Estreou nos Estados Unidos o seriado humorístico americano Black Jesus (Jesus Negro) que, mesmo antes de ir ao ar, já havia despertado a ira de grupos cristãos e de conservadores.
A série do canal de TV a cabo Adult Swim tem como protagonista um sorridente Jesus Cristo negro que bebe, fuma maconha e fala palavrões ao passear de túnica branca pelas ruas de Compton, um bairro pobre de maioria negra em Los Angeles.
No primeiro episódio, que foi ao ar na quinta-feira (7), o personagem transforma água mineral em conhaque e tenta transformar um terreno baldio em um jardim comunitário – onde pretende plantar legumes e verduras e maconha.
Os produtores tinham lançado apenas um trailer de dois minutos antes do episódio de quinta-feira, mas já foi suficiente para que a série fosse taxada de blasfema e que grupos lançassem campanhas para não deixá-la ir ao ar.
O idealizador da série, Aaron McGruder, é autor do polêmicoThe Boondocks, quadrinhos que foram transformados em um seriado de animação que aborda temas complexos como o racismo e a luta de classes nos Estados Unidos.
A sátira é contada da perspectiva de irmãos negros que vivem na casa do avô em um bairro de maioria branca em Chicago.
Interpretação possível
De acordo com o Adult Swim, uma programação para adultos que só vai ao ar à noite no canal Cartoon Network, Black Jesus representa um “filho de Deus em sua missão para difundir o amor e a bondade pelo bairro de Compton, ajudado por seu pequeno e fiel grupo de seguidores oprimidos”.
Em uma nota, o canal disse à BBC que a série é uma sátira e uma interpretação possível da mensagem de Jesus, contextualizada por contos morais do dia a dia. Além disso, afirmam que “embora alguns possam considerá-la uma representação polêmica de Jesus, não é nossa intenção ofender qualquer raça ou grupo religioso”.
A explicação do Adult Swim parece não ter convencido organizadores de campanhas para que a série não vá ao ar, como a Um Milhão de Mães, parte da conservadora Associação Americana da Família (AFA, na sigla em inglês).
Para o grupo, o trailer é “desagradável” porque mostra Jesus Cristo “bebendo e fumando erva”, falando palavrões e “utilizando o nome de Deus em vão diversas vezes”. “Há violência, tiroteios, drogas e outros gestos impróprios que distorcem a figura de Jesus completamente. Isto é blasfêmia!”, afirmam os responsáveis de Um Milhão de Mães, que também destacam que o Adult Swim não “se atreveria a ridicularizar Maomé ou os muçulmanos”.
A organização de mães não está só em sua batalha contra Jesus Negro. O Christian Broadcasting Network, por exemplo, lançou um abaixo-assinado contra o seriado. Eles dizem que são contra a série não porque Jesus Cristo é representado por um ator negro, mas sim pelas qualidades que os produtores lhe dão e pelo ambiente em que a trama se desenrola.
Estereótipos raciais
O programa também irritou congregações de maioria afro-americana, como a Igreja Cristã da Esperança em Beltsville, no Estado de Maryland, cujo bispo, Harry Jackson, pediu um boicote por acreditar que o seriado “reforça estereótipos raciais negativos em um tempo em que se tenta minar o respeito da sociedade aos cristãos e suas crenças bíblicas”.
Já a Nação Messiânica Africana, uma organização que se opõe à representação eurocêntrica de Jesus, também rechaçou a série, argumentando que ela ataca o conceito de um “Messias negro” pelo qual vêm lutando há anos.
“A representação que Jesus Negro faz de Jesus Cristo é uma desgraça para todos que na última década dedicaram as suas vidas à promoção de uma imagem de um Messias negro”, afirmou à BBC Mundo Paul Scott, fundador da organização.
A polêmica era esperada pelo professor Edward Blum, da Universidade Estatal de San Diego, na Califórnia e autor do livro A Cor de Cristo, no qual analisa diferentes representações de Jesus Cristo ao largo da história.
“Nos Estados Unidos, qualquer questão racial se transforma em polêmica. O mesmo acontece com questões religiosas. Ou seja, se misturarem raça e religião no mesmo assunto, a polêmica é ainda maior”, disse à BBC Mundo.
Por outro lado, Blum considera fascinante que “conservadores e negros estejam unidos nas críticas à série, mesmo que o façam por diferentes motivos”.