SALMO 37: CONVITE À ENTREGA
CONVITE À ENTREGA
Salmo 37
Pregado na Igreja Batista Itacuruçá, em 29.2.2006
Há promessas condicionais e incondicionais. A promessa, no Salmo 37, é que Deus tudo fará por nós. A condição é que entreguemos nosso caminho ao Senhor, confiando nEle.
A promessa é tão boa que a condição compensa. Por que não atendemos ao convite?
Na verdade, a condição não se refere ao mérito (ao mérito humano em receber o cuidado divino), mas ao exercício da liberdade humana, a liberdade de desejar ser alvo do cuidado de Deus. Entregar o caminho ao Senhor não é renunciar à liberdade; é exercê-la. Trata-se de uma escolha, portanto.
1. TENTAÇÕES À NÃO-ENTREGA
Lendo o Salmo, notamos as razões da dificuldade para a não-entrega.
1. A comparação, que produz decepção (por causa da prosperidade dos outros, especialmente dos maus). Nossa comparação é sempre seletiva e, por isto, sempre despreza o todo. Quando eu era criança, guaraná e bife não compareciam sempre à mesa do almoço. Quando chegavam, eu e minha irmã ficávamos comparando que copo estava mais cheio ou que bife era maior; era como se medíssemos o amor de nossos pais pela quantidade de refrigerante ou de carne. Quem olha para os outros e se acha menos ou mais amado por Deus erra grandemente.
2. A ansiedade diante do que nos pode acontecer. Ainda conservamos parte de nosso complexo de Deus, o mesmo complexo que provocou a nossa Queda, com Adão. A ansiedade produz também um certo tipo de ateísmo: o ateísmo funcional, crido por aqueles que acham nada acontecerá a menos que façamos alguma coisa; para estes, conquanto conservem uma linguagem cristã e louvem a Deus nos cultos, Deus está morto ou em coma. (MANNING, Brennan. O evangelho maltrapilho. São Paulo: Mundo Cristão, 2005, p. 199.) Como Ele não pode fazer nada, nós temos que fazer… e rápido! Para estes, foi o Jesus-poeta que saudou os lírios do campo que não trabalham…
3. Uma visão excessivamente limitada de Deus. Boa parte de nós é voltaireano: cremos num deus que criou o mundo segundo leis boas imutáveis e se tornou um grande espectador do circo da vida. Outra parte de nós até crê que ele nos criou, mas, depois deixou as regras para nos conduzirem, pelas quais temos que nos virar, como se ele não pudesse quebrar as regras que criou, ação que se chama milagre. Outra parte de nós acha que deus tem escolhidos, que são os obedientes ou os muito crentes (aos seus olhos, é claro), a quais mima, dando tudo, deixando de lado os outros que não merecem. … Bem: nossa visão de Deus é sempre limitada, mas Deus não é limitado.
2. RAZÕES PARA A ENTREGA
1. Quero começar por uma razão negativa: a impossibilidade do controle. Contra a ansiedade, o melhor antídoto é reconhecer que nós não somos capazes de dirigir nosso próprio destino. É nossa tarefa desenvolver todos os esforços para vivemos segundo nossos princípios e nossos alvos. No entanto, há situações que fogem a nosso controle, porque estão sob o controle de outra pessoa ou de outros fatores. Não estamos à deriva, mas não temos o controle de tudo. Não temos o controle do nosso cérebro: de repente, algo nele desanda. Não temos o controle de nosso corpo: algo nele desvai. Não temos o controle de nossa família: contra nossa vontade e nosso esforço, algo nela desaba. O fato de perdermos o controle das coisas não quer dizer que as coisas não tenham controle. Deus está no controle.
A seguir, apresento duas razões positivas para a entrega.
2. Não devemos esquecer o amor de Deus, que amou o mundo de tal maneira que nos entregou seu Filho único para morrer em nosso lugar (João 3.16). Esse amor é a graça em operação, operação ainda hoje se realizando. Por isto, na hora dificuldade, seja ela qual for, quando olhamos para Ele, “ficamos surpreendidos por encontrar os olhos de Jesus abertos em assombro, profundos em compreensão e gentis em compaixão”. “Deus é sempre maior. Não importa quão grande pensemos que Ele seja, Seu amor é sempre maior”. (MANNING, Brennan. O evangelho maltrapilho. São Paulo: Mundo Cristão, 2005, p. 28 e 206)
Por causa do seu amor, demonstrado em Jesus, Ele nos aceita. Para Ele, você não é um fracassado, que não consegue se livrar de sua compulsão, seja por sexo, comida, julgamento do outro; você é aceito por Deus. Para Ele, você não é uma pessoa com câncer ou alzheimer; você é uma pessoa a quem Ele ama, mesmo que até mesmo seus familiares já não agüentem você mais. Para Ele, você não é um desviado da fé, mas alguém por quem Cristo morreu na cruz. Para Ele, você não é um cara com um emprego insuportável, pelo trabalho e pela remuneração; você é querido por Deus, que lhe deseja uma vida com sentido. Para Ele, você não é um derrotado pela depressão; você é um ser amado por Deus que aposta em você.
Não importa onde você esteja no caminho da vida, você já foi aceito.
E porque você já foi aceito, Ele satisfaz todos os seus desejos, mas os desejos legítimos, precisamente por causa do seu amor. Que pai, que ame de fato o seu filho, vai deixar que ele pule de um edifício de quatro andares, embora o menino deseje saltar?
Muito de nosso conflito com Deus advém de nossa ignorância do seu amor. Queremos algo e Ele não nos deu? Foi por seu amor.
3. Não podemos perder de vista a justiça de Deus.
Quando, a exemplo do salmista, vemos os ímpios se dando bem, devemos ter em mente que o amor de Deus inclui a sua justiça. De igual modo, o poder de Deus também inclui a sua justiça. É por isto que a injustiça no mundo é um atentado contra a justiça de Deus.
A justiça de Deus excede a nossa, mas os ímpios não herdarão o Reino dos céus (1Coríntios 6,9-10).
A justiça de Deus pode parecer tardia como a dos homens, mas a justiça de Deus chega às alturas, de modo que ninguém pode se comparar a Ele (Salmo 71.19).
A justiça de Deus não é vingativa com a nossa, mas ela independe de nossos méritos. Abraão abandonou Agar e seu filho, mas Deus foi ao seu encontro.
Os aflitos parecem clamar em vão, mas quando “os justos clamam, o Senhor os ouve e os livra de todas as suas tribulações (Salmo 34.17).
Se queremos ver a justiça de Deus, mantenhamos os olhos em Deus. Se é para fazer alguma comparação, comparemo-nos com Deus.
3. PASSOS PARA RECEBER A PROMESSA
Como temos salientado, esta promessa é condicional. Depende da aceitação de um convite.
Vejamos alguns dos versos sobre este convite.
Verso 3 — Confie no Senhor e faça o bem; assim você habitará na terra e desfrutará segurança.
Verso 4 — Deleite-se no Senhor, e ele atenderá aos desejos do seu coração.
Verso 5 — Entregue o seu caminho ao Senhor; confie nele, e ele agirá.
Verso 7 — Descanse no Senhor e aguarde por ele com paciência.
Verso 34a — Espere no Senhor e siga a sua vontade. Ele o exaltará, dando-lhe a terra por herança; quando os ímpios forem eliminados, você o verá.
Que verbos doces! Que verbos amargos.
Confie.
Deleite-se.
Entregue.
Descanse.
Espere.
Eu vejo um progresso nestes verbos.
1. Confie em Deus. Ou confiamos em nós mesmos ou confiamos em Deus. Esta é a escolha mais importante da vida, que determina todos os demais passos. “Confie no Senhor de todo o seu coração e não se apóie em seu próprio entendimento; reconheça o Senhor em todos os seus caminhos, e ele endireitará as suas veredas. Não seja sábio aos seus próprios olhos; tema o Senhor e evite o mal” (Provérbios 3.5-7) Com certeza, “Aquele que defende o meu nome está perto. Quem poderá trazer acusações contra mim? Encaremo-nos um ao outro! Quem é meu acusador? Que ele me enfrente! É o Soberano, o Senhor, que me ajuda. Quem irá me condenar? Todos eles se desgastam como uma roupa; as traças os consumirão. Quem entre vocês teme o Senhor e obedece à palavra de seu servo? Que aquele que anda no escuro, que não tem luz alguma, confie no nome do Senhor e se apóie em seu Deus (Isaías 50.8-10). É esta a sua escolha: confiar em Deus? Para confiar em Deus, você precisa se deleitar em Deus.
2. Deleite-se em Deus. Deixemo-nos tomar por uma grande afeição por Deus. Não podemos amá-Lo como Ele nos ama, mas devemos amá-lo com de todo o nosso coração, de toda a nossa alma e de todas as nossas forças (Deuteronômio 6.5). Com este amor, coloque os seus desejos diante dEle. Antes de os colocar, pergunte a Deus se você deve ter os desejos que anda tendo. Queremos ter o que precisamos ou queremos ter o que os outros têm? Deleitar-se em Deus é parar de idolatrar a si mesmo, o fundamento da religião do “eu mereço”. Se amamos a nosso Deus, podemos entregar a ele os nossos desejos.
3. Entregue a Deus. Somos chamados a entregar o nosso caminho ao Senhor e não a parar de caminhar. Sigamos caminhando, mas entreguemos nossa caminhada ao Senhor. Ele nos redime do passado. Ele nos ilumina o presente. Ele nos sinaliza o futuro. Se as finanças estão apertadas, paremos de gastar o que não ganhamos; esta é a caminhada do justo que Deus abençoa. Se o futuro parece sombrio, estudemos mais para ter um emprego melhor; esta é a caminhada que Deus abençoa. Se os relacionamentos não duram, paremos de ser agressivos com os outros; esta é a caminhada justo que Deus abençoa. Se nossas emoções estão em frangalhos, procuremos ajuda; esta é a caminhada que Deus abençoa. Se a Bíblia não tem sido palavra de Deus aos nossos corações, voltemo-nos para suas páginas de vida; esta é a caminhada que Deus abençoa. A quietude (o nada fazer e esperar) faz parte da caminhada, que tem momentos de corrida e descanso, suor e sono. Depois da entrega, vem o descanso; não antes. Se você tem uma mensagem a levar, você não a leva? Se você não tem que fechar sua loja, você não a fecha?
4. Descanse em Deus. O homem rico, que procurou Jesus, fez uma oração diferente e equivocada: ele queria descansar nos seus bens, que trazem mais fadiga. Perdeu o principal, embora tenha conservado o secundário. Nossa oração deve ser a do salmista: “Descanse somente em Deus, oh minha alma; dele vem a minha esperança” (Salmo 62.5).
5. Espere em Deus. Os ímpios estão numa boa? Pare de olhar para a sua mansão e espere em Deus. O sapato está apertando? Solte o cadarço e espere em Deus.
Eu digo: “eu posso”; Deus me corrige: “confie em mim”.
Eu afirmo: “eu mereço”: Deus me convida: “deleite-se em mim”.
Eu retenho, porque é meu. Deus me pede: “entregue-me”.
Eu me esforço. Deus diz: “descanse em mim”.
Eu pergunto: “de diante me virá o socorro”. Deus responde: “espere em mim”.
ISRAEL BELO DE AZEVEDO
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