SÃO GONÇALO DO AMARANTE RN-Uma pausa na política pra falar sobre famílias e finitude, por Matê da Luz


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Por Matê da Luz

Nesta semana faleceu um dos velhinhos mais queridos da minha família. Ele era um legítimo contador de histórias, com uma memória impressionante, e caminhava devagar com sua bengala enquanto lembrava em voz alta dos movimentos políticos pelos quais havia passado. Possuia um apurado senso de justiça, embora carregasse certo machismo em seu discurso, fruto de uma criação que hoje já não faz sentido – e, por saber-se sem sentido, apesar de enraizado nesta cultura, fez questão de acolher cada modernidade da família com carinho peculiar. Abraçava cada uma de nós, as divorciadas, e falava sobre companheirismo e solidariedade como quem quer plantar esperança.

Minha família é extremamente grande e se organiza em formato de gueto: praticamente metade dela ocupa um só prédio, tanto do lado paterno quanto do materno, e esta mistura garante que a gente se encontre eventualmente no elevador, no supermercado. Foi lá, aliás, que ouvi outros dois senhores comentarem sobre o estado de saúde do meu velhinho: “você viu? a doença o corroeu e ele já não é mais o mesmo, não deve durar muito mais”. Pois é, não durou. Neste mesma semana, ele partiu, cercado pela família próxima e pela terceirizada, com amigos do prédio entrando em casa sem tocar a campainha e se despedindo dele ali, deitadinho na cama, e desejando força pros que ficaram.

A parte mais interessante deste tipo de passagem, esta que acontece em casa, no conforto ds palavras de despedida tranquilas e amorosas, está no que vem depois. Um trâmite imenso que inclui liberação de atestado de óbito, encomenda de funerária, transporte para a cidade natal – me deixou com a impressão de que morrer tranquilo não é assim tão fácil. Mas estávamos todos lá, a família complexa e completa, amparando uns aos outros, contando uma ou outra historia e especulando como seria dali pra frente, honrando nosso velhinho ao garantir seu legado de sorrisos e aventuras, tão lindamente plantado ao longo destes 91 anos.

Este velhinho é quem de mais próximo convivi e conheci como alguém que se molda à vida, enfrenta o futuro sem medo e sorri com paixão – cada vez que nos encontramos, ele se despediu com uma palavra doce, com uma frase de impacto e um humor que só aqueles que sabem reconhecer a finitude da vida sem temer o que não foi feito conseguem fazer. Em paz, foi assim que ele partiu. Nos braços da neta que, carinhosa e forte, o libertou do peso do corpo físico, garantindo o encontro logo ali, do outro lado, e confirmando as suspeitas de que os entes queridos do invisível estavam à postos para recebê-lo com traquilidade, respirou e, com a coragem que lhe foi adquirida em vida, fez a passagem.

Houve choro, aquele de saudade, houve risos, os que vieram pela bênção de termos convivido tão de pertinho com sua memória viva e pulsante, de histórias sobre como meu avô era paranóico com a saúde frágil, embora nunca houvesse pego um resfriado, o impediu de entrar no mar uma só vez na vida e sobre como eram tomadas as decisões sobre namoro e casamento – ele próprio havia namorado sua esposa por anos somente na presença das crianças da família, com as crianças, minha mãe e tias, ao redor do romance, “pra prevenir que o pior acontecesse”.

Muita coisa mudou e vai continuar mudando por aqui, agora sem ele por perto. Algumas sementes de certeza, entretanto, nos fazem sorrir, aliviados: nossa família continua sendo ladeada por todos e por cada uma de nossas crianças, algumas já crescidas, e nossas histórias incluem heróis que viveram a batalha da vida com sorrisos, esperança e humor. E este é um legado brilhante. Obrigada, tio, por plantar tanto de tudo isso em nós.

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Levany Júnior

Levany Júnior é Advogado e diretor do Blog do Levany Júnior. Blog aborda notícias principalmente de todo estado do Rio Grande do Norte, grande Natal, Alto do Rodrigues, Pendências, Macau, Assú, Mossoró e todo interior do RN. E-mail: [email protected]

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