MUNDO DOIDO-‘Podemos vislumbrar um futuro sem câncer’, diz diretor do Instituto Ludwig de Pesquisa
RESUMINDO A NOTÍCIA
- Médico norte-americano Chi Van Dang diz que ‘podemos vislumbrar um futuro sem câncer’
- Especialista tem visão otimista sobre o futuro da luta contra o câncer
- Cenário é possível graças aos avanços principalmente nos tratamentos contra a doença
- Médico defende os impactos e benefícios da cronoterapia no combate ao câncer
Para o médico Chi Van Dang, avanços nos tratamentos e nas tecnologias serão fundamentais
LÉO RAMOS CHAVES/PESQUISA FAPESP
Chi Van Dang, médico norte-americano de origem vietnamita e atual diretor científico do Instituto Ludwig de Pesquisa sobre o Câncer (LICR, na sigla em inglês), em Nova York, tem uma visão otimista sobre o futuro da oncologia.
Em sua opinião, os avanços no tratamento observados nos últimos anos e o desenvolvimento de ferramentas para a detecção precoce tornarão possível identificar tumores em um estágio muito inicial e eliminá-los antes que se desenvolvam.
“Acho que na próxima década vamos começar a curar cada vez mais pacientes. É por isso que tenho uma visão muito entusiasmada e positiva”, disse em novembro durante sua primeira visita ao Brasil.
Dang se tornou internacionalmente conhecido por ter ajudado a elucidar como alterações no funcionamento dos genes da família MYC levam as células a adotar uma via de produção de energia distinta da usual, favorecendo o desenvolvimento de tumores.
Há pouco mais de uma década, seu laboratório foi o primeiro a mostrar que células tumorais contendo os genes MYC mutados ou funcionando de modo aberrante produzem energia por meio da fermentação — nas células saudáveis, essa síntese ocorre preferencialmente por meio da respiração, que consome oxigênio; a fermentação só é usada na ausência desse gás.
Essa mudança metabólica é conhecida como efeito Warburg, descoberto pelo médico alemão Otto Warburg (1883-1970), ganhador do Nobel de Medicina ou Fisiologia de 1931. Embora seja uma via menos eficiente para produzir energia, a fermentação permite às células acumular mais facilmente ingredientes para sua multiplicação.
Os trabalhos do grupo de Dang favoreceram a hipótese de que as células tumorais podem se tornar dependentes dessa via de geração de energia e de nutrientes específicos, que poderiam se tornar alvo de drogas contra o câncer. Algumas propostas de tratamento baseadas nessa ideia se encontram em diferentes estágios de testes com seres humanos.
Dang nasceu em Saigon, atual Cidade Ho Chi Minh, antiga capital do Vietnã do Sul. Era um dos dez filhos do primeiro neurocirurgião do país, que também foi reitor da Escola de Medicina da Universidade de Saigon.
Mudou-se para os Estados Unidos em 1967, durante a Guerra do Vietnã, e realizou graduação em química na Universidade de Michigan. Em 1978, ele concluiu o doutorado, também em química, na Universidade de Georgetown, antes de se graduar em medicina pela Universidade Johns Hopkins, onde atualmente é professor.
Em novembro, ele esteve em São Paulo para participar da celebração dos 20 anos da conclusão do Genoma Fapesp, que deveria ter sido comemorada em 2020, mas foi adiada por causa da pandemia.
O projeto sequenciou o genoma da bactéria Xylella fastidiosa, causadora da clorose variegada dos citros, o amarelinho, doença que derrubava a produção dos laranjais paulistas. A empreitada capacitou diversos grupos a realizar o sequenciamento de genomas no país e levou ao Projeto Genoma Humano do Câncer, desenvolvido em parceria com o Instituto Ludwig, que sequenciou genes expressos em tumores de grande incidência no Brasil.
No evento, que também marcou o fim do ciclo de comemoração dos 60 anos da Fapesp, Dang prestou tributo ao médico e bioquímico Ricardo Renzo Brentani (1937-2011), criador e primeiro diretor do braço brasileiro do LICR. Brentani também foi diretor-presidente do Conselho Técnico-Administrativo da Fapesp.
A seguir, leia os principais trechos da entrevista que Dang concedeu em 22 de novembro à Agência Fapesp e à revista Pesquisa FAPESP:
Quando se tornou editor-chefe da revista Cancer Research, em 2018, o senhor escreveu que “podemos começar a usar a palavra cura sem hesitação e com esperança substancial de que a ciência cumprirá essa promessa”. O que o torna tão confiante de que seja possível chegar a uma cura para o câncer?
Médicos e oncologistas costumam manter distância da palavra cura. Acho que o Projeto Genoma Humano do Câncer realmente forneceu o roteiro para a biologia e a medicina do câncer. Além disso, a evolução do conhecimento que experimentamos nas últimas décadas tem sido tremenda.
Novas drogas foram desenvolvidas a partir do Projeto Genoma. Eu cuidava de pacientes com leucemia mieloide crônica e não tínhamos uma terapia muito boa. Agora pode-se tomar uma pílula e viver com a doença. Nos últimos cinco a dez anos, testemunhamos o progresso da imunoterapia.
Realmente acho que podemos usar a palavra cura ao falar em preparar nosso sistema de defesa para lutar contra o câncer. Na próxima década vamos começar a curar cada vez mais pacientes. É por isso que tenho uma visão muito entusiasmada e positiva.
Em termos de prevenção e tratamento, acredita em um futuro livre do câncer?
Podemos vislumbrar um futuro sem câncer. A detecção precoce de tumores usando as ferramentas mais recentes, como a biópsia líquida, feita a partir de uma amostra de sangue, deve permitir detectar o problema com antecedência suficiente para evitar que o câncer se desenvolva.
Nesse sentido, acho que teremos um mundo livre de câncer em um futuro que já conseguimos vislumbrar por causa das tecnologias para identificar o câncer muito cedo. Empresas estão fornecendo isso.
Essa área deve evoluir nos próximos cinco a dez anos até o ponto em que, em vez de ir ao médico para um check-up regular, a pessoa possa apenas fornecer uma amostra de sangue e aguardar o retorno do laboratório dizendo ‘há um sinal aqui, precisamos rastrear onde está o câncer e nos livrar dele’.
Quais os próximos desafios a serem enfrentados na pesquisa do câncer?
Pode-se pensar em termos das perguntas que queremos responder. Há uma série de assuntos que ainda não entendemos muito bem, como a imuno-oncologia. Por que alguns pacientes respondem muito bem ao tratamento e outros não? Realmente precisamos realizar esforços lá.
Um tema relevante é entender o papel do nosso microbioma. Bactérias, vírus e fungos são intimamente parte de nós. Nossa saúde depende do microbioma. Na próxima década deverá haver mais e mais estudos tentando identificar o que é possível manipular nesses microrganismos para prevenir ou até tratar o câncer, para fazer o câncer responder melhor às terapias.
Um dos feitos recentes mais notáveis, e que eu provavelmente pensaria ser ficção científica se tivesse lido na literatura médica há 20 anos, é o transplante fecal. É possível fazer pacientes que não respondem à imunoterapia passarem a responder quando se transplanta para eles o microbioma de pessoas nas quais a imunoterapia funciona. Isso já é realidade.
Há, por exemplo, muitas coisas sobre a dieta e como ela afeta o desenvolvimento ou tratamento do câncer que precisam ser estudadas. E, novamente, o microbioma pode desempenhar um papel aí.
Precisamos compreender melhor como as bactérias metabolizam o que comemos e, a partir dos produtos químicos gerados, criam condições mais inflamatórias ou anticancerígenas. Do ponto de vista de saúde pública, podemos começar a aconselhar as pessoas: além de parar de fumar, você pode se beneficiar se consumir esse tipo de alimento.
Como o seu trabalho sobre o metabolismo das células tumorais vem ajudando a combater o câncer?
No fim da década de 1990, encontramos uma ligação entre genes relacionados ao câncer e o metabolismo das células. Isso nos levou ao metabolismo do câncer. Nos últimos 20 anos, o desafio foi encontrar o ponto ideal para interferir no metabolismo e levar à regressão dos tumores sem prejudicar o restante do organismo.
A lição que aprendemos nos últimos cinco ou dez anos é que, seja qual for o alvo, precisamos atingi-lo de modo a prejudicar as células tumorais e poupar o sistema imunológico. Essa área de imunometabolismo está emergindo do metabolismo do câncer.
Neste ano, alguns colaboradores e eu publicamos um artigo mostrando que a colina [vitamina B8] da dieta pode ser convertida pelas bactérias do intestino em uma substância química que, depois, é transformada no fígado em um composto que ativa o sistema imunológico. Assim, em experimentos com animais, foi possível obter uma melhor resposta à imunoterapia ao criar condições mais inflamatórias.
Empresas surgiram a partir do cenário que criamos. Inclusive já existe um medicamento para tratar leucemia mieloide aguda, aprovado pela FDA, a agência regulatória dos Estados Unidos, que atua no metabolismo das células tumorais e está proporcionando uma sobrevida maior a esses pacientes.
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