Interpretação da pobreza brasileira, por Mario Lima Jr.
Foto: Marcello Casal Jr. / Agência Brasil
Por Mario Lima Jr.
De acordo com a estimativa mais otimista do Banco Mundial, 19,8 milhões de pessoas tentarão sobreviver com menos de R$ 140 por mês até o fim de 2017 no Brasil (O Globo). O problema é grave demais para limitarmos suas causas aos erros das gestões presidenciais petistas ou do governo Temer. A pobreza é defeito da organização social humana da qual participamos igualmente.
O Brasil já tem hoje tantos pobres quanto a soma das populações de Bolívia e Paraguai: 17,3 milhões. Lembrando que o critério de definição da pobreza estipulado pelo Governo Federal (menos de R$ 140 mensais) é seis vezes inferior ao salário oficialmente considerado mínimo para uma existência digna.
A fim de combater as consequências da atual recessão econômica que transforma os mais vulneráveis em milhões de novos pobres, o Banco Mundial sugere a elevação entre R$ 600 milhões e R$ 1,2 bilhão dos recursos destinados ao Bolsa Família, que conta com R$ 29,8 bilhões em seu orçamento anual. Criado em 2003, o programa assistencial é reconhecido mundialmente por reduzir a miséria através da distribuição de renda, historicamente mal executada. Em uma escala de 0 a 1, chamada de índice de Gini, que mede o grau de concentração de renda onde o número 1 indica desigualdade máxima, a nota brasileira em 2015 foi 0,491 (PNAD/Exame).
Não são a causa original da pobreza, contudo, as recorrentes crises econômicas atravessadas pelo País nem o acúmulo de riqueza em poucas e poderosas mãos, mas a gananciosa, e antiga, exploração do trabalho. A ambição impede a igualdade social e garante a manutenção da preconceituosa superioridade hierárquica, financeira e material.
Vem de uma falha de caráter, portanto, a miséria. Um vício produz a condição de pobre e a de observador próximo – embora insensível – da fome, da falta de moradia decente e de saneamento básico nos morros, periferias, viadutos e calçadas. A permanência de um morador de rua é algo tão abominável quanto a escravidão ou o trabalho infantil, a diferença é que a legislação contra o primeiro sofrimento é frágil.
Que outra justificativa teria a construção de desigualdades entre seres naturalmente equivalentes? Atribuímos a penúria do indigente encolhido no chão ao azar por ter nascido de origem humilde, religiosos citam o inevitável e necessário carma, mas, segundo Charles Darwin, “se a miséria é causada não pelas leis da natureza, mas por nossas instituições, grande é o nosso pecado”.
No final deste ano faltarão quase vinte milhões de passos para o povo brasileiro saldar suas dívidas mais urgentes. É um longo caminho a percorrer, sem atalhos, usando como veículos benefícios trabalhistas justos, capacitação profissional e programas de assistência social (pois ensinar o faminto a pescar antes de saciar sua fome é outra anomalia humana, chamada de hipocrisia).