Aos 34 anos, em 2009, e no último ano de seminário, Guido Schaffer realizou o último de seus desejos: morreu no mar, surfando no Recreio dos Bandeirantes, onde sentia a presença de Deus. No entanto, não teve a chance de atingir seu maior anseio, que era se tornar padre. Para que ele pudesse ser um padre em desejo, em seu enterro, dom Orani Tempesta, então recém-nomeado arcebispo do Rio, pôs uma estola em seu caixão. Agora, cinco anos após sua morte, Schaffer pode alcançar um feito nunca esperado: virar santo.
— Quando o Guido morreu, perguntei a Deus: por que ele? Ele fazia tão bem a todos! Agora, depois que se foi, vejo que ele continua ajudando todos. Não tenho dúvidas de que ele era um santo. Quando criança, queria ser salva-vidas; depois virou médico e resolveu ser padre, sempre pensando em ajudar o próximo — diz o padre Jorjão, da Igreja de Nossa Senhora da Paz, em Ipanema, a quem Schaffer carinhosamente chamava de Big Jorge.
Na segunda-feira, foi dado o primeiro passo da beatificação do seminarista, que é o pedido de concessão do nihil obstat, uma espécie de nada-consta que é solicitado pela Paróquia de Nossa Senhora da Paz à Congregação para as Causas dos Santos.
— Nos últimos anos, reunimos histórias do Guido em vida para comprovar que ele vivia a fé católica em grau heroico. As graças alcançadas após a morte serão um estudo feito pela Arquidiocese — conta Angela Schaffer Isnard, irmã do jovem.
Nascido em Volta Redonda, Schaffer se mudou para Copacabana quando ainda era bebê. Em 1998, formou-se médico e criou o Grupo Fogo do Espírito Santo com o Padre Jorjão, na Paróquia de Nossa Senhora da Paz.
— Guido foi a minha primeira confissão como padre. Criamos uma amizade, eu conhecia sua noiva, participei de sua formatura de Medicina, acompanhei cada etapa da vida dele. Ele tinha uma fé e caridade incríveis e uma devoção pelos doentes e pobres. Sua mãe comprava roupas de marca para ele, e ele tirava do corpo para dar aos necessitados. Conhecia mendigos pelo nome e dava assistência médica a eles como se fosse uma consulta particular. Era um jovem normal, surfista carioca da Zona Sul, que pegava onda, falava gíria e tinha um ideal na vida — lembra Jorjão.
Em 1991, o jovem disse ter ouvido o chamado para o sacerdócio; e, em 2002, iniciou os estudos preparatórios no Mosteiro de São Bento. Em 2008, entrou para o Seminário São José.
— Quando decidiu ser padre, Guido se afastou da medicina remunerada, nas clínicas particulares, mas continuou atendendo na Santa Casa de Misericórdia e com as Missionárias da Caridade. Em nossa última conversa, ele me contou que, assim que fosse ordenado, gostaria de se tornar um capelão da Santa Casa de Misericórdia. Ele pensava em fazer uma atividade com os médicos e enfermeiros, além do trabalho com os doentes. O ofício na Santa Casa marcou muito o meu irmão, muitas pessoas iam até lá para assistir às missas de domingo e estar perto dele. Isso era impressionante porque um hospital não é um local atraente — diz Angela.
Para a irmã de Guido, o esporte teve papel fundamental na formação do jovem.
— Esse lado surfista ajudou o Guido a ser um cara disciplinado. Geralmente, quem gosta de esportes tem essa determinação. A disciplina dele era a vida e o amor pelo próximo — diz Angela.
De acordo com quem conviveu com Schaffer, além de ter o dom da palavra, seu carisma era tocante.
— Ele falava de Deus como ninguém! O Guido rezava e as pessoas ficavam curadas. Pregava para idosos, jovens, surfistas que não tinha fé. E todos o entendiam e eram tocados por ele — relata Jorjão.
Se o Vaticano conceder o nihil obstat, a Arquidiocese deverá escolher um postulador, uma espécie de advogado, para investigar a vida de Schaffer. As graças alcançadas pelo jovem seminarista não podem ser citadas fora do processo do Vaticano.
Fonte: O Globo