Blog do Levany Júnior

MACAU RN-Na oposição, PT terá novo desafio: dialogar com novos movimentos, diz especialista

breno_entrevista

Jornal GGN – A vitória do golpe do impeachment pode produzir, num primeiro instante, a sensação de que a esquerda está esgotada. Dias antes da admissibilidade do impeachment na Câmara dos Deputados, representantes de movimentos sociais e políticos, contrários à destituição do mandato da presidente Dilma, ameaçavam que o processo de consumação da abertura de um julgamento no Congresso contra a executiva, por si só, levaria milhões de brasileiros às ruas.
Porém esse quadro não se configurou. De fato está ocorrendo diversas manifestações país afora contra a abertura do processo de impeachment, mas ainda com baixa intensidade.
Para entender o porquê desse cenário, o Jornal GGN entrevistou o cientista político da Universidade Estadual do Rio de Janeiro, especialista em movimentos sociais, transformações coletivas e do pensamento social latino-americano, Breno Bringel.
O docente avalia que, apesar do aparente período de tensão silenciosa por parte de importante massa da população, o aumento de conflito social tende a aumentar à medida que um novo governo “ilegítimo” for se instalando no lugar da gestão petista.
Na entrevista completa que você poderá acompanhar à seguir, Bringel destaca o novo papel de oposição que o PT passa a cumprir, fortalecendo as manifestações da esquerda, resssaltando em seguida que os movimentos de direita, que conseguiram boa parte do que queriam com o afastamento da presidente Dilma, tendem a ser desmoralizados no acirramento de conflitos sociais nas ruas.
Outra de suas avalições aponta que, desde as manifestações Junho de 2013, há um claro aprofundamento da polarização política e que traz, como positivo, a abertura da sociedade para a discussão sobre política.
O professor pontua, no entanto, que a esquerda terá pela frente um importante desafio geracional, ou seja, aproximar o diálogo dos velhos com os novos movimentos sociais. Enquanto esses últimos prezam por um modelo mais horizontal de negociações, os primeiros ainda mantém controles mais rígidos e hierárquico das pautas.
“Hoje os jovens não estão entrando na militância via partidos e sindicatos. Entram de outra maneira. Tem outra socialização política, as vezes ela é muito mais difícil de identificar”. Acompanhe abaixo a entrevista.
Jornal GGN – Algumas lideranças de movimentos sociais avaliaram que os coletivos contra o impeachment iriam tomar as ruas em peso, depois que saísse a aprovação da admissibilidade do impeachment na Câmara dos Deputados. Porém isso não aconteceu, as manifestações que aconteceram não foram tão fortes, e de ontem para hoje a gente teve esse resultado do Senado e nada muito significativo aconteceu nesse sentido. Qual é a avaliação do professor, os movimentos sociais tendem a cumprir a promessa de pressão ou eles se mostram desgastados?
Breno Bringel – Acho que a tendência é que aumente o conflito social e que os movimentos sociais sejam mais ativos. Nós vivemos um cenário de polarização muito grande no último ano. Mas era uma polarização que, embora real, ela de alguma maneira era simplista no sentido de que não abarcava todo o espectro da sociedade brasileira. Então tinha muita gente, muitos coletivos sociais de esquerda, que não se reconheciam nessa polarização entre, de um lado, um setor bem conservador, reacionário, e de outro, um polo que queria defender a democracia, as instituições e o próprio governo. E não se reconhecia porque não queria se colar muito nesse campo do governo, no PT, em particular.
E o cenário que se abre a partir de hoje é diferente. É um cenário em que temos um governo ilegítimo e esse é um discurso, além de mais, por parte desses movimentos sociais que, embora não tenham saído massivamente nas ruas ontem ou hoje, certamente vão fazer muitas mobilizações ao longo das próximas semanas.
Agora a questão é como isso se articula. Não só a quantidade, o volume das manifestações, mas como elas se produzem. Porque o que nós vamos ter agora também é uma disputa dentro da esquerda brasileira por ocupar esses novos espaços, mesmo dentro da oposição. O PT saindo do governo passa para às ruas, parte do campo, a partir do qual o PT opera, que também tem a ver com sindicatos, com alguns movimentos como MST, a CUT, etc, vão ser certamente mais ativos na disputa das ruas.
Jornal GGN – Lembrando um pouco do que aconteceu em 2013, você acha que a característica de articulação será mais horizontalizada do que vertical? Porque, querendo ou não, o PT volta a ser oposição, mas talvez ele ainda esteja muito ligado àquele modelo sindicalista de atuar… Você acha que todos vão aderir às formas diferentes de mobilização? Assistiremos a manifestações diferentes do que a gente viu, anos atrás, na história do país e até da América Latina? 
Breno Bringel – Essa pergunta é muito importante, porque acho que nós estamos vivendo uma mudança geracional também dentro do campo da militância, dos movimentos sociais no Brasil.
Junho de 2013 foi uma amostra disso. Inclusive os movimentos mais tradicionais tiveram que se adaptar diante desse discurso mais horizontalista, dessa tendência ao questionamento às lideranças muito formais, à uma forma que acompanhou os movimentos e a esquerda brasileira durante várias décadas e que foi hegemonizada desde a redemocratização pelo que normalmente se chama campo democrático-popular.
O curioso é que esse campo popular democrático do qual o PT fazia parte, o MST, a CUT, vários dos movimentos sindicais, partidos que foram importantes na redemocratização e que eram vistos naquele momento como os novos movimentos sociais -porque eles estavam se diferenciando do que era o velho sindicalismo, por exemplo -, hoje são vistos como sinônimo do velho pros novos movimentos que estão emergindo, que são pequenos coletivos que já não querem se organizar no formato de sindicato, um movimento vertical. Então tem um espírito mais autonomista, mais libertário, mais crítico, uma nova geração de militantes também que não se reconhece, nem tem uma dívida moral com o PT, não participaram dessa trajetória da redemocratização.
Uma questão importante me parece é até que ponto vamos ser capazes de gerar um diálogo geracional, por exemplo, entre esses novos militantes e esses movimentos sociais mais tradicionais que mesmo que continuem combativos, continue nas ruas, vão ter que de alguma maneira se abrir, se adaptar também à essa nova gramática, a essa nova forma de pensar o ativismo.  Hoje os jovens não estão entrando na militância via partidos e via sindicatos. Entram de outra maneira. Tem outra socialização política, as vezes ela é muito mais difícil de identificar, são muitas frentes também.
Esses jovens não militam só em um movimento, em um coletivo, tem uma espécie de multimilitância que é muito marcada, muito forte, e a amostra disso são todas essas explosões de protestos e de iniciativas que a gente está vivendo no próprio Rio de Janeiro hoje, as ocupações nas escolas, uma série de coletivo, fazendo um trabalho as vezes muito invisível, mas estão fazendo um trabalho de tentativa ao menos de recuperação da disputa na base, nas periferias, nas comunidades, e tudo isso tende a se aprofundar nos próximos meses.
Jornal GGN – Daí a gente pode falar do fenômeno das redes? Hoje elas estão com as tramas mais seguras? A internet, os novos meios de comunicação permitem isso? Se as lutas ficarem separadas a gente não consegue ter uma mudança de fato…
Breno Bringel – Certamente a questão das redes hoje é fundamental, mas me parece que não há uma incompatibilidade entre o virtual e o territorial. As redes não podem ser vistas simplesmente como sinônimo de um ativismo de sofá, embora isso aconteça também. Elas são mecanismos muito importantes, por exemplo, de controle da mídia, de geração de mídia alternativa, de uma comunicação mais rápida e mais fluída também entre os próprios movimentos, capacidade de gerar convocatórias rápidas. Inclusive no caso dos movimentos que, basicamente, operam nas ruas e de forma mais tradicional isso hoje é muito presente.
Jornal GG – Acabamos pensando muito em movimentos sociais de esquerda. Mas a gente viu nos anos recentes bastante articulação de movimentos da direita pelo impeachment. Podemos dizer que há uma ascensão de grupos e movimentos sociais da direita, e mais organizados? 
Breno Bringel – Sim, com certeza. Os movimentos sociais podem ser conservadores da ordem, ou transformadores da ordem. Os que querem conservar a ordem, normalmente, são movimentos de direita que tendem a demandar, por exemplo, manutenção de privilégios de uma sociedade hierarquizada, de uma visão de mundo que é, de fato, bastante conservadora do status quo. Os movimentos de esquerda, pelo contrário, eles tendem a transformar a ordem, a contestar os valores, as normas hegemônicas. Nesse sentido se caracterizam por demandas de aprofundamento da democracia, dos direitos, etc.
O que nós vemos no Brasil nos últimos dois anos – e desde 2013 também de maneira forte – é uma radicalização da sociedade tanto à esquerda e à direita. Tinha um antipetismo muito forte nas mobilizações de junho de 2013 que foi levando a sociedade pra esses dois lados. Ou seja, uma crítica à esquerda e à direita do governo. A direita, de fato, foi se organizando mais, e isso gerou movimentos como o MBL [Movimento Brasil Livre], Vem Pra Rua, muito organizados.
Embora esses movimentos da direita tenham uma forma de organização muito diferente aos movimentos de esquerda, eles recebem financiamento de grandes empresas, de think tanks, do grande capital, digamos, não se importam tanto com essa questão da horizontalidade, embora haja um protagonismo do indivíduo também nesses protestos.
Jornal GGN – Podemos dizer que, ao mesmo tempo, estão mais ligados aos partidos, enquanto os movimentos de esquerda, os mais novos, tendem a se afastar do modelo partidário… 
Breno Bringel – Isso. Buscaram certa isomorfia na própria forma de organização da esquerda no sentido de ocupar as ruas, isso é verdade, mas os recursos, as demandas, o leitmotiv, é totalmente diferente. E isso não tem acontecido só no Brasil, é um fenômeno mais geral na América Latina e em outros países do mundo também. E me parece que há um sinal muito interessante nesse sentido, porque o que acontece a partir de Junho de 2013 não é só uma radicalização à direita e à esquerda, mas, ao mesmo tempo, um cenário de abertura mesmo da sociedade à discussão sobre política.
O que me parece interessante pensar é que Junho não foi só da esquerda e depois da direita. Em Junho de 2013 já estavam presentes a direita e a esquerda. Eles coexistiam no mesmo espaço físico, nas mesmas praças, nas mesmas manifestações. Às vezes o que unia era o anti-petismo, mas por motivos e por causas muito diferentes.
O que aconteceu depois de Junho foi uma certa decantação. A direita foi organizando seus protestos pelo seu lado, a esquerda por outro. Em alguns momentos a direita teve maior visibilidade e, em outros, a esquerda menos, porque boa parte do novo de Junho vinculado à esquerda eram pequenos coletivos, que contestavam inclusive boa parte da organização da esquerda tradicional.
Então eles começaram a fazer um trabalho mais de formiguinha de pequenas atuações dentro de comunidades, projetos culturais, mas não desapareceram, por isso que me parece que hoje esse novo cenário que se abre pode levar a um aprofundamento dessas forças sociais mais de esquerda também que ficaram, de alguma maneira, caladas nas últimas semanas e meses, que não se reconheciam nessa polarização, mas certamente vão sair às ruas.
E tendem ao mesmo tempo a levar uma desmobilização dos setores da direita, e seus movimentos sociais, que no fundo conseguiram boa parte do que queriam, que era a desestabilização do governo, o impeachment e que algumas leis, demandas deles já estejam reconhecidas pelo programa do próprio Michel Temer.
Select rating
Nota 1
Nota 2
Nota 3
Nota 4
Nota 5
Rate this post
Sair da versão mobile