O Rio Grande do Norte deve superar a previsão do número de casos de câncer de mama diagnosticados no estado, que era de 500 ocorrências. A estimativa é que no ano de 2015 sejam identificados 800 casos. Mas o aumento não é de todo negativo quando falamos de diagnóstico. A medida que o número de casos identificados aumenta, cresce também a possibilidade de cura, que hoje gira em torno de 90% a 95% quando descoberto de forma precoce.
Os tempos mudaram e com a modernidade vieram novas formas de identificar a doença. “Quando eu comecei a clinicar, 45 anos atrás, os nódulos eram identificados quando podiam ser sentidos pelo toque do médico. Hoje nós contamos com aparelhos de mamografia, ultra-sonografia e até de ressonância magnética que nos proporcionaram uma grande evolução. Ao invés de identificar um nódulo com três, quatro centímetros, nós conseguimos encontrá-lo com apenas alguns milímetros”, relembra o doutor Ivo Barreto, mastologista.
A evolução no diagnóstico foi seguida pela evolução dos tratamentos. As sessões de quimioterapia conseguem reduzir consideravelmente o tamanho dos nódulos, tornando-os operáveis e possibilitando a não retirada total da mama. “Antes o câncer era uma coisa vista como aquele dito popular ‘se correr o bicho pega, se ficar ele come’. Hoje a situação é bem diferente. Se correr ele cura e se ficar ele não come de vez”, conta.
A forma de operar também mudou. O que antes era um veredicto de remoção da mama, hoje é encarado de maneira diferente pelos médicos e menos temido pelas pacientes. Dependendo do tamanho e da malignidade do tumor e da mama, existe a possibilidade de fazer uma cirurgia apenas no quadrante afetado, ao invés de realizar a mastectomia completa.
A influência dessa nova solução é direta no pós-operatório e interfere drasticamente na auto-estima das mulheres que se submetem a cirurgia. Hoje, as reconstruções de mama são vistas como uma ação necessária para as mulheres e já podem ser feitas no momento da remoção do tumor ou posteriormente a retirada do local afetado. Surgiu, inclusive, um profissional especializado no procedimento, a onconplástica, um cirurgião que entende com propriedade de tanto de cirurgia estética quanto de câncer e trata especificamente de casos de reconstrução. O Rio Grande do Norte conta com três desses médicos especializados.
Em alguns casos, a cirurgia requer a retirada do mamilo e a reconstrução moderna também trata esse tipo de caso. Pode ser utilizada uma pele mais escura da região da virilha, em uma pequena cirurgia para reconstruir a aréola. Mas a técnica indicada pelo doutor Ivo Barreto, por ser menos invasiva e dolorosa é a da tatuagem. Em Natal, alguns profissionais oferecem o serviço até gratuitamente. É o caso de Roberto Nascimento, que desde abril de 2015 abriu as portas do Theosophia Tatoo, no CCAB Sul, para a realização desse trabalho. De acordo com o profissional, a ação é recompensadora e cercada de emoção. “Até agora atendemos cerca de sete mulheres. O feedback é muito positivo e o momento de fazer a tatuagem é muito emocionante, cercado de histórias de superação”, relatou.
De acordo com Roberto, o resultado da tatuagem depende muito do cuidado na hora da cirurgia. “Às vezes, os cirurgiões deixam uma linha da pele que serve como um guia para reproduzir o antigo mamilo”. A textura não pode ser reproduzida perfeitamente pela tatuagem, mas visualmente a diferença entre um mamilo tatuado e um de verdade é mínima.
– Edna Mendonça – 61 anos
Está em tratamento
Muito vaidosa, com um lenço colorido na cabeça, a funcionária pública Edna Mendonça aguardava na sala de espera do Centro Avançado de Oncologia, da Liga Contra o Câncer, a sua segunda sessão de quimioterapia. Em janeiro ela fez uma mamografia e viajou para os Estados Unidos com o filho e a neta. Quando voltou para casa recebeu o recado deixado pela médica com a sua secretária. “Ela disse que tinha detectado um nódulo na minha mama, mas como o meu seio era muito denso não conseguiu identificá-lo e me pediu para refazer o exame”, contou. No momento do procedimento, Edna não conseguiu concluir o procedimento remarcado por causa da dor, o que gerou a solicitação de uma ultra mamaria por parte de sua mastologista. “Foi aí que ela acusou que eu estava com um nódulo e era maligno”. Seus belos olhos verdes, sua simpatia, o sorriso estampado no rosto, entre outros atributos, lhe renderam prêmios em concursos de beleza nos anos 70. A descoberta da doença, aos 61 anos de idade, foi encarada com tranquilidade. “Estou achando tudo muito natural. Claro que tem um baque inicial, mas depois eu entendi que é hora de cuidar de mim, da minha saúde”. O câncer foi descoberto já no estágio três, em um exame de rotina, e o tipo de nódulo de Edna se desenvolve rapidamente. “Quando voltei de viagem ele já estava com 11 cm e eu nunca senti nada. Foi muito de repente.” Mãe de dois filhos, avó de uma neta e divorciada, Edna costuma ir as consultas e tratamentos acompanhada por suas irmãs. “Depois da quimio eu vou fazer a rádio e depois da rádio eles vão amputar”. A retirada total da mama, no caso de Edna, foi uma decisão pessoal devido ao histórico familiar complicado. Sua mãe faleceu de câncer e a sua irmã já teve a doença na tireóide. “Foi uma opção minha tirar tudo porque eu não quero que fique nada dessa doença em mim”. Apesar de estar bem fisicamente, Edna não escapou de uma das partes mais marcantes para uma mulher que tem câncer, a queda dos cabelos. “Depois de 15 dias da primeira quimio meu cabelo começou a cair. Sábado eu resolvi passar a máquina. O cabelo cresce de novo. Estou muito confiante. Pretendo passar o Natal e o Ano Novo muito bem”.
– Terezinha Brito – 75 anos
Teve câncer aos 46 anos
“Sempre tive muito medo de ter câncer, porque na família do meu pai tinha vários casos, e ele me achou aos 46 anos, na plenitude da minha profissão. Em 1986, na noite de São João eu soube do resultado do exame. O médico viu um nódulo de 9 milímetros. Ele me disse que teria que operar. Foi tudo muito rápido. Em 23 junho eu recebi o resultado e em 4 de julho, dia do meu aniversário de casamento, eu me operei. Quando eu recebi a notícia, fiquei tão perturbada que nem sabia como voltar pra casa. Fiquei muito abalada. Pensei que eu ia morrer. Na época, eu era aluna especial do mestrado e abandonei tudo. Tirei um quadrante da mama. A primeira coisa que eu pensei é que meu marido ia arranjar outra mulher. Depois da cirurgia eu fiz a radioterapia e já me sentia bem melhor. Quando eu terminei voltei a trabalhar e retomei a minha vida normal. Estou aqui, quase 30 anos depois, contando essa história. Hoje, a minha grande alegria é participar do grupo de apoio.”
– Gorette Paula – 63 anos
Teve câncer aos 55 anos
“Sempre fiz os exames anualmente. Um dia, há oito anos eu fiz uma mamografia que indicou um nódulo, mas ele não apareceu na ultra mamaria. Então o médico resolveu fazer uma biopsia para tirar a dúvida do que tinha no meu seio. Assim que o câncer foi confirmado eu fui encaminhada para a cirurgia porque o meu tumor era pequeno, do tamanho de uma pontinha de lápis. Quando ele é grande é preciso fazer a quimo antes. Tirei um quadrante do peito. Meu filho morava fora, fazia faculdade, quase desistiu do curso. Eu sou filha única, então meu grande apoio foi a minha mãe, que apesar de ser velhinha me ajudou muito. Foi meu porto seguro. Ela nunca se entregou e me deu toda a força. Eu aceitei bem a cirurgia, tenho muita fé em Deus e acredito que ele só nos dá fardos que possamos carregar. Desde a descoberta até o final do tratamento foram uma cirurgia, 6 quimioterapias e 33 radioterapias. Meu cabelo caiu. Mas eu fiquei muito linda. Todo mundo dizia que eu estava muito bonita. Em 2008 eu estava boa e estou aqui hoje ajudando outras pessoas.”
– Francisca das Chagas – 75 anos
Teve câncer aos 59 anos
“Descobri a doença em um exame de rotina, aos 59 anos. Eu era professora e tinha uma filha adotiva, hoje eu tenho duas. Eu fui à médica e levei o resultado de uma mamografia que já havia sido realizada. Ela me disse que eu teria que fazer uma cirurgia. Nesse dia fui sozinha a consulta e recebi a notícia tranquilamente. Quando cheguei em casa não falei pra minha mãe, porque ela já era bem velhinha, contei pra minha filha. Olhei pra ela e disse ‘estou com câncer de mama’. Ela não acreditou porque eu dei a notícia sorrindo. Pouco tempo depois fui fazer a cirurgia, tirei um quadrante do seio. Todo o processo, da descoberta até o final do tratamento deve ter levado uns 10 meses. Depois da cirurgia eu fiz as sessões de quimioterapia. Tomei remédio por mais alguns anos e estou totalmente curada hoje. Um ano depois da cirurgia. Já faz 16 anos que estou aqui como voluntária. O câncer me deu a chance de conhecer esse grupo e essas pessoas e eu sou muito feliz aqui.”
– Gilvanete Guedes – 61 anos
Voluntária do Grupo Despertar, teve câncer aos 32 anos
“Eu era enfermeira na época em que meu câncer apareceu, em 1986. Tenho três filhos, que eram pequenos na época, o menor não tinha nem dois anos. Eu senti a minha mama dolorida e um pouco inchada depois da menstruação e procurei um mastologista. Fiz alguns tratamentos e como não deram certo fiz uma mamografia. Em um certo momento ele disse que se em poucos dias não houvesse alteração do quadro, nós íamos operar para fazer a biopsia e se desse que o nódulo era maligno eu teria que remover a mama. A primeira coisa que eu pensei é que iria ficar mutilada. Fui conversar com o meu marido e já o preparei para a minha morte. Disse que meus filhos seriam criados pela minha mãe, que não ficariam com ele. Se eu morresse, queria deixar tudo organizado. Fiquei bem abalada alguns dias, chorava escondida. Naquela época quem tinha câncer escondia. Depois que eu fiz a cirurgia recebi a visita de uma prima que me confessou que tinha tido um câncer cinco anos antes. Aquilo foi motivador. Eu pensei ‘se você está viva eu vou ficar também’. É a mesma ideia que tentamos passar aqui no Grupo Despertar. Eu senti falta desse apoio na época, de falar com alguém que passou pela mesma situação que eu. Quando eu acordei na sala de cirurgia estava sem uma mama. Eu já tinha me preparado psicologicamente pra isso, então não foi tão chocante. Meu marido me deu muita força e adquiriu muita força pra ele também. Ele não podia ver sangue que desmaiava, mas nessa época ele me ajudou a cuidar do dreno e de tudo que eu precisava. Eu fiz a cirurgia no dia 22 de dezembro, no dia 23 seria meu aniversário de casamento e no dia 24 o Natal ”.
Onde encontrar apoio:
Liga Contra o Câncer
A Liga Norte Riograndense Contra o Câncer é uma instituição pública de direito privado que atende pacientes oriundos tanto do tanto do SUS quanto de convênios médicos privados. Por ser o maior e mais antigo centro que realiza procedimentos de alta complexidade, além da sua estrutura e dos profissionais que nele trabalham, é reconhecido pelo Ministério da Saúde como um Centro de Alta Complexidade em Oncologia. Com cinco unidades em Natal, a instituição realiza cerca de 2 mil procedimentos por dia, entre quimioterapia, radioterapia, cirurgias e diversos atendimentos. Aproximadamente 20% do atendimento do hospital é voltado para o departamento de mastologia, que conta com 18 profissionais especializados, na realização de uma média mensal de mil consultas.
Grupo Despertar
O Centro Avançado de Oncologia (CECAN), da Liga Contra o Câncer, abriga uma iniciativa voluntária empreendida por mulheres que passaram pela experiência do diagnóstico e do tratamento de câncer de mama. Criado em julho de 1993, o grupo tem a missão de dar apoio emocional as pacientes com câncer de mama através da troca de experiências. Elas atuavam inicialmente no Hospital Luiz Antônio, nas quintas, e hoje estão em um espaço cedido pela Liga na unidade do CECAN. As voluntárias do Grupo Despertar se dividem em várias atividades, como reuniões, palestras educativas, acompanhamentos pré e pós-cirúrgico, visitas hospitalares e domiciliares, entre outros. O grupo realiza, ainda, sessões semanais de yoga e terapia ocupacional, além de manter um grupo de canto.