Isabela Santos
Repórter

Dependentes químicos, de álcool e drogas ilícitas, veem na Comunidade Terapêutica Nova Aliança um lugar para recomeçar. Mas agora quem tem que reunir forças para se manter erguida é ela própria. O espaço, em Pium, Nísia Floresta, tem 11 anos. Há três, está no endereço atual, RN-313, Nº 14. Entretanto, em dezembro, a chácara foi posta à venda. E se até o dia 30 de junho não conseguirem o valor necessário para a compra, terão que procurar um novo lugar. Por isso, a comunidade está iniciando campanha para arrecadação do dinheiro.

O terreno, de 55 mil metros quadrados (550m x 100m), foi avaliado em R$ 900 mil, um excelente valor para a localização, na opinião do fundador e coordenador geral da comunidade, Murilo Vieira. De acordo com ele, o proprietário avaliou 20 mil metros, a R$ 45 cada e doaria os outros 35 mil metros. A área conta com rio e lagos, o que já barateia a terra.

“Já trabalhamos muito o lugar. Aqui era muito diferente. Está tudo arrumado, com plantações. Tivemos que fazer várias adaptações para conseguir o alvará”, disse ele, explicando o prejuízo que seria ter que sair de lá. “É melhor conseguirmos o dinheiro pra ficar”, conclui.

Adriano AbreuChácara onde funciona a Comunidade Terapêutica Nova Aliança foi posta à venda. Ong que administra local e oferece atendimento a dependentes químicos tem até o dia 30 de junho para conseguir recursos

Simbolicamente, para a arrecadação, o valor do metro será de R$ 30. Quem quiser ajudar, pode “comprar um metro quadrado” ou mais. “Se cada um der esse valor, vamos chegar rápido à quantia necessária”, acredita.

As mudanças no espaço são diárias. Os 45 internos estão sempre trabalhando, já que o processo de tratamento para libertação das drogas se sustenta em três pilares: trabalho (laborterapia), disciplina e espiritualidade.

O trabalho é dividido em diversos serviços que tanto ajudam na recuperação deles como são fundamentais para a manutenção e sustento da própria comunidade. A jardinagem e plantio estão entre eles. Iranaldo de Oliveira Soares agoava as mudas de palmeiras pouco antes do horário de lazer, que é das 16h às 17h30 e inclui partidas de futebol no grande campo de que dispõe. Outros apenas veem TV, jogam dominó, leem.

Naldo, como é chamado pelos demais colegas, há poucos dias completou o tempo previsto para o tratamento, nove meses, mas não pretende sair agora.  “Fiz um curso de cabeleireiro aqui e só pretendo sair quando conseguir montar meu salão”, comentou. “Não tenho mais vontade de sair sem destino”.

Adriano AbreuIranaldo de Oliveira Soares há poucos dias completou o tempo previsto para o tratamento, nove meses. Faz planos para o futuro

A constatação veio depois de períodos difíceis. Tendo trabalhado com material de construção, perdeu emprego, voltou para a casa da mãe, porque já não podia mais pagar o aluguel para ele, a mulher e o filho, hoje com cinco anos de idade. Seu dinheiro era convertido em drogas.

“Eu estava sem confiança. Pessoas que diziam que eram meus amigos ficavam me apontando. Hoje minha família me recebe bem quando vou visitar. Mudou muita coisa”, disse, comentando que a cada 45 dias pode passar três fora. Telefonemas, eles podem fazer dois por semana.

“Aprender” faz parte do tratamento. Voluntários dão aulas também de música. Francis Júnior de 22 anos, há três meses na casa, até compondo está. “Se é de cantar músicas dos outros, vou fazer as minhas”, disse, lembrando que o seu pai sempre tocou violão, mas ele nunca havia se interessado em tocar antes de entrar para a comunidade.

Nova Aliança sobrevive com doações e convênios

As comunidades terapêuticas são entidades que realizam o acolhimento de pessoas com problemas decorrentes do uso de substâncias psicoativas. São pessoas jurídicas, sem fins lucrativos e entre outras características oferece programas de acolhimento que empregam a estratégia da abstinência, com adesão e permanência voluntárias.

A Nova Aliança recebe doações em geral e também mantém convênio com a Secretaria de Estado de Educação, que cede professores da alfabetização ao 9º ano. Além disso, também foram firmados vínculos com a UFRN e a Unifacex. Estudantes de Odontologia, Psicologia, Serviço Social e Educação Física fazem visitas e encaminham os internos para onde possam ser atendidos de acordo com a necessidade.

A casa também conta com psicólogo, assistente social e conselheiro em dependência química. Também possui parcerias com algumas prefeituras, no caso de manter pessoas de outros municípios que não possam contribuir com as despesas. A prefeitura da própria Nísia Floresta ajuda, fornecendo profissionais de saúde do Programa de Saúde da Família. Uma vez por mês, um médico oferece atendimento na chácara, que tentou montar um consultório odontológico, mas interrompeu porque teria mais dificuldades em conseguir o alvará definitivo.

O fundador da comunidade, Murilo Vieira, decidiu ajudar usuários de drogas depois de mais de 15 anos convivendo com elas. Aos 14 anos conheceu o álcool e as substâncias ilícitas vieram seguindo uma ordem. Loló. Maconha. Cocaína. Mesclado de cocaína e maconha. E, um dia, provou o mesclado de maconha com crack, junto com a ruína do seu trabalho, da família, da vida que tinha.

Murilo disse que o mês seguinte ao que conheceu o crack passou dentro de um quarto se drogando e saindo apenas para conseguir mais. “O prazer dela é esse. Terminar e usar mais”.

De acordo com ele, em 1998 não existia nenhum serviço especializado em Natal. “Era tudo novo. Procurei ajuda e a única referência em saúde psiquiátrica foi a Casa de Saúde de Natal , Hospital Psiquiátrico Professor Severino Lopes”, disse, lembrando que a unidade possui ala para dependentes químicos. Foi nessa época que conheceu o pastor evangélico Salomão Batista, que lhe ofereceu ajuda isolando o usuário por 30 dias em uma casa. Entre pesadelos e calafrios, da crise de abstinência inicial, surgiu o desejo de ajudar outras pessoas.

Dependentes químicos, de álcool e drogas ilícitas, veem na Comunidade Terapêutica Nova Aliança um lugar para recomeçar – Foto:Adriano Abreu

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Regulamentação de comunidades terapêuticas
Até o dia 28 deste mês, o Conselho Nacional de Políticas sobre Drogas submete à consulta pública na página do Observatório Brasileiro de Informações sobre Drogas (OBID) (www.obid.senad.gov.br) e do Portal do Ministério da Justiça (www.justica.gov.br) a minuta de resolução que regulamenta as comunidades terapêuticas no âmbito do Sistema Nacional de Políticas Públicas sobre Drogas (Sisnad). Regulamentadas, essas instituições receberão mais recursos.

Qualquer pessoa pode apoiar e colaborar, assinando a petição online no site www.petiçãopublica.com.br ou enviando um e-mail para [email protected] com cópia para [email protected] contendo sugestões e críticas. No segundo caso, o título para o Assunto do email a ser enviado deverá ser: Eu apoio as Comunidades Terapêuticas e, no email, deve constar a frase “Eu apoio e aprovo a minuta da resolução do Conad que regulamenta as comunidades terapêuticas”.

O maior objetivo dessa Regulamentação, além de orientar as ações dessas entidades, é vinculá-las ao SUS, como prevê parte do texto em consulta. “Considerando a necessidade de interligar as entidades que promovem o acolhimento de pessoas com problemas decorrentes do abuso ou dependência de substância psicoativa com a rede de cuidados, atenção, tratamento, proteção, promoção e reinserção social do sistema único de saúde, do sistema único de assistência social e das demais políticas públicas”.