08/08/2014 06h53 – Atualizado em 08/08/2014 07h01
Mulheres alteram rotina por medo da série de assassinatos em Goiânia
Força-tarefa da Polícia Civil investiga 18 crimes cometidos por motociclistas.
Polícia não crê em ação de ‘serial killer’, mas não descarta hipótese.
Relatos de moradores de Goiânia demonstram a sensação de insegurança de quem vive na cidade. O principal motivo apontado por eles é uma série de 18 crimes, sendo 15 homicídios de mulheres, com características semelhantes, ocorridos nos últimos meses, que geraram a suspeita de que um “serial killer” estaria agindo na capital. Em entrevista ao G1 nesta quinta-feira (7), mulheres contaram que hoje se privam de atividades cotidianas pelo medo de também serem vítimas da violência.
“Eu sempre gostei muito de fazer caminhadas no fim da tarde e hoje já não tenho coragem de sair, ir a praças, parques”, afirmou a vendedora Cristina Ribeiro, 40. Ela revelou ainda que a insegurança já afeta, inclusive, a renda familiar: “Já perdi muitas vendas porque antes eu usava o período noturno para encontrar clientes e hoje ninguém quer encontrar à noite porque é mais perigoso. Nem eu quero sair também”.
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Mãe de uma garota de 13 anos, a servidora pública e professora Luciene Ferreira, 44, relata que não permite que a filha saia durante a noite e que teme, principalmente, os motociclistas. “Para mim, qualquer um é suspeito”, disse.
O relato do cobrador Gean Carlos dos Santos, 26, que pilota uma motocicleta preta, comprova que Luciene não é a única a ver os motociclistas com outros olhos após os crimes. Ele afirma não ter medo de ser confundido com o suposto “serial killer”, mas notou uma mudança no comportamento de quem está ao seu redor.
“A minha rotina não mudou tanto, mas eu vejo que as das outras pessoas mudaram. Quando estou na moto e me aproximo de algum carro, por exemplo, eu percebo que as pessoas já fecham vidro, trancam porta”, conta.
A vendedora Cleide Batista, 40, torce pela resolução dos crimes, mas acredita que mesmo com a prisão de um ou mais suspeitos, a sensação de insegurança vai permanecer. “O trauma fica por muito tempo. Acredito que vai demorar até passar essa má sensação”, lamenta.
ele se aproxima em moto (Foto: Luísa Gomes/G1)
‘Vou rezando’
Para quem mora em bairros próximos ao Conjunto Morada Nova, local onde a estudante Ana Lídia Gomes, de 14 anos, foi morta em um ponto de ônibus, o clima de insegurança é ainda maior. Assustadas, jovens que costumavam sair para se divertir sem ter maiores preocupações, estão receosas de praticar atividades até então rotineiras.
“Vou rezando para a academia, assustada e morrendo de medo. Ainda mais que o último crime foi aqui perto”, revela a jornalista Kamila Borges Fabino, de 29 anos. Ela vive no Setor Cidade Jardim, em uma casa que fica a três ruas de onde Ana Lídia foi assassinada.
Se para a academia ela ainda arrisca ir, passear em bares e boates se tornou um programa cada vez menos frequente. A jornalista evita chegar muito tarde em casa ou ir a lugares com pouca gente. O medo do desconhecido também é maior. “Quando passa um motoqueiro eu ficou louca, muito assustada”, salienta.
suposto serial (Foto: Arquivo pessoal)
Situação semelhante vive a pedagoga Flávia Venâncio Martins, de 27 anos. Ela mora no Setor Sudoeste, mas dá aulas em uma escola infantil também no Setor Cidade Jardim. O colégio também fica bem próximo ao local onde ocorreu o último homicídio, que é investigado por uma força-tarefa da polícia.
“A rua onde fica o ponto de ônibus é logo atrás da escola. Não a conhecia, mas uma colega minha deu aula para ela [Ana Lídia] e disse que ela era uma gracinha, que morreu de graça”, afirma.
Flávia saía com frequência à noite para lanchar, mas hoje diz que está evitando. Desde que surgiu o boato do assassino em série, ela afirma que só vai de casa para o trabalho e, em alguns dias da semana, para a academia. Para se precaver, ela adotou algumas medidas: “Fico meio apavorada. Ouço dizer que o tal assassino gosta de cabelo solto, daí eu só saio com ele preso. Dentro do carro é vidro fechado e porta travada o tempo todo. Morro de medo de motoqueiros que param na lateral da rua”, conta.
mais raro, segundo Flávia (Foto: Arquivo pessoal)
Homicídios
Uma força-tarefa da Polícia Civil investiga 18 crimes ocorridos neste ano em Goiânia. Entre eles estão as mortes de 15 mulheres, a de um homem e duas tentativas de homicídios de vítimas do sexo feminino.
Participam do grupo de investigação 16 delegados, sendo nove da Delegacia Estadual de Investigação de Homicídios (DIH), três que atuam em outras delegacias e mais três do interior do estado. Além deles, 30 agentes e dez escrivães também integram o grupo.
O primeiro crime aconteceu em 18 de janeiro deste ano, quando uma adolescente de 14 anos foi morta a tiros no Setor Lorena Park, na capital. Testemunhas informaram à Polícia Civil que homens em uma motocicleta roubaram o celular da vítima, atiraram contra a jovem e fugiram em seguida. No dia seguinte, outra jovem de 23 anos foi morta de maneira parecida ao sair para comprar pão no Setor Jardim América.
Segundo informações da Polícia Civil, os crimes tiveram dinâmica semelhante. Porém, de acordo com o delegado titular da Delegacia Estadual de Investigação de Homicídios (DIH), Murilo Polati, as investigações apontam que as motocicletas usadas são de marcas e cilindradas diferentes, além das descrições físicas dos suspeitos não serem as mesmas.
O delegado explica que algumas das investigações indicam crimes passionais e outras apontam envolvimento das vítimas com consumo e tráfico de drogas. Entretanto, ele não dá detalhes para não comprometer os inquéritos.
(Foto: Divulgação/Polícia Civil)
Desde maio, quando surgiu a possibilidade de que exista um “serial killer” na capital, a Polícia Civil tratava o caso como um boato. No último domingo, a corporação voltou a afirmar que não crê na possibilidade de que um assassino em série esteja agindo em Goiânia, mas revelou, pela primeira vez, que não descarta a hipótese.
A última vítima foi a estudante Ana Lídia Gomes, de 14 anos, morta no sábado (2) em um ponto de ônibus por um motociclista no Setor Conjunto Morada Nova, na capital. O assassinato da menor aumentou a desconfiança em relação a um assassino em série devido às semelhanças dos crimes.
A família dela acredita que todos os crimes estejam interligados. “Não é coincidência. Até quando vão falar que não é [um assassino em série]?”, questionou a avó.
Após a morte de Ana Lídia, diversas pessoas passaram a comentar sobre o assunto nas redes sociais e a pedir que as autoridades se mobilizem. Em diversos perfis, internautas colocaram fotos com símbolos e frases de luto, cobrando respostas nos casos ainda em aberto e também maior segurança na capital.
Duarte em Goiânia(Foto: Divulgação/Polícia Civil)
Gravação
A suspeita de que um assassino em série estaria agindo em Goiânia surgiu no fim do mês de maio, após uma mensagem de voz ser compartilhada pelo aplicativo de celular WhatsApp. Nela, uma pessoa não identificada diz que um homem já havia matado 12 mulheres na capital. No entanto, na época, a polícia tratou o caso como boato.
A mensagem informa que o “serial killer tem uma motocicleta preta e um capacete preto” e que age, principalmente, nos setores Jardim América, Sudoeste e Nova Suíça. Além do áudio, também é compartilhado o retrato falado do suposto assassino. A imagem realmente foi elaborada pela DIH e retrata o suspeito de executar a assessora parlamentar Ana Maria Victor Duarte, de 26 anos, na porta de uma lanchonete do Setor Bela Vista, no dia 14 de março.
Posteriormente, uma montagem do retrato falado com a foto de um jovem foi compartilhada nas redes sociais, informando que se tratava do autor dos crimes. Quem aparece na imagem é o consultor de vendas Rafael Siqueira Aleixo, de 27 anos, que não tem relação com os casos.
O jovem afirmou que teve que mudar sua rotina e a aparência por causa da comparação. Com medo de ser morto por justiceiros, ele procurou a Polícia Civil para denunciar a divulgação da mensagem que utiliza sua foto como sendo a do criminoso. “Não é brincadeira ser acusado de algo tão sério, nunca fiz mal a ninguém. Minha família e meus amigos estão muito preocupados. Tenho medo de morrer”, relatou o jovem em entrevista ao G1, em junho.