PENDÊNCIAS RN-Entrevista José Herval Sampaio: ‘De um modo geral os gestores públicos não são transparentes’


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og do César Santos
O juiz José Herval Sampaio Júnior entrou para a história político-eleitoral-administrativa de Mossoró ao decidir, seguindo a sua convicção nas leis, cassar o mandato de uma prefeita eleita com mais de 50% dos votos depositados nas urnas de 2012.
Cláudia Regina (DEM) teve o mandato interrompido por 12 condenações pela prática de abuso de poder e captação ilícita de votos, quase todas assinadas por Herval Sampaio e confirmadas pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE).
Numa cidade onde o radicalismo político alcança níveis absurdos, logo o juiz passou a ser amado e odiado ao mesmo tempo, no entanto, sem alterar a sua consciência de que decidiu conforme as leis.
O combate da corrupção eleitoral é uma das missões que Herval Sampaio não abre mão. Mais do que isso, ele faz parte de movimentos sociais que lutam para mudar a legislação eleitoral e torná-la capaz de promover uma limpeza no ambiente político brasileiro.
Herval Sampaio tomou o “Cafezinho com César Santos” na noite de sexta-feira, 13, na sede do JORNAL DE FATO, quando fez uma ampla avaliação da minirreforma política que entrará em vigor no pleito de 2016, e considerou frágil diante da necessidade das grandes mudanças.
A minirreforma eleitoral, aprovada no Congresso e que entrará em vigor em 2016, será efetivamente importante para coibir os abusos nas eleições? Será impactante?
HERVAL SAMPAIO – Na minha concepção, não. Essa lei não mexe em nada. Com todo o respeito que eu tenho aos políticos brasileiros, ela foi feita para fazer média mesmo. Eu sou mal compreendido com algumas expressões de efeito, respeito todos eles, não tenho nada contra ninguém, alguns é que têm às vezes comigo, e deve ter porque eu decido, mas decido sempre em nome do estado de juízo e não em nome pessoal. Agora, quando eu tenho a oportunidade de falar o que eu penso, eu digo. A lei não se mexe na estrutura do poder pelo poder. O nosso sistema político eleitoral é feito de uma maneira de que quem está no poder deve permanecer no poder. Eles seguem os seus interesses, muitas vezes nada republicanos, e não promovem as reformas que verdadeiramente mudariam a estrutura político-eleitoral do país. Então, não acredito que a minirreforma seja impactante, usando a sua expressão, porque, como disse, os políticos procuraram apenas fazer média.
MAS, o senhor não acha que, ao encurtar o período de campanha e diminuir o tempo de propaganda do rádio e da televisão, as novas regras surtirão efeito positivo, já que provavelmente reduzirá os custos de campanha?
É VERDADE que tem alguns pontos positivos. Ao encurtar o período de campanha, o tempo de televisão diminuirá, por exemplo, a influência dos marqueteiros. São eles que ditam as regras, que ganham mais dinheiro, eles dominam o ambiente eleitoral. Se o candidato contrata um bom marqueteiro, ele partirá na frente dos adversários. Nitidamente, há um recurso bom nessa minirreforma, que é dizer que ataca esse marqueteiro, pois o marketing vai claramente perder força, isso é fato. Agora, é, no meu sentir, uma jogada muito bem articulada para esconder a realidade dessa reforma, que não mexe em nada no que eu chamo da estrutura de poder pelo poder.
COMO assim?
NÃO mexe no sistema eleitoral, se bem que as mudanças que se queriam para o sistema eleitoral, de que estava no poder, eu prefiro que continue do jeito que está, porque aquele distritão era bem pior do que a manutenção. Agora nós poderíamos discutir verdadeiramente, por exemplo, em fortificar o sistema dos partidos políticos. Isso é mais importante. Levando em consideração a proposta que eu adotei, pela Reforma Política Democrática, que é o sistema de coligação proporcional em dois turnos. O que é isso? Nós iríamos expor à população os programas partidários, porque, como se sabe, os 35 partidos que existem hoje no Brasil não têm ideologia, estão ao sabor dos interesses de políticos e grupos, e muitas vezes de interesses não republicanos. Então, eles não seguem os seus próprios estatutos.
Os partidos se transformaram em propriedade particular ou de grupos?
Nós temos aqui no Rio Grande do Norte, eu fui criticado por isso, mas reafirmo, temos donos de partidos. Não se vê ideologia partidária, não se vê esquerda e direita, não se vê a participação dos partidos nos municípios. Em Mossoró, uma cidade importante, a segunda maior do estado, não se vê uma identidade dos partidos políticos, nem de seus dirigentes, presidentes de diretórios, com alguma ideologia. Não existe um conjunto de ações voltadas àquilo que o partido estabelece. Isso é uma realidade no país inteiro. Você vê o fundo partidário sendo distribuído para os diretórios municipais?  Eu tenho feito curso para vereadores no país inteiro; eu não conheço um vereador, um presidente de diretório de partido que tenha dito: “Doutor Herval, eu recebi um real, ou eu recebi uma determinada formação pelo partido para a gente desenvolver ideias, disseminar os valores do partido.” Então, veja, não se mexe verdadeiramente no sistema político ou no sistema eleitoral.
O QUE é que foi feito, então?
UM JOGO de cena. Mas, quero dizer que a verdadeira mudança, que não é essas coisas todas, e agora tivemos uma vitória no Supremo Tribunal Federal (STF) que proibiu o financiamento de campanha através de doação oculta, é o fim do financiamento empresarial, que não foi colocado por eles políticos, porque queriam a permanência do sistema como estava. É bom lembrar que eles só não aprovam o financiamento empresarial no Senado agora, devido à crise política que não permite o número de senadores (49) para aprovação da PEC (proposta de emenda constitucional). É preciso ser dito que essa mudança, por si só, não vai resolver os problemas, até porque eles em Brasília querem aprovar mudanças para minorar os efeitos do fim do financiamento privado. No Senado, já tramita um projeto que aumenta de 10 para 50 por cento o limite de doação de pessoa física. Veja que absurdo, a pessoa poder doar 50 por cento do seu rendimento para um partido ou candidato. Tem outras coisas mais que eles estão tentando minorar, justamente porque quer se continuar conquistando mandato muitas vezes por força do poder econômico. Então, diante do exposto, não creio que haverá verdadeiras mudanças se o eleitor não se conscientizar. Se o cidadão brasileiro não criar vergonha na cara, de chamar a responsabilidade para si e passar a se preocupar em votar com qualidade, votar consciente e votar, principalmente, pelo menos crendo em candidatos que queiram de nenhuma maneira comprar o seu voto ou oferecer vantagens, e enquanto a sociedade não mudar, nós continuaremos com esse cenário ridículo de hoje.
O SENHOR está desesperançoso com o país?
NÃO é uma questão de ter esperança ou não. Estou falando de realidade. Veja: a crise econômica de hoje, eu tenho estudado muito sobre isso, ela existe no mundo inteiro, mas no Brasil, eu lhe garanto: boa parte desse cenário tem a ver com a crise política. A crise política é que está desembocando um acirramento maior da crise econômica. Eu lhe digo: o nosso sistema de representação é falho. Como imaginar, por exemplo, que o presidente da Câmara dos Deputados (Eduardo Cunha), terceiro na linha sucessória do país, sem prejulgá-lo, esteja mergulhado em indícios documentais de que ele tem dinheiro de origem não lícita, fortes provas dentro de uma operação seriíssima (Lava Jato) de que ele recebeu propina, tudo isso mostrado ao público, o nome dele sendo chacoalhado, com os deputados fazendo cenas, lhe virando as costas, e o cara não se tocar, achar que a pessoa dele é mais importante do que a instituição e mais importante do que o cargo que ocupa, e insistir em se manter no poder, é a prova de que a crise ética e moral na política agrava a crise econômica que vive o país.
O SENHOR diz que só cidadão brasileiro, com título na mão, votando consciente, será capaz de promover as verdadeiras mudanças. Mas, num país onde a sua maioria, de povo humilde, vota com o cartão do Bolsa Família, não é utopia esperar que o povo faça as mudanças?
ESSE, realmente, é o problema central e isso é verdade, eu não posso negar. O que vou dizer agora você vai tomar um susto: eu fiquei muito desapontado com esse movimento social de que eu participei agora (Reforma Política Democrática), não pelos seus líderes, mas pelo interesse da sociedade. Nós não chegamos a 800 mil assinaturas coletadas conforme a última posição que eu peguei, e nós precisávamos de 1 milhão e 500 mil assinaturas. Em que pese a oposição ter colocado que esse movimento era do PT, na tentativa de politizar a iniciativa, o que nos prejudicou claramente, mas eu confesso que talvez a realidade social do país também dificulte. Quando o brasileiro, em que pese ter melhorado a sua condição social nos últimos anos, luta para sobreviver e ao mesmo tempo ter uma classe política voraz, que se beneficia claramente dessa situação, se torna difícil mesmo ser feita a mudança com o voto consciente.
ESSA realidade é um atestado de que a classe política dominante vai continuar conduzindo o povo no “cabresto”?
NÃO chego a pensar assim. É difícil para o povo promover as mudanças com a realidade social que vive, mas não é impossível. Eu defendo muito a possibilidade para que a gente pudesse realizar as grandes mudanças, tenho esperança. Temos exemplos positivos. A Lei da Ficha Limpa foi uma iniciativa da sociedade, que o Congresso teve de aprovar de goela abaixo, porque os políticos não queriam. Veja só a dimensão e importância dessa lei, que já produz os efeitos positivos e ainda não tem sequer 30 por cento de sua aplicação depois de cinco anos.
O SENHOR pode citar exemplo concreto?
O CONTEXTO do caso da ex-governadora Rosalba Ciarlini (PP), que está em fase final de julgamento do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), se porventura for confirmado o voto da relatora ministra Maria Thereza de Assis Moura, pela condenação a pagamento de multa, há nítida possibilidade de aplicação da Lei da Ficha Limpa. Esse é um exemplo fatídico, a lei tem muito potencial para ser aplicada. Então, voltando ao contexto inicial. Nós conseguimos passar uma lei dessa com 1 milhão e 500 mil assinaturas, conseguimos passar a lei da captação ilícita de sufrágio, que são dois exemplos recentes positivos. Tem uma outra iniciativa popular que não alcançou o número de assinaturas necessárias para que o Congresso ouvisse e levasse a debate as nossas 10 propostas. Tanto é verdade que a única proposta que vingou, por enquanto, foi o fim do financiamento empresarial de campanha, que não foi pelo Congresso, mas por via de decisão do Supremo Tribunal Federal. As outras nove propostas foram simplesmente esquecidas, o Congresso simplesmente virou as costas ao movimento.
ISSO ocorreu devido o envolvimento do PT?
O PT estava envolvido, apoiava o movimento, mas não apoiava as 10 propostas. Por exemplo: o PT quer o financiamento público de campanha, nós que fazemos parte do movimento nem todos são favoráveis a essa proposta. Todo movimento social, às vezes se sai uma diretriz, há antes uma discussão interna. Então, financiamento público de campanha, por exemplo, é algo que precisa ser muito mais discutido. É preciso ser dito que hoje já existe o financiamento público, neste ano já vai chegar a quase 1 bilhão de reais para os partidos políticos. Eles triplicaram o Fundo Partidário, antes do início do debate das reformas eleitorais, numa sessão do Congresso rápida, sem discussão, na calada da noite, de meia noite a 1 hora da manhã, que a própria imprensa só foi divulgar no outro dia porque não acreditava que fosse possível acontecer algo dessa natureza a tal hora da noite. O fato é que o financiamento público existe.
ESSE é um exemplo de que a sociedade pouco pode fazer, diante de um Congresso determinado a legislar em causa própria?
APESAR de todo esse contexto, eu sei que é difícil, e você pode até pensar que é utópico, mas eu acredito ser possível a sociedade fazer as grandes mudanças. Inclusive, neste momento, o Congresso até nos ajuda, porque dentro da PEC que ainda está no Senado, há uma saída positiva para a sociedade que por enquanto está tranquila e pacífica. Os projetos de iniciativa popular vão ser agora por 500 mil assinaturas. Se isso passar, por exemplo, nós da reforma política democrática teremos condição de repactuar e impor novas mudanças no modelo político eleitoral. Então, concordo quando diz que o povo brasileiro não tem a cultura necessária, mas eu não creio que essa cultura possa ser impeditiva. A gente pode conscientizar a sociedade e eu vou estar sempre fazendo essas campanhas de conscientização, batendo na tecla, fiscalizando. Acho que o Ministério Público Eleitoral precisa de estruturar mais, precisamos de campanhas informativas, o Poder Judiciário precisa informar mais, chegar mais perto da população para mostrar os malefícios dessa compra de voto, do abuso de poder. Não vai sair da noite para o dia, mas eu acredito que nós estamos evoluindo.
ENFIM, dr. Herval, houve avanço ou retrocesso com a minirreforma?
NUMA palestra minha “Visão Panorâmica da Minirreforma”, eu boto: avanços ou retrocessos. A gente não pode responder na minha fala que há avanços nem que há só retrocessos. Eu acho que, independente do olhar, a gente pode ver avanços. Por exemplo: se olhar numa ótica de que foi reduzido o espaço do marketing, tira o financiamento empresarial, que não acaba porque a doação laranja vai acontecer, mas se enxuga a campanha, entendendo que há avanços nessa lei, e não apenas retrocesso. Eu sinto que a gente poderia ter feito uma reforma. Até critico que chamar isso de minirreforma já um acinte, porque se você não tiver a visão positiva que eu estou tendo, ela pode ter deformado ou retrocedido.
A CÂMARA Municipal de Mossoró acaba de aprovar um projeto polêmico, que autoriza o Executivo a fazer operação financeira usando a receita futura dos royalties de petróleo, mas sem esclarecer valores ou o que será feito com os recursos. Qual a posição que o senhor tem em relação a esse assunto?
SOBRE o projeto em si, eu quero me abster de falar, mas não de responder a sua pergunta, porque eu não tenho muitos dados e não quero ter, em que pese apresentar um novo programa (Cidadania) em que eu trato de assuntos municipais. Mas evito tocar em polêmicas municipais concretas porque podem chegar à apreciação de colegas e fica uma situação delicada. No entanto, quero dizer que não é mérito algum, de nenhum gestor de qualquer dos órgãos públicos, ser transparente e obedecer o princípio da publicidade. É obrigação. Não estou falando de mérito, mas sim de obrigação. Eu vi aí algumas posturas como se fossem um grande mérito publicizar os atos públicos, e não é, porque na verdade é obrigação. Os gestores deste país precisam entender que tudo que gira em torno de ato estatal deve ser público, deve ser transparente, deve ser claro. Então, eu não quero opinar no mérito em si, agora parece-me que se é um tipo de empréstimo para ser pago com dinheiro público, quanto mais claro for, quanto mais delimitado estiver, o gestor estará cumprindo com a sua obrigação, fazendo o dever.
Mas sobre o projeto?
Como é essa operação financeira? Qual o valor? Qual é a vantagem dessa operação? Qual o impacto que essa operação trará para a receita do município de Mossoró? Eu não estou aqui querendo me meter na gestão de ninguém, mas nós temos que ver ao adquirirmos um empréstimo, não só a nossa capacidade de pagamento, mas por quanto tempo nós vamos ficar presos a esse compromisso. Veja bem, quando se perde receita, isso tem um impacto na vida das pessoas, por isso, o gestor precisa ter responsabilidade. Digo o seguinte: a gestão transparente é uma obrigação, e aqueles que não cumprem, estão ferindo um princípio constitucional da administração pública. Infelizmente, não estou citando só Mossoró, mas de um modo geral, os gestores públicos não são transparentes.
FOTOS: Marcos Garcia
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Levany Júnior

Levany Júnior é Advogado e diretor do Blog do Levany Júnior. Blog aborda notícias principalmente de todo estado do Rio Grande do Norte, grande Natal, Alto do Rodrigues, Pendências, Macau, Assú, Mossoró e todo interior do RN. E-mail: [email protected]

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