O Governo do Estado deve concluir, até 8 de maio, parte da reforma da primeira das 16 unidades prisionais destruídas durante as rebeliões que atingiram o sistema carcerário potiguar, em março. A primeira obra entregue será o Pavilhão 4 da Penitenciária Estadual de Alcaçuz – um dos mais afetados pelos motins. Durante os próximos 30 dias, a Secretaria Estadual de Justiça e Cidadania (Sejuc) fará rodízio dos apenados entre as 33 unidades prisionais do Estado, hoje completamente superlotadas.
No final da tarde de ontem (8), as secretarias estaduais de Justiça e Cidadania, Infraestrutura (SIN) e Planejamento (Seplan) estiveram em reunião para discutir o ritmo de obras. O Governo do Estado promete divulgar hoje (9), em coletiva de imprensa, uma atualização sobre as ações de recuperação do sistema prisional.
Entretanto, em entrevista por telefone no início da noite de ontem, o secretário estadual de Justiça, Edilson França, afirmou que delimitar um cronograma de reconstrução do sistema seria “exercício de futurologia”. “Dizer quanto tempo levaremos para reformar 16 unidades prisionais seria jogar uma data, fazer exercício de futurologia”, afirmou. “Estamos trabalhando dia e noite, fazendo todo o possível, é preciso que alguém diga isso. A Secretaria de Infraestrutura nos informou que em 30 dias entrega o pavilhão quatro, então poderemos movimentar os presos, tirando de um canto e colocando no outro”, acrescentou Edilson França.
Os motins realizados pelos apenados no início de março deixaram como rastro a destruição de 1,5 mil vagas do sistema carcerário, que já operava acima da capacidade. Até ontem, o Estado possuía 7,5 mil apenados para 4,5 mil vagas.
Com o decreto de calamidade no sistema prisional, publicado pelo governador Robinson Faria em 16 de março, uma empresa foi contratada em regime de dispensa de licitação – a LMX Empreendimentos Eirelli (EPP). De acordo com extrato publicado no Diário Oficial do Estado (DOE) pela SIN, a empresa deverá realizar os serviços em até 180 dias. As obras de reforma foram divididas em seis lotes, a começar pela penitenciária de Alcaçuz e o presídio estadual Rogério Coutinho Madruga.
Entretanto, segundo o titular da Sejuc, todas as unidades entrarão no ritmo de obras a partir de hoje. “As demais já foram iniciadas. O que acontece é que em cada unidade há surpresas. A empresa vai fazendo e a Secretaria de Infraestrutura acompanhando o que está sendo feito”, explicou França.Ainda segundo extrato de contrato publicado no DOE em 26 de março, os recursos para a obra serão alocados pela Seplan para a Infraestrutura. Em contato por telefone, o secretário Jader Torres afirmou que só poderia falar sobre o orçamento hoje, em coletiva de imprensa.
Rodízio
O Diário Oficial do Estado (DOE) também trouxe ontem a nomeação do novo Coordenador de Administração Penitenciária (Coape), Durval Oliveira Franco. Ex-diretor do Presídio Estadual de Parnamirim (PEP). Agente penitenciário de carreira, Durval é o quinto gestor a assumir a Coape neste ano. O último gestor, Eider Pereira de Brito, permaneceu no cargo por apenas sete dias.
A primeira ação do titular foi iniciar a transferência do Centro de Triagem (CDP Pirangi) para os Centros de Detenção Provisória (CDPs) na expectativa de desafogar o sistema. O CDP Pirangi é a porta de entrada do sistema carcerário, pois recebe os apenados das delegacias e os redistribui. Entretanto, a superlotação da unidade desde sábado – uma cela comportava, até ontem, 83 presos – travava o sistema ainda nas delegacias.
A Coape transferiu nesta quarta-feira 19 presos sentenciados para Alcaçuz, além de fazer uma espécie de rodízio entre as unidades. Apesar de “não gostar” do método, Durval Franco afirma que será necessário investir nele enquanto as reformas não forem finalizadas ou a área da triagem ampliada. “Eu não posso dar um prazo (para o fim das realocações). Eu preciso de uma série de elementos para informar isso. O que estamos notando é que não temos saída (de presos), só entrada”, apontou.
Sistema prisional
4.500 vagas
33 unidades prisionais
20 são Centros de Detenção Provisória (CDPs)
7.534 presos
3.118 cumprem pena em regime fechado
2.846 em regime provisório
919 em semiaberto
651 em regime aberto
Transferências
CDP Zona Norte
9 celas
Número de presos: 182
Recebidos: 0
Capacidade: 95
CDP Potengi
6 celas (atualmente)
Número de presos: 119
Recebidos: 2
Capacidade: 90
CDP Zona Sul (Candelária)
7 celas
Número de presos: 130
Recebidos: 10
Capacidade: 45
CDP Pirangi (Provisório)
1 cela
Número de presos: 73
Transferidos: 16
Capacidade: 35
Presídio Estadual de Alcaçuz*
4 pavilhões
Número de presos: 705
Recebidos: 19
Capacidade: 420
*Dados até dezembro de 2014
Fonte: Coordenadoria de Administração Penitenciária (Coape)
Coape estuda novos espaços para a triagem de presos
A superlotação do sistema prisional, embora mais visíveis nos presídios, inicia ainda nas delegacias. Na última terça-feira (7), o Sindicato da Polícia Civil do Rio Grande do Norte (Sinpol) denunciou o retorno da custódia nas delegacias de plantão (DPs). Na manhã de ontem, a DP Zona Sul custodiava nove presos em uma cela com capacidade para três apenados. A reportagem flagrou o momento em que os apenados foram colocados no pátio lateral da delegacia para banho, uma vez que não há banheiro ou sequer colchão na cela. Na noite de terça-feira, a delegacia comportou 22 apenados.
As deficiência se iniciam ainda no Centro de Triagem (CDP Pirangi), porta de entrada do sistema prisional. É de lá que é feita o controla da distribuição para os presídios ou CDPs. Na manhã de ontem, os apenados iniciaram uma movimentação, mas foram contidos com spray de pimenta. Eram 73 presos em apenas uma cela. Não havia colchão, lençóis ou sequer visita de familiares. Alguns estavam no local desde 26 de março, embora a característica do CDP seja a redistribuição imediata.
“Nós dormimos uma hora e depois acorda e troca com outro. Faz calor, tem mosquito e os agentes já fizeram o possível, arranjaram o ventilador”, comentou Igor Campelo, preso há quatro dias. De acordo com o diretor da unidade, Zemilton Pinheiro, transferências foram feitas ontem para os CDPs de Candelária, Parnamirim e Potengi. “Devido ao problema no sistema estão mudando presos sem passar por aqui, vai demorar um pouco para atualizarmos (o controle)”, informou. A Coape estuda ampliar os espaços para a triagem de presos, mas ainda não há projeto fechado.
Entretanto, nos centros de detenção provisória, a situação também é grave. São 1.622 apenados em CDPs, quase 10% do total no estado. Além da falta de estrutura das unidades, há presos já sentenciados que permanecem no local. No CDP Candelária, quatro celas comportam 130 apenados. No CDP Potengi, na Zona Norte, foi iniciada a reforma de oito celas.
Construção de presídio em Ceará-Mirim inicia dia 20
O Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) referente ao sistema prisional do Estado, deve ser judicializado pelo MPRN caso o acordo não seja firmado até a próxima semana, segundo o promotor de Justiça Antônio Siqueira. Entre as ações, o MP pede a construção imediata do presídio de Ceará-Mirim e de anexos em Alcaçuz e no presídio João Chaves. O primeiro já possui recursos alocados pelo Governo Federal, na ordem de R$ 14,5 milhões. O recurso será devolvido caso as obras não sejam iniciadas até junho.
“A situação é muito grave. Seria uma insanidade e uma responsabilidade não fazer a construção”, afirma. Na secretaria regional do Tribunal de Contas da União também tramita pedido do Ministério Público de Contas (MpjTCE) para que o convênio, do programa Brasil Mais Seguro, seja repactuado. O pedido será analisado pelo ministro Vital do Rêgo.
A obra de Ceará-Mirim é questionada pelos prefeitos da região do Mato Grande. Entretanto, de acordo com a Sejuc, não há mais espaço para discussão. “Precisamos começar até o dia 20. Eu não discuto com prefeito. Se eles vierem aqui posso até receber, mas a articulação política não é comigo”, sentenciou o titular da pasta, Edilson França.
Bate-papo – Durval Oliveira Franco
Coordenador de Administração Penitenciária da Sejuc
“Estamos fazendo logística, mudando o preso de lugar”
Quais são as primeiras ações à frente da Coape?
Já estamos procurando vagas. O problema é que o sistema era falho e colapsou. O trabalho agora é conseguir recursos para construir novas vagas. Não é porque mudou o coordenador que vamos ter novas vagas. O que estamos fazendo é logística, mudando o preso de lugar. Em qualquer lugar do país é difícil conseguir vagas. Os presos também não colaboram com a gente.
Como o senhor pretende organizar o fluxo de presos, se não há vagas?
Hoje (ontem) nós fizemos um processo de emergência, retirando de alguns CDPs da Região Metropolitana para desafogar a triagem. Foram três centros que fizeram as transferências. Como eram presos sentenciados, fizemos a transferência emergencial de 19 apenados para Alcaçuz. O presídio também não está numa situação muito boa, mas como há espaço físico, os presos ficam nos pavilhões, e temos reforço policial.
Em que pé estão as reformas?
Existem duas coisas ocorrendo em paralelo: a avaliação dos danos, feita pela SIN, que ainda está sendo concluída. O que vamos fazer é praticamente reconstruir as unidades, e isso exige planejamento. O que se fazia antes eram remendos. Precisamos também dar segurança às empresas.
É preciso paciência, então?
Vamos ter que ter duas coisas: paciência, para entender que o momento é difícil, que está todo mundo tentando resolver; e trabalho. Os agentes penitenciários estão trabalhando como nunca nos presídios. Não falta apoio. O problema é que a situação é inusitada, nunca ninguém passou por isso no Estado. Precisamos esperar que, pelo menos, a gente consiga prender o apenado novamente, mantê-lo na cela em condições de cumprimento de pena, de tratamento humano. Não é função do Estado colocar de qualquer jeito, aumentar a pena já concedida pela Justiça.
Peregrinação
A realocação dos presos causou uma peregrinação de familiares. Desde a manhã de terça-feira (7), a manicure Silvani Araújo de Lima procurava pelo sobrinho, Daniel de Lima Batista (18), preso em Nova Parnamirim, por suspeita de receptação de roubo e tráfico de drogas. Nas Plantões das zonas Norte e Sul, CDP Pirangi e na distrital ninguém sabia o paradeiro dele. “O mínimo que eles têm obrigação de me dizer é o local onde ele está. Ele não tá morto, nem é indigente”, afirmou Silvani. Até o fim da manhã de ontem, o Centro de Triagem não havia localizado o rapaz.