Os problemas de hoje na terceirização, por Giorgio Xenofonte
Sou servidor de um órgão público federal, trabalho mais precisamente em um setor de Licitações. Quase todos os meses, realizamos pregões para a contratação de mão-de-obra terceirizada: serviços de vigilância, copeiragem, acessorista, auxiliar administrativo…
Já no processo de licitação, encontramos um grande número de empresas completamente aventureiras, formadas de qualquer jeito, com documentação de qualidade duvidosa. Não é raro solicitar comprovação de que a empresa têm experiência no mercado e darmos de cara com atestados de capacidade técnica falsos, produzidos por algum parente do “dono da empresa” (geralmente um administrador que faz papel de tudo). Cheguei a fazer uma diligência para verificar um documento e, onde deveria existir uma fábrica com mais de 200 empregados, havia uma oficina mecânica que mal se aguentava com 3 pessoas.
Ainda na licitação, por se tratar de Pregão, as empresas têm que oferecer o menor preço possível para a prestação dos serviços. Grandes empresas, com sólida reputação, ficam longe das licitações deste tipo, pois sabem que os aventureiros vão baixar os valores a limites impraticáveis pelo mercado, na ânsia de ganhar o contrato.
E GANHAM!
Por mais que nós, responsáveis pela licitação, tentemos amarrar as questões para impedir os picaretas, há limites legais que devemos respeitar. Se o licitante apresenta os documentos, preenche as planilhas e diz que vai prestar o serviço por aquele preço, ficamos de mãos atadas… inclusive por decisões dos Tribunais de Conta.
Declaramos o vencedor, assinamos o contrato, a nova empresa chega, contrata os terceirizados que já estavam no órgão (pela empresa anterior) e tudo, aparentemente, está ótimo.
Na maioria das vezes, antes de 3 meses, começam os problemas.
Detalhe importante: não estamos, ou não estávamos mais nos anos 90. O serviço público, principalmente o órgão em que eu trabalho, é duro da fiscalização dos serviços, mas paga religiosamente em dia. Em 20 anos de serviço público, tanto na esfera estadual de Pernambuco, quanto na federal, não houve qualquer atraso de salário de servidores ou de terceirizados causado pelo órgão.
Infelizmente, o órgão público pagar em dia a empresa não é garantia que o repasse seja feito integralmente para os trabalhadores tercerizados.
Temos vários, muitos casos de benefícios sociais incluídos no pagamento que, pelos mais variados motivos, as empresas de terceirização escondem, não repassam, dificultam o quanto possível para o trabalhador.
Testemunhei casos em que os terceirizados tinha que pagar a condução do próprio bolso , pois a empresa não repassava os valores para eles. E mais, se alegassem isto como motivo de falta, teriam o salário do dia descontado.
Um colega (chamo de colega porque é importante lembrar que são pessoas que trabalham ao nosso lado) teve um problema CARDÍACO, constatado tanto pelos médicos do órgão quanto pelo SUS… a empresa simplesmente desconsiderou, deixando claro que, se ele faltasse, seria demitido! E que procurasse seus direitos na Justiça…
E aí entramos no outro grande problema envolvendo as terceirizações: as empresas fantasmas.
Por que estas empresas não ligam de ter seu nome sujo no mercado, de ter processos da Justiça Trabalhista, de ter contratos rescindidos com o serviço público – com as respectivas penalidades?
Como são praticamente “virtuais”, com 2 ou 3 pessoas gerenciando, podem simplesmente SUMIR. Sim, algumas SOMEM, deixam de pagar os terceirizados e somem com o dinheiro.
Pior, o órgão público, mesmo querendo pagar o devido aos terceirizados, não pode… pois a relação de trabalho, de contrato, não é com eles, mas com a empresa.
Tivemos casos de dinheiro retido em caixa por meses, com terceirizados passando fome, mas a justiça, a Lei, o contrato, não permitia que o órgão repassasse o dinheiro diretamente para eles.
Poucos meses depois, esta mesma empresa que sumiu, reaparecesse com outro nome, prestando serviço em outro local, desta vez tendo como sócios outras pessoas… mas é a MESMA.
Estes são casos extremos mas existem os problemas também nas empresas que prestam os serviços “corretamente”.
Os terceirizados vivem em clima de ameaça, algumas vezes velada, mas na maioria é aberta: se abrir a boca, se reclamar, vai para rua.
No órgão em que trabalho, há uma intensa fiscalização das condições de trabalho, dos repasses legais que devem ser feitos aos terceirizados. Mesmo assim, voltando à questão inicial, os preços contratados foram tão justos, tão baixos, que as empresas tentam de todo jeito levar vantagem… como não podem atingir o órgão público, pela própria característica dos contratos administrativos, sobra para os trabalhadores. É comum cobrarem que eles cumpram horas-extra sem o ressarcimento devido, que façam deslocamentos para outras unidades sem qualquer adicional pelo serviço, deixam de cumprir obrigações das convenções coletivas alegando que estão vinculados a outras convenções (não há qualquer controle por parte do MTE), fora as questões de assédio moral, que estas pessoas já tomam como parte da vida, visto que estão na parte de baixo da pirâmide desde que nasceram :/
O mundo é desigual, vivemos em uma sociedade capitalista e maníaca, mas é horrível conviver com pessoas que suam muito, trabalham corretamente, mas não têm seus direitos mais básicos respeitados.
Se a sociedade não se posicionar LOGO, a precarização dos serviços, dos direitos, dos trabalhadores, vai se acentuar mais ainda.
Como alguém disse ontem no twitter, parece que toda vez que gritamos “não passarão”, um direito do trabalhador cai no congresso golpista!