No início de novembro, a Delegacia de Homicídios do Rio de Janeiro decidiu não indiciar o policial militar acusado de ter dado o disparo que matou o menino Carlos de Jesus Ferreira, de 10 anos, durante uma troca de tiros, em abril, com bandidos do Complexo do Alemão. Com base em laudo pericial, a Polícia Civil concluiu que o agente agiu em legítima defesa, pois alegadamente a equipe do PM teria sido atacada a tiros por criminosos. Uma bala atingiu Eduardo, que morava perto e estava a apenas cinco metros dos policiais. Ele morreu na hora. A perícia não conseguiu definir qual dos dois PMs envolvidos no tiroteio foi o autor do tiro.
O episódio teve grande repercussão, mas não foi o único em que policiais envolvidos em operações desse tipo são inocentados. Certamente não terá sido o último. Em geral, a liturgia das investigações que procedem a ocorrências semelhantes encaminha o resultado dos inquéritos, com base em conclusões de laudos periciais, favoravelmente aos agentes policiais. Nesse universo em que colegas de profissão, não raro de delegacia, são encarregados de investigar os próprios companheiros, o corporativismo, as pressões vindas da mesa ao lado e mesmo o espírito de sobrevivência falam mais alto. Nem sempre o fato é o termômetro das conclusões periciais.
Investigações como as que deixaram no ar a responsabilidade pela morte do menino do Complexo do Alemão, resultados que se podem adivinhar, certamente teriam outro desfecho — certamente mais crível — se peritos criminais pudessem realizar seu trabalho sem a sombra da retaliação. A autonomia do corpo de peritos em relação à cadeia de comando das Polícias Civis é, por isso mesmo, uma imperiosidade para melhorar os índices de elucidação de crimes — em particular, aqueles cometidos por agentes públicos da segurança.
A questão está posta em discussão em diversos estados. Em pelo menos 18 unidades da Federação em que esse corpo técnico foi desvinculado da estrutura da polícia, com autonomia para, nas investigações, se prender a fatos e provas técnicas, as corporações apresentaram melhoria no serviço prestado à população. A par dessa obviedade, um organismo pericial autônomo tende a se pautar por questões de maior abrangência para o exercício da profissão — como a busca por maior desenvolvimento científico, estímulo a pesquisas, aprimoramento funcional, modernização dos órgãos etc. Esse princípio, aliás, é balizado por órgãos como a ONU e a Anistia Internacional. Também está consignado no Plano Nacional de Segurança Pública.
Em artigo publicado no GLOBO em outubro, representantes de entidades de peritos pontuaram: “As investigações da perícia criminal não podem ocorrer sob a autoridade da polícia, devendo haver um corpo científico autônomo.” A melhoria dos serviços nos estados que adotaram a independência investigativa é evidência de que esse é um caminho a seguir