Eu não me Envergonho do Evangelho (Romanos 1,16-17)
Entendo em que em nossos dias o significado da palavra evangelho esteja longe daquilo que ela realmente significa. Reduzimos a ideia sublime contida nesses escritos, a uma ideia marcada pela religiosidade, pelos desejos meramente humanos, confundimos de forma até enfática evangelho com evangélico, que é o mesmo que confundir aquilo que é santo com o que é impuro. Digo isto, não com alegria, mas com tristeza, porque muitos hoje que se dizem evangélicos, não tem parte com o evangelho, usa-o para atender aos seus desejos pecaminosos, maus e irrelevantes. Evangélicos que não reconhecem o caminho da cruz não são dignos do evangelho.
O Pr. Charles Spurgeon dizia: “A falta de pureza na fé costuma ser ocasionada pela ausência de conversão. Se tais homens tivessem experimentado o poder do evangelho em suas almas, não o teriam abandonado tão facilmente para ir em busca de fábulas”. Estamos numa sociedade que busca estas fábulas. Que fazem de Cristo a máquina de atender os seus desejos. Numa sociedade que não existe mais o comprometimento com o evangelho, o comprometimento com Jesus Cristo. Estamos na sociedade do simplesmente funciona. Se Jesus Cristo não funcionar podemos descartá-lo, trocá-lo, fazer as reclamações ao criador original, Deus. Dizer Deus, não está funcionando, não foi isso que comprei, preciso que o senhor troque, mande um anjo aí, mais eficiente, mais rápido, mais simples. O mais triste de toda essa história é que essas pessoas vão domingo após domingo a várias igrejas e acreditam fielmente que se converteram, quando na verdade nunca passaram pela a cruz de Cristo. As pessoas estão achando que Jesus é uma máquina que simplesmente funciona e elas têm chamado isso de evangelho.
Evangelho não é uma ideia. Não é uma filosofia, pois essas vêem e passam. Evangelho não é um dogma da igreja, porque na verdade ele traz a própria a verdade que deve ser lida e interpretada e acima de tudo vivida. Evangelho não é uma motivação para prosperar financeiramente na vida. Evangelho não é um fabula qualquer contada por quatro loucos e confirmada por tantos outros. Isso definitivamente não é evangelho.
Mas aqueles que desejam viver piedosamente aquilo que o evangelho os conclama a viverem, tem se sentidos constrangidos. Romanos capítulo 1,16 Paulo diz que não se envergonha do evangelho porque ele é poder de Deus para a salvação de todo aquele que crê. Se o evangelho é poder de Deus ele está acima de nossa compreensão, estar acima de nossos projetos, nossos desejos, sonhos, está acima da própria vida e da própria morte. Paulo não se envergonha do evangelho porque estas boas novas são o poder de Deus, cujo propósito e alvo são a realização da libertação ou salvação do homem pecador. Um homem obtém tal salvação quando a sua constante reação individual diante do evangelho é a confiança e crença – todo aquele que crê. O evangelho aponta para a fé em Jesus Cristo, e confiar em Cristo é entregar-se-lhe. Confiar em Cristo é envolver-se totalmente nas verdades eternas ensinadas por Ele e a respeito Dele no Novo Testamento.
Em Efésio 1,13 Paulo nos diz que o evangelho é a verdadeira mensagem da parte de Deus: “A mesma coisa aconteceu também com vocês. Quando ouviram a verdadeira mensagem, a boa notícia que trouxe para vocês a salvação, vocês creram em Cristo. E Deus pôs em vocês a marca de proprietário quando lhe deu o Espírito Santo, que Ele havia prometido”.Atentemos para o fato de que aqueles que receberam a mensagem do evangelho e aceitaram foram marcados com o selo do Espírito Santo. Isso quer dizer que é necessária uma transformação total em nosso ser, e um envolvimento a tal modo com Jesus Cristo, que produzam uma sinceridade moral, uma dedicação e uma consagração visível em todos os aspectos da vida. Com isso, vale entender a mensagem que nos diz que já vivemos mais, mas Cristo vive em nós. Esse é o verdadeiro sentido do evangelho: permitir que Jesus Cristo viva em nós!
Trazendo isso para termos práticos em comparação com que o fizemos no início, afirmamos que é necessária uma maior responsabilidade por parte daqueles que se dizem seguidores de Jesus Cristo. Dessa maneira entramos na segunda parte do texto que lemos hoje: “ele é a justiça de Deus que se revela, pela fé e para a fé, segundo o que está escrito: o justo viverá pela fé”.
Entendemos essa justiça como a natureza santa de Deus, seu próprio caráter justo. “Todavia essa justiça não é meramente uma descrição de um atributo divino, mas também subentende uma espécie de natureza que ele injeta nos remidos. Os homens, uma vez transformados segundo a imagem de Cristo, em sentido bem real e literal participam da santidade de Deus”. Em Mateus 5,48 está escrito: “Portanto, sejam perfeitos em amor, assim como é perfeito o Pai de vocês, que está no céu”. Isso indica a doação das perfeições morais aos remidos. É a agencia do evangelho que produz essa natureza nova dos homens.
Essa justiça é nos dada de fé em fé. O cristão só alcança essa justiça através da Fé em Jesus Cristo, ela é essencial para o homem ser justo. Todas as suas ações serão determinadas por ela. O caminho a ser seguido é o caminho indicado por Jesus Cristo, o caminho do Evangelho.
Gostaria de terminar hoje com o prefácio do Novo Testamento, escrito nos anos de 1534 por João Calvino. Um resumo belo do evangelho:
Sem o evangelho
tudo é inútil e vão;
sem o evangelho
não somos cristãos;
sem o evangelho
toda riqueza é pobreza;
toda sabedoria, loucura diante de Deus;
toda força, fraqueza;
e toda a justiça humana jaz sob a condenação de Deus.
Mas pelo conhecimento do evangelho somos feitos
filhos de Deus,
irmãos de Jesus Cristo,
compatriotas dos santos,
cidadãos do Reino do Céu,
herdeiros de Deus com Jesus Cristo, por meio de quem
os pobres são enriquecidos;
os fracos, fortalecidos;
os néscios, feitos sábios;
os pecadores, justificados;
os solitários, confortados;
os duvidosos, assegurados;
e os escravos, libertados.
O evangelho é o poder de Deus para a salvação de todo o que crê. Assim, tudo o que poderíamos pensar ou desejar deve ser achado somente neste mesmo Jesus Cristo.[1]
[1] Fonte: “Preface to Olivétan’s New Testament” em Westminster Library of Christian Classic (Vol. XXIII), Calvin: Commentaries – Westminster John Knox Press, julho/79, pp. diversas.
Fragmentos do prefácio de Calvino à versão francesa do Novo Testamento (1534) traduzido por Pierre Robert Olivétan.
Postado por Régis Pereira