, lei que torna permanente modelo emergencial criado para a Copa do Mundo. A regra flexibiliza as licitações e dá todo poder às empreiteiras

Josie Jeronimo (josie@istoe.com.br)

 

Para conseguir terminar as obras a tempo da Copa do Mundo, o governo flexibilizou as regras de licitação. Conhecido como Regime Diferenciado de Contratações (RDC), o modelo visava a dar agilidade a projetos emergenciais. Tratava-se, portanto, de uma regra de exceção para atender a fins específicos e que exigiam pressa em sua conclusão. Agora, sem alarde, às vésperas das eleições, os parlamentares trabalham para colocar em votação, na próxima semana no Senado, um projeto que transforma a iniciativa em permanente. Aprovada, a medida vai beneficiar as empreiteiras, principais doadoras de campanha, e diminuir o controle do poder público sobre as grandes obras de infraestrutura do País, além de dificultar a transparência. Órgãos de fiscalização e entidades ligadas ao setor denunciam que a revisão da lei é o trem da alegria para a corrupção em obras públicas. “O projeto vai mexer com a parte nuclear da lei, o trecho que determina como é feita a escolha dos contratados. Estão escancarando a porta da corrupção”, desabafa o ex-deputado Luís Roberto Ponte, autor da Lei de Licitações.


ERA PARA SER EXCEÇÃO
Obra do VLT (Veículo Leve sobre Trilhos), em São Paulo, foi feita com base
no regime diferenciado de contratações. Parlamentares querem perpetuar regra.

O novo modelo acaba com a exigência da elaboração de um projeto prévio pelo governo para a contratação da empreiteira que fará a obra. Hoje, a empreiteira executa um projeto elaborado pelo órgão público. Aprovada a nova regra, o governo indicará apenas uma ideia básica do empreendimento e os empresários apresentarão preços para transformar em realidade essa ideia. Se vencer, o empresário terá liberdade para escolher o material e o traçado da obra mais adequados com as despesas que terá. A dupla responsabilidade de elaborar o projeto e executar a obra é chamada de “contratação integrada”. Por exemplo, para construir uma linha de metrô, atualmente o governo elabora o projeto e faz análise de solo para verificar se a contratada pode ter problemas futuros com licenças ambientais ou com a mudança de traçado por causa de acidentes geológicos e desapropriações. Isso leva tempo, mas dá ao governo controle sobre planos de trabalho e escolha das técnicas e dos materiais empregados na obra. A versão simplificada da licitação é um tiro no escuro. O governo entra com o dinheiro e a empreiteira, com a missão de entregar a obra. Mesmo assim, se durante o processo de execução a empresa alegar que precisou fazer mudanças no projeto ou teve prejuízos inesperados, os órgãos públicos poderão reajustar o contrato, com aditivos.

Os defensores do projeto argumentam que a revisão dá agilidade à escolha das empresas e, consequentemente, à aplicação dos investimentos. O presidente da CauBR (Conselho de Arquitetura e Urbanismo do Brasil), Haroldo Pinheiro, discorda com veemência.
“Quem projeta não constrói, quem constrói não projeta. Dessa forma, o empreiteiro é quem vai especificar ao projetista qual referência de qualidade seguir, não o contratante. O Estado vai abdicar de seu dever de planejar a infraestrutura e os espaços públicos do País, entregando a missão para as empreiteiras”, argumenta. O projeto que estende a contratação diferenciada para todas as esferas da administração causa efeito, também, nas prefeituras. Com a aprovação da revisão da Lei de Licitações, o limite para a contratação de obras sem concorrência subirá dos atuais R$ 15 mil para R$ 150 mil. Com isso, empreendimentos de pequenas prefeituras ficarão a cargo de empresas diretamente escolhidas pelos prefeitos. Era tudo o que eles queriam.

Foto: Ale Vianna/Brazil Photo/Estadão Conteúdo

 

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