Reformar para melhorar
As reformas normalmente são feitas para melhorar alguma coisa. Nas relações sociais é um pouco mais complexo porque há interesses diversos e, muitas vezes, divergentes. O que para um, reforma, para outro, deforma. É o que ocorre hoje com a imposição da reforma/deforma trabalhista, encaminhada pelo governo, com apoio do empresariado, sem nenhum respaldo da representação dos trabalhadores, e que visa reduzir estruturalmente o custo do trabalho, eliminar passivos trabalhistas e legalizar a precarização.
A reforma trabalhista deveria estar conectada com um projeto de desenvolvimento nacional que desse fluidez às relações de produção, fosse capaz de sustentar uma produção econômica para agregar valor, gerasse lucros, aumentasse os salários, criasse empregos de qualidade, promovesse investimentos.
As mudanças deveriam valorizar e fortalecer as negociações coletivas como instrumento privilegiado de regulação das relações de trabalho. O início seria a definição da forma de funcionamento do sistema sindical de representação, induzindo a alta representatividade dos sindicatos desde o chão da empresa e em toda estrutura vertical, habilitando-os para conduzir processos negociais em todos os níveis (na empresa, categoria, setor, nacional). Os sindicatos deveriam ser os sujeitos coletivos de representação capazes de firmar compromissos com validade geral (categoria) e específica (uma empresa).
Sujeitos coletivos representativos devem ter os instrumentos adequados para conduzir a tarefa de negociar. Acesso à informação, fortalecimento da confiança no acordo, incentivo à negociação, sistemas de solução voluntária e ágil de conflitos são algumas das diretrizes para uma reforma que incentiva a negociação.
A definição da cobertura dos direitos definidos por acordos (se abrangem a todos os trabalhadores ou somente aos associados) é fundamental, pois tem repercussão sobre a organização e o financiamento sindical.
As mudanças deveriam gerar equilíbrio de força entre poderes desiguais (empregadores e trabalhadores), estimulando negociações conduzidas com boa-fé, transparência e regidas pelo interesse coletivo.
As características do novo sistema de relações de trabalho (organização e representação sindical, relações laborais e de normatização dos processos de negociação) poderiam ser recepcionadas e ampliadas na negociação, tudo assentado no principio de ampla participação dos trabalhadores, na responsabilidade compartilhada por decisões democráticas e na proibição de práticas antissindicais.
Tão importante quanto o desenho final de todo o sistema de relações laborais é a definição da estratégia de transição para o novo modelo. Uma transição que valorize e incentive a mudança voluntária, assumida pelas partes, é fundamental para o sucesso do novo modelo. Uma transição, por exemplo, que reconheça as desigualdades existentes entre as empresas (micro, pequenas, médias e grandes) e a ausência de proteção de parcela expressiva dos trabalhadores deve gerar mudanças que ampliem progressivamente a proteção laboral e o desenvolvimento econômico das empresas, definindo metas e repartindo resultados.
O que é preciso é buscar uma reforma que consolide uma nova cultura política nas relações sociais de produção, que deve ser construída em espaço de ampla negociação, que inclua todos os agentes econômicos envolvidos. Essa construção deve gerar compromissos com o novo modelo, a fim de conduzir a transição e confiança para enfrentar incertezas geradas pela mudança.
Esses elementos não estão contidos no projeto de reforma trabalhista. Ao contrario, o processo de mudança cria derrotados, o que acirrará os conflitos, aumentará a desconfiança, fragilizará compromissos e trará insegurança.
*Clemente Ganz Lúcio é Sociólogo, diretor técnico do DIEESE, membro do CDES – Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social e do Grupo Reindustrialização
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