Dilma: querer ficar, por que ficar e como ficar, por Aldo Fornazieri
Em seus pronunciamentos pós-desencadeamento do processo de impeachment, a presidente Dilma tem dito que quer ficar no cargo e apresenta as justificativas que fundamentam a sua vontade. De fato, o “querer ficar” é a questão mais fácil de ser respondida por Dilma, pelo governo, pelo PT e por todos aqueles que são contra o impeachment. Afinal de contas, o impeachment não tem uma fundamentação jurídica consistente, Dilma não cometeu nenhum ato doloso e ela tem a legitimidade conferida pela soberania do voto popular.
É preciso perceber que as circunstâncias que envolvem a fundamentação do pedido de impeachment de Dilma são de natureza completamente diferente daquelas que envolveram o pedido de impeachment de Collor. No caso deste último, o pedido foi precedido de uma CPI que investigou um amplo espectro de fatos, estabeleceu nexos e elos corruptos e desnudou atos dolosos que lastrearam o pedido de impedimento de forma consistente.
No caso do pedido de impeachment de Dilma ele foi feito a seco, sem investigações prévias, sem estabelecimento de fatos conclusivos, sem a evidência inequívoca de dolo. Seu fundamento são ilações e a vontade dos que o formularam e os interesses dos políticos e dos partidos que o apoiam. Desencadear um processo de impeachment sem lastro em fatos é de tal gravidade e de tal irresponsabilidade que não pode fugir à classificação de golpe político. É legítimo que ao se defender o “querer ficar” se denuncie o caráter golpista do movimento que quer tirar Dilma do poder. É um golpe dos inconformados (Aécio e o PSDB), dos vingativos (Eduardo Cunha) e dos ambiciosos (Temer e parte do PMDB).
Por que Ficar
Em não tendo um lastro jurídico evidente, o pedido de impeachment tem nas motivações políticas sua explicação mais apropriada. A rigor, existem dois tipos de motivações políticas: a) a dos políticos, que querem derrotar o governo e o PT e querem chegar ao poder por atalhos não democráticos; b) a da população, que quer tirar Dilma por conta da recessão, do desemprego, da inflação e de outras dificuldades que enfrenta. Dilma e o governo não têm conseguido denunciar de forma eficaz a primeira motivação e não têm conseguido lidar com a segunda, com o objetivo de reduzi-la.
Os erros de política econômica do primeiro mandato de Dilma já é leite derramado. O fato principal é que o segundo mandato não conseguiu dizer a que veio. A crise econômica foi se agravando ao longo do ano por duas razões: por conta da crise política e da erosão da base de apoio do governo no Congresso e porque o governo não apresentou um plano consistente para enfrentar a crise econômica. Se é que o governo tem algum plano para sair da crise, este é etapista. Ou seja: primeiro imaginou-se que seria necessário realizar o ajuste fiscal para só depois apresentar um plano de estímulo do crescimento e do emprego.
Nestes termos, o governo navegou sem bússola, não apontou direção e sentido para o futuro próximo. Apresentou um remédio amargo sem a promessa da cura. Sem gerar esperanças e expectativas, a situação econômica foi ruindo aos golpes do desestimulo, da descrença no governo e do agravamento da crise política. O ajuste fiscal, além de pesar mais sobre os trabalhadores e os pobres, se reduziu a um fim em si mesmo. Com todas as injunções da crise política foi apenas parcialmente aprovado. A desqualificação do Ministério e de muitos ministros contribuiu para que o governo se afundasse na inércia.
Com o impeachment desencadeado, mais do que nunca, é necessário que Dilma e o governo digam as razões e as motivações do “por que” querem continuar. Sem convencimento, expectativas positivas e geração de esperanças, será difícil sustentar mobilizações no apenas “quero ficar”. O governo precisa apresentar um programa de retomada do crescimento, de manutenção do emprego e de reformas estruturantes e modernizantes se quiser tentar mostrar-se útil e necessário para o país.
Como Ficar
Na medida em que a crise vai se agravando, a fisionomia de Dilma, em vários de seus traços, vai assumindo características da fisionomia de Jango. Ela é tida por setores políticos, econômicos e sociais dos mais variados espectros ideológicos como incapaz de governar. A única chance que tem agora consiste em responder “por que” quer ficar e com quem quer ficar.
Outro aspecto no qual é possível traçar um paralelo entre a situação de hoje com a situação de 1964 diz respeito às forças de sustentação do governo. A recente reforma ministerial não deu os resultados esperados. Ela foi feita sem um programa, mais para tentar reordenar e acomodar a base de sustentação. Sem liderança própria, Dilma foi abalroada pelo PT, por sindicatos e por Lula no que diz respeito à política econômica.
Tal como aconteceu com a fragilidade de Jango, que fez o PSD se afastar do governo e se aproximar da UDN, agora se vê boa parte do PMDB se afastar do PT e rumar para uma aliança com o PSDB para derrubar o governo. A derrota do governo na formação da comissão do impeachment – que está sub judice no STF – dimensiona bem o crescente isolamento de Dilma e o grau de traição do PMDB.
Tal como Jango errou ao acreditar numa sustentação militar que lhe era prometida pelos generais Jair Dantas Ribeiro e Assis Brasil, Dilma errou ao confiar na fidelidade de Temer e do PMDB. Ela e o PT erraram mais ainda ao se emaranharem no jogo de barganhas de Eduardo Cunha.
O processo de impeachment é algo que vem sendo anunciado desde o início do ano. As forças sociais e políticas de sustentação do governo não se organizaram e não se prepararam para esse evento. Ouviram-se bravatas acerca do “exército do Stédile” e da ameaça de “pegar em armas” do presidente da CUT. Desencadeado o golpe em 1964, Jango não tinha nem sustentação militar e nem contou com a reação dos movimentos populares. Dilma terá o que?
Agora chegou a hora da verdade também para o PT e para os movimentos sociais e sindicais que gravitam em torno do partido. Chegou a hora da coragem ou da covardia, da luta ou da desmoralização. Se Dilma chegar a ser tirada da presidência sem luta e organização das forças sociais e populares haverá uma terra arrasada das lutas progressistas e igualitárias que perdurará por muito tempo. A onda conservadora que tem no atual Congresso seu epicentro poderá ganhar mais força e agredir as conquistas sociais dos últimos anos. Criar linhas de força para defender o processo democrático e os direitos sociais não é mais uma questão apenas de vontade, mas de necessidade.
Aldo Fornazieri – Professor da Escola de Sociologia e Política de São Paulo.