SÃO GONÇALO DO AMARANTE RN-STF decide hoje sobre quebra de sigilo bancário pela Receita
Enviado por antonio francisco
Do Conjur
Supremo adia julgamento sobre quebra de sigilo bancário pela Receita Federal
Os ministros do Supremo Tribunal Federal deixaram para esta quinta-feira (18/2) o julgamento dos processos que discutem se a fiscalização tributária precisa de autorização judicial para quebrar o sigilo bancário dos contribuintes. A discussão começou em sessão extraordinária na manhã desta quarta-feira (17/2) com as sustentações orais das partes em disputa e dos terceiros interessados.
Nas sustentações, os representantes dos contribuintes defenderam que permitir ao Fisco ter acesso a informações bancárias dos contribuintes sem autorização do Judiciário é inconstitucional por violar o direito ao sigilo e à intimidade, ambos descritos no artigo 5º da Constituição Federal.
Já os representantes do governo sustentaram que, na verdade, não se trata de quebra de sigilo bancário. Como disse a procuradora da Fazenda Nacional Luciana Miranda Moreira, o que acontece é uma “transferência de sigilo”. Se os bancos têm a obrigação do sigilo bancário, a Receita Federal tem a obrigação do sigilo fiscal, argumentou a procuradora, e não há interesse em flexibilizar essa obrigação.
Escolhas processuais
Estão em pauta duas ações diretas de inconstitucionalidade, apensadas a outras duas, todas de relatoria do ministro Dias Toffoli, e um recurso extraordinário com repercussão geral reconhecida, de relatoria do ministro Luiz Edson Fachin. Todos os casos discutem a constitucionalidade de Lei Complementar 105/2001, que regulamenta o sigilo bancário. No artigo 6º, a lei autoriza a fiscalização tributária a ter acesso a informações bancárias dos contribuintes.
Ao pautar apenas ações de controle concentrado e um RE com repercussão geral reconhecida, o Supremo dribla o drible que a Fazenda vem tentando dar na legislação tributária para quebrar o sigilo bancário de contribuintes. É uma medida que facilita a fiscalização, porque permite ao Fisco cruzar dados de maneira generalizada, com grandes grupos de pessoas. Se depender de um pedido ao Judiciário, o cruzamento de dados deve ser feito de maneira individual.
O novo regimento interno do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais do Ministério da Fazenda (Carf), por exemplo, diz explicitamente que o órgão não pode afastar a aplicação de lei, exceto se ela tiver sido “declarada inconstitucional por decisão definitiva do Supremo Tribunal Federal”.
Em entrevista à ConJur, o presidente do Carf, Carlos Alberto Freitas Barreto, explicou que “decisões definitivas” são as tomadas em ações de controle concentrado de constitucionalidade e em recursos com repercussão geral reconhecida. Isso porque a jurisprudência do Supremo, já repetida, é a de que o Fisco não pode acessar dados bancários sigilosos sem pedir para a Justiça. Poré, as decisões foram tomadas em mandados de segurança e, mais recentemente, em um RE sem repercussão geral reconhecida.
E nos casos de autuações fiscais baseadas em quebra de sigilo bancário, o Carf costuma considerar como uma alegação preliminar perfeitamente superável. Tem mantido autuações a contribuintes que não informam ao Fisco a origem de depósitos bancários descobertos por meio da quebra de sigilo.
Intimidade
Na sustentação oral desta quarta, o tributarista Ricardo Lacaz Martins, que falou em nome de um dos recorrentes ao Supremo, disse que, se o tribunal não declarar a inconstitucionalidade do artigo 6º da lei, “os contribuintes ficarão em estado de fiscalização contínua”. Isso porque os dados ficariam sempre à disposição do Fisco.
A representante da Fazenda respondeu a essa afirmação dizendo que o interesse do Fisco era ter acesso apenas a informação de grandes contribuintes e só quando houvesse indícios de algum ilícito tributário. “Há que se diferenciar a intimidade de pessoas físicas e de pessoas jurídicas”, argumentou.
Lacaz, no entanto, citou o exemplo da recente instrução normativa da Receita Federal que obriga os bancos a informar todas as movimentações acima de R$ 2 mil de seus clientes ao Fisco. Para o advogado, a norma demonstra o interesse da Fazenda de ter acesso constante às informações financeiras de todos os contribuintes, grandes ou não.
Sigilo compartilhado
O advogado da Confederação Nacional da Indústria (CNI), Sérgio Campinho, afirmou que a lei autoriza “a quebra automática do sigilo e de forma automática”, pois diz que a autoridade tributária “poderá requisitar informações e documentos de que necessitar”. “Quebra-se o sigilo para, se for o caso, promover-se a apuração.”
Lacaz Martins lembrou ainda que a lei trata do Poder Executivo. Ou seja, além da Receita, também os estados e municípios, em tese, têm acesso aos dados bancários sigilosos. “A banalização do sigilo bancário estaria concretizada. Centenas de agentes sem qualquer controle teriam acesso à sua movimentação bancária”, afirmou.
Em sua sustentação oral, o advogado Wladimir Reale, que falou em nome do PSL, acrescentou que “a cada semana vemos os mais diferentes órgãos desejando a quebra de sigilo bancário sem a intermediação do Judiciário”. Segundo ele, que já foi presidente da Associação de Delegados de Polícia do Rio de Janeiro (Adepol-RJ), “ninguém desconhece” que os órgãos de persecução penal também têm interesse nessa discussão.
Conflito de interesses
Sérgio Campinho afirmou ainda que a lei trata do embate entre dois direitos fundamentais, o do Estado de fiscalizar e o da intimidade do contribuinte. E só quem pode fazer a ponderação imparcial entre os dois valores é o Poder Judiciário, “um ente equidistante”, como disse o Lacaz.
“Quem pode fazer essa ponderação imparcial no concreto? O Estado-juiz, não a administração estatal. Não é dado ao administrador o direito de quebrar sigilo de dados, ainda que de operações financeiras e bancárias”, sustentou Campinho. “E por que a Constituição fez essa reserva da jurisdição? Porque o constituinte sabe desse conflito de interesses. O Fisco não é imparcial.”
“O constituinte elegeu o monopólio da primeira e da última palavra ao Poder Judiciário”, completou o tributarista Luiz Gustavo Bichara, procurador tributário do Conselho Federal da OAB, que falou como amicus curiae. “É o Judiciário quem tem a prerrogativa de quebrar o sigilo. Jamais a Receita, jamais os entes federados.”
Refém
A procuradora da Fazenda Luciana Moreira se defendeu. Segundo ela, o que a lei garante é que o Fisco tenha acesso “aos elementos do fato gerador”. Ela explicou que essa autorização se volta a contribuintes em que “a única informação que se tem é a declaração de renda unilateral do próprio contribuinte”.
De acordo com a procuradora, “a lei veio adequar uma discrepância, que é a Receita Federal ficar refém da declaração de renda unilateral”. Ela ressaltou, porém, que a quebra de sigilo se volta a contribuintes “com maior capacidade contributiva”.
“Não há qualquer automaticidade. O artigo 6º da lei diz que o Fisco só poderá ter acesso quando houver procedimento administrativo e tais exames sejam considerados indispensáveis”, disse. “Portanto, não há lugar para casuísmos, não há lugar para arbitrariedades. Obstaculizar o processo seria criar mais uma etapa a mais na administração.”
Diante dessas afirmações, o ministro Luís Roberto Barroso questionou a procuradora se essa mesma lógica se aplicaria aos estados e municípios. Luciana relutou, mas disse que “os dados bancários têm mais importância quando se fala de renda”, cuja competência para tributar é da União.
O ministro Ricardo Lewandowski perguntou se essas informações seriam compartilhadas com os órgãos de persecução penal, caso essa autuação fiscal resulte num processo criminal. A procuradora disse que, para a instauração de processos penais, é preciso que se esgote a via administrativa. “Então, ao final do procedimento tributário, me parece que sim.”
Eficiência
A secretária-geral de contencioso da Advocacia-Geral da União, Grace Maria Fernandes Mendonça, explicou que a quebra de sigilo diretamente pela Receita resulta numa economia processual. Segundo ela, já houve 93 mil casos de incongruência entre a movimentação financeira e a declaração de renda, e o repasse direto de informações possibilitou 38 mil ações de cobrança.
Grace também deu o exemplo de contribuintes que movimentaram R$ 15 milhões, mas declararam “dez vezes menos” à Receita Federal. “Esse repasse de informações se dá de forma arbitrária, especulativa? De forma alguma”, continuou a advogada da União. “A lei especifica que esse sigilo se estenda também no que se refere à autuação da Receita. E para finalidade de cotejo entre a declaração de renda e a movimentação bancária.”
O procurador-geral do Banco Central corroborou os argumentos da colega. Ele explicou que o papel do BC é o de agência reguladora do sistema financeiro para proteção da moeda. “Seria impossível zelar pela moeda sem esses dados. Não é possível cuidar do que não se pode ver.”
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