SÃO GONÇALO DO AMARANTE RN-Violência contra médicos e a formação dos profissionais no Brasil, por Aracy Balbani
Violência contra médicos e a formação dos profissionais no Brasil
por Aracy Balbani
Segundo o Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo (CREMESP), 60% dos médicos e profissionais de Enfermagem do Estado já sofreram algum tipo de agressão física, verbal ou psicológica no trabalho. A maioria das agressões ocorreu no SUS.
Para o Presidente do CREMESP, Dr. Mauro Gomes Aranha de Lima, a origem da violência não estaria no desgaste da relação entre os profissionais e o público, mas na precariedade dos serviços de saúde. Ele cita pesquisa encomendada pelo Conselho Federal de Medicina (CFM) ao Instituto Datafolha, divulgada em março (https://goo.gl/cxINPz). Nos números do Instituto, o médico é o profissional em quem os brasileiros mais confiam (26% de credibilidade).
Em levantamento do Datafolha para o Cremesp em 2015 (https://goo.gl/fYjHw4), cidadãos paulistas afirmaram ter agredido o médico em razão do comportamento deste (mal-educado, desrespeitoso, insensível, arrogante, não dá atenção ao doente), da má qualificação do profissional (faz prescrição errada, é despreparado) ou da demora para serem atendidos. Logo, qualificação do profissional e violência são questões interligadas.
Um dado apresentado pelo CFM se destaca: 46% dos brasileiros acreditam que uma das medidas que o governo deveria tomar para melhorar a saúde no país é qualificar os profissionais.
A percepção do público de várias regiões do Brasil vem de encontro ao mau desempenho dos recém-formados em escolas médicas paulistas no último Exame do Cremesp. Dos 2677 participantes voluntários do Exame, 56,4% foram reprovados. Oitenta por cento não souberam interpretar uma radiografia e erraram o tratamento a ser feito num doente idoso, e 70% não conseguiram diagnosticar um caso de tuberculose. A reprovação foi maior entre formandos das faculdades particulares (66,3%) do que entre os das instituições públicas (37,8%). O Cremesp vai oferecer curso de revisão online gratuito para quem não alcançou a nota mínima.
Não só a capacitação técnica dos médicos preocupa. A precariedade da formação ética de alguns profissionais também ficou nítida em vários episódios nos últimos anos.
Em 2015 persistia uma situação dramática no Estado de São Paulo:
“Em um dos relatos recebidos pelo Cremesp, é possível observar que a violência sofrida no ambiente de trabalho acompanha o médico desde sua formação, no meio acadêmico: “A violência que sofremos tem início na faculdade de Medicina. O acadêmico e os internos que estão na base da pirâmide sofrem assédio moral todos os dias por parte dos mais antigos. Somos chamados de burros, fracos, incapazes. Aprendemos também que tudo isso é ‘normal’ e deve ser aceito, pois um dia vai passar. Os alunos que reclamam sofrem retaliações e são taxados como sensíveis demais, pois seu superior já passou por toda essa humilhação e hoje ‘tem o direito’ de fazer o mesmo com você”.
Em 2017, por conta da “violência crescente entre médicos”, o Cremesp lançou uma cartilha de orientação para tentar coibir o assédio moral contra os residentes. Entre os residentes há jovens médicos de todo o Brasil e do exterior, atraídos pela excelência técnica dos hospitais de ensino paulistas.
Por que a violência praticada por alguns acadêmicos e profissionais formados contra os colegas ainda encontra lugar em faculdades de Medicina e hospitais-escola? Como exigir que o cidadão comum respeite o médico se este é humilhado pelos próprios colegas diante dos doentes? Que reflexos esse comportamento hostil tem na imagem que os médicos estrangeiros fazem dos colegas brasileiros?
Insistimos na esperança de ter profissionais cada vez melhores para cuidar da nossa saúde. Tomara que muitos jovens íntegros e brilhantes que cursam o ensino médio queiram, de forma sincera, se dedicar à Medicina. Eles devem estar conscientes não só das luzes, mas também das sombras dessa escolha profissional.
Existem problemas na educação médica no país. A pedagogia centrada no cuidado do ser humano com generosidade e compaixão, embora ideal, ainda não é realidade em todos os programas de graduação e de residência médica. Apesar de os humanos serem a matéria-prima da Medicina, há faculdades que dispõem de alta tecnologia e elevado padrão científico, mas não oferecem aulas com docentes de Antropologia ou Sociologia.
A falta de convívio solidário e até a escassez de recursos didáticos em certas faculdades e hospitais de ensino podem impor sofrimento e frustração a quem pretende se tornar um bom profissional. Os índices de depressão e de ideias de suicídio são maiores entre estudantes de Medicina do que no restante da população. Essa é uma realidade dolorosa que tem de mudar.
Capacitar pessoas nos aspectos técnico, ético e emocional para formar médicos competentes, confiáveis e cordiais no atendimento à população é tarefa complexa em qualquer sociedade. A discussão sobre educação médica é inesgotável. Merece toda a atenção de uma nação que deseja ser civilizada.
Concretizar as mudanças necessárias na formação científica e ética dos médicos é decisivo para ajudar a pacificar o Brasil e proteger vidas – dos que buscam assistência médica e dos que os atendem.
Aracy P. S. Balbani é médica formada pela Faculdade de Medicina da USP e ex-Professora Voluntária Doutora da Faculdade de Medicina de Botucatu (Unesp).
P.S. O levantamento “Percepção dos brasileiros sobre a confiança e credibilidade em profissionais e instituições” não perguntou a opinião dos entrevistados sobre as escolas de Medicina. Tampouco incluiu as entidades médicas entre as instituições avaliadas.
A pesquisa foi financiada pelo conjunto dos médicos do país através das anuidades recolhidas aos Conselhos da classe. Não foi por insuficiência de financiamento que a sondagem ficou incompleta.
Descubra mais sobre Blog do Levany Júnior
Assine para receber nossas notícias mais recentes por e-mail.
Comentários com Facebook