Uma testemunha da morte da estudante Ana Lídia de Sousa, 14 anos, assassinada a tiros por um motociclista em um ponto de ônibus do Setor Conjunto Morada Nova, em Goiânia, no último dia 2, afirma que seguiu o suspeito após o crime. Em entrevista ao Fantástico, da TV Globo, o homem, que trabalha como caminhoneiro e não quis se identificar, contou que viu o exato momento em que a vítima foi baleada. “Eu ouvi dois disparos e olhei imediatamente pelos retrovisores, mas não conseguia visualizar. Mas aí percebi a menina caindo e o rapaz colocando a arma dentro da camiseta. Eu persegui o suspeito por uns 300 metros, falando ao celular com a polícia”, destacou.
O caso é um dos 17 investigados pela força-tarefa da Polícia Civil, que apura a existência de um suposto assassino em série na capital. Na sexta-feira (8), foi divulgada a prisão do primeiro suspeito de participar dos homicídios envolvendo mulheres na capital. Na manhã de sábado (9), a Polícia Militar prendeu um homem de 27 anos por roubo a panificadoras, mas, devido às características de sua motocicleta e de sua fisionomia, ele pode estar envolvido nos homicídios. A Polícia Civil informou que, por enquanto, o homem não é suspeito de cometer nenhuma morte, mas vai investigar.
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O caminhoneiro que presenciou a morte de Ana Lídia diz que tinha visto policiais militares na região pouco antes do crime e teve a intenção de seguir o suspeito e denunciá-lo as agentes. “Havia uns dois minutos que tinha visto a polícia e eu pensava que contaria com a sorte e que eles estariam por perto para a gente poder prendê-lo”, relatou.
No entanto, como estava acompanhado por familiares, o homem afirma que desistiu de manter a perseguição. “Eu aproximava dele, aí percebo que ele maneirou mais a moto. Ao invés de correr mais, ele maneirou. Aí nesse momento eu temi pela vida da minha filha e minha cunhada, pois imagina se acontecesse algo com elas, o que eu ia dizer para minha família? Pois iam dizer: ‘você não é policial e está seguindo um criminoso sem arma’?”, conta.
Apesar de não ter conseguido identificar o suspeito seguiu, o caminhoneiro é considerado pela polícia uma testemunha-chave para tentar solucionar a morte da estudante.
Enquanto o caso continua sem respostas, a família de Ana Lídia sofre com a saudade. Um dos últimos registros da garota com vida foi feito em um vídeo, no qual ela aparece dentro de um carro com familiares e declara seu amor pela banda britânica One Direction (veja vídeo acima).
A mãe de Ana Lídia, Ada Marselha de Andrade e Sousa, conta que a filha sonhava em ser estilista. No último Dia das Mães, a garota fez um desenho dos integrantes do One Direction em uma camiseta e presenteou Ada. “O sonho dela era que eu vestisse, com ela em vida. E eu disse que não, que era besteira, que coisa. Mas ela era fã incondicionalmente”, relata.
ponto de ônibus (Foto: Reprodução/TV Anhanguera)
A menina também fez questão de homenagear o pai, Daniel Dias Gomes. “No ano passado ela me deu um avental. Na verdade, era um kit, pois vinha acompanhado de uma tábua de carne. O meu filho complementou o presente com um espeto e uma faca. Então esse foi o último presentinho dela, carinhosamente. Nesse dia fizemos um churrasco e é muito gostoso relembrar disso com muito carinho mesmo”, afirmou.
E são as lembranças que ajudam a amenizar a dor da ex-funcionária pública Sandra Oliveira Soares Felipe, de 46 anos, mãe da jovem Wanessa Oliveira Felipe, de 22, assassinada com um tiro nas costas dentro de uma farmácia no Bairro Goiá, em Goiânia, no último dia 23 de abril. Ela também foi baleada por um motociclista e, até agora, o crime segue sem solução.
Na casa da família, o quarto continua do mesmo jeito que Wanessa deixou. Ela estava prestes a iniciar um curso preparatório para o vestibular de medicina veterinária. “Ela gostava muito de bichos, principalmente de cachorros”, conta a mãe, que ressalta que a filha era muito companheira. “Ela era muito amiga, me ajudava em tudo. Tudo aqui [no quarto] me lembra ela. Depois daquele dia, eu morri também, pois não tenho mais vida, não tenho mais felicidade, não tenho mais alegria. Nesse apartamento só ficou tristeza e dor”, lamenta Sandra.
Sonhos interrompidos
A falta de explicações sobre os motivos do assassinato também intrigam a família de Isadora Aparecida Cândida dos Reis, 15 anos. Campeã brasileira de capoeira, a adolescente foi assassinada quando estava voltando para casa com o namorado, no Setor São José, em 1º de junho. O ladrão deu voz de assalto e atirou quando a vítima deixou o celular cair no chão. Ele fugiu sem levar nada.
A garota era a caçula de três irmãos e cursava o primeiro ano do ensino médio. “Ela era meu anjo, eu a chamava de minha florzinha”, afirma o pai da vítima, Gilmar Cândido.
Segundo ele, Isadora adorava todos os tipos de esportes e teve uma carreira de sucesso interrompida. “Na escola, ela participava de futsal, tem até medalha de artilheira, jogava handball, queimada, e a capoeira, da qual era bicampeã brasileira e tricampeã goiana. Ela ia longe”, afirma.
Sobreviventes
E o medo do suposto “serial killer” ainda aflige uma amiga de Juliana Neubia Dias, 22 anos, que foi morta a tiros por um motociclista em um semáforo do Setor Jardim América, no último dia 25 de julho. A jovem, que não quis se identificar, e o namorado da vítima estavam no mesmo veículo e presenciaram o crime. Os dois saíram ilesos.
“Foi a situação mais desesperadora que eu já vivi na minha vida: ver a minha amiga morrer daquele jeito, com sangue e ela desacordada. Você fica sem saber o que fazer. A vontade era de pegar mesmo no colo e sair carregando. Vontade de ajudar e você não pode fazer nada”, relata a mulher, que não quis se identificar.
A amiga diz que o motociclista disparou duas vezes e pensou que o segundo tiro iria acertá-la. “Primeiramente quando eu vi ele eu achei que era um assalto, alguma coisa. Mas quando eu abaixei e ouvi o segundo tiro, eu pensei que eu ia morrer ali. Pronto, vou morrer aqui”, lembra.
Outra sobrevivente de um ataque de um motociclista é a irmã de Rosirene Gualberto da Silva, 29 anos, que foi assassinada no dia 19 de julho, no Setor dos Funcionários. As duas seguiam em um VW Gol, quando foram abordadas pelo homem armado que se aproximou e deu voz de assalto. Segundo a Polícia Militar, o suspeito exigiu que as vítimas entregassem as chaves do carro. Enquanto ela procurava, o criminoso efetuou vários disparos que atingiram as duas e fugiu, sem roubar nenhum pertence delas.
A irmã, que não quis se identificar, sofreu um ferimento no braço, causado pelo mesmo tiro que matou Rosirene, mas sobreviveu. “Ela deixou um filho de 11 anos e tinha uma vida inteira pela frente. Agora, no próximo dia 30 de agosto, ela iria fazer 30 anos”, lamenta.
A mulher diz que espera que a polícia consiga identificar os responsáveis. “Quero justiça e que ele seja preso. Pelo menos isso vai amenizar essa dor, esse medo que a gente tem de sair. Não só pela minha irmã, mas por todas as outras famílias que estão passando a mesma dor”, ressaltou.
Investigação
Os 17 crimes, sendo 15 homicídios contra mulheres, o assassinato de um homem e uma tentativa de homicídio desafiam os delegados e agentes que integram a força-tarefa da Polícia Civil. Mesmo com a detenção de um suspeito, ainda não há certeza do esclarecimento dos fatos.
“Por enquanto nós o tratamos [suspeito] como investigado. Ele inicialmente nega a sua participação em qualquer dos dois fatos, e até a conclusão da investigação nós vamos poder dizer se realmente ele é o autor ou se vamos descaracterizá-lo como investigado”, ressaltou o superintendente de Polícia Judiciária de Goiás, delegado Deusny Aparecido.
Outro homem foi preso pela PM e pode ter participação nos homicídios, mas a Polícia Civil diz que ainda não é possível afirmar se ele tem alguma ligação com os crimes.
Série de assassinatos
O primeiro crime da série de assassinatos ocorreu em 18 de janeiro, quando Bárbara Luiza Ribeiro Costa, de 14 anos, foi executada por homens em uma motocicleta, no Setor Lorena Park, na capital. Na época, a polícia informou que eles roubaram o celular da vítima e fugiram.
A vítima mais recente foi a estudante Ana Lídia Gomes. Por causa das semelhanças dos crimes, o assassinato aumentou a desconfiança da população de que um assassino em série está agindo em Goiânia.
Segundo informações da Polícia Civil, os crimes tiveram dinâmica semelhante. Porém, de acordo com o delegado titular da Delegacia Estadual de Investigação de Homicídios (DIH), Murilo Polati, as investigações apontam que as motocicletas usadas são de marcas e cilindradas diferentes, além das descrições físicas dos suspeitos não serem as mesmas.
O delegado explica que algumas das investigações indicam crimes passionais e outras apontam envolvimento das vítimas com consumo e tráfico de drogas. Entretanto, ele não dá detalhes para não comprometer os inquéritos.
Desde maio, quando surgiu a possibilidade de que exista um “serial killer” na capital, após uma mensagem de voz compartilhada pelo aplicativo de celular Whatsapp, a Polícia Civil tratava o caso como um boato. No último dia 3 deste mês, a corporação voltou a afirmar que não crê na possibilidade de que um assassino em série esteja agindo em Goiânia, mas admitiu, pela primeira vez, que não descarta a hipótese.