Limpando o terreno:
* a palavra “cabeças” no título é feminina e tem o sentido de ideias, não de dirigentes/líderes. Ainda que o vice-presidente Michel Temer e o deputado Eduardo Cunha estejam entre os cabeças/próceres do movimento pró-impeachment de Dilma Rousseff;
* constitui desonestidade intelectual afirmar ou sugerir que as agendas de Temer, de Cunha e dos deputados Jair Bolsonaro e Marco Feliciano representam o conjunto ou a maioria dos partidários do impedimento da presidente. Mesmo com Bolsonaro alcançando 8% da intenção de votos para o Planalto, não se pode estimar que suas propostas sejam amplamente endossadas pelos apoiadores do impeachment (Temer tem míseros 2% no Datafolha);
* também é desonestidade intelectual omitir ou minimizar as visões e planos de oposicionistas como os quatro mencionados. Suprimir da história o pensamento deles parece tentativa de tornar mais palatável a articulação para o impeachment e a coalizão que a sustenta;
* pode-se discordar frontalmente do que dizem Bolsonaro, Feliciano, Cunha e Temer. Mas quem defende o impeachment perfila na mesma trincheira que eles. Isso não é opinião. É fato.
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Jair Bolsonaro, deputado federal (PSC-RJ)
Em vídeo de anos atrás, Bolsonaro fez declarações das quais nunca se retratou. Pelo contrário, vem reafirmando opiniões iguais ou semelhantes.
Algumas:
“Eu até sou favorável, na CPI, no caso do Chico Lopes, que tivesse pau-de-arara lá. Ele merecia isso, pau-de-arara. Funciona. Eu sou favorável à tortura”.
O entrevistador indagou: “Se você fosse hoje o presidente da República, você fecharia o Congresso Nacional?”
Bolsonaro: “Não há a menor dúvida. Daria golpe no mesmo dia”.
“Através do voto você não vai mudar nada nesse país. […] Só vai mudar, infelizmente, no dia que nós partirmos para uma guerra civil aqui dentro.”
“E fazendo um trabalho que o regime militar não fez. Matando uns 30 mil. Começando com o FHC [Fernando Henrique Cardoso].”
Crítico da corrupção, Bolsonaro tem um irmão que recebia, sem trabalhar, R$ 17 mil mensais da Assembleia Legislativa de São Paulo. A bocada acabou há poucas semanas, quando Renato Bolsonaro foi exonerado.
No domingo, Jair Bolsonaro votará a favor do impeachment.
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Marco Feliciano, deputado federal (PSC-SP)
Ideias de Feliciano:
“Quando você estimula uma mulher a ter os mesmos direitos do homem, ela querendo trabalhar, a sua parcela como mãe começa a ficar anulada, e, para que ela não seja mãe, só há uma maneira que se conhece: ou ela não se casa, ou mantém um casamento, um relacionamento com uma pessoa do mesmo sexo, e que vão gozar dos prazeres de uma união e não vão ter filhos. Eu vejo de uma maneira sutil atingir a família; quando você estimula as pessoas a liberarem os seus instintos e conviverem com pessoas do mesmo sexo, você destrói a família, cria-se uma sociedade onde só tem homossexuais, você vê que essa sociedade tende a desaparecer porque ela não gera filhos.” Leia mais aqui.
“A podridão dos sentimentos dos homoafetivos leva ao ódio, ao crime, à rejeição”.
“Africanos descendem de ancestral amaldiçoado por Noé. Isso é fato. O motivo da maldição é a polêmica. Não sejam irresponsáveis twitters. Rsss.”
“Estamos vivenciando a maior de todas batalhas contra a família brasileira, e a igreja está sendo bombardeada pelas mentiras insinuadas por grupo de bandeira LGBT (gays, lésbicas, bissexuais e travestis), que planeja dividir e destruir nossas igrejas e famílias, usando a política e a discriminação como arma.”
“Pois depois da união civil virá a adoção de crianças por parceiros gays, a extinção das palavras pai e mãe, a destruição da família.”
No domingo, Marco Feliciano votará a favor do impeachment.
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Eduardo Cunha, deputado federal (PMDB-RJ), presidente da Câmara
“Estamos vivendo a fase dos ataques, tais como a pressão gay, a dos maconheiros e abortistas. O povo evangélico tem que se posicionar.”
“Aborto eu não vou pautar (para votação) nem que a vaca tussa. Vai ter que passar por cima do meu cadáver para votar.”
Cunha manobrou para diminuir a maioridade penal e manter as “doações” de empresas a partidos políticos.
O presidente da Câmara foi indiciado, denunciado e transformado em réu por acusações de corrupção e lavagem de dinheiro.
Delatores disseram que Cunha recebeu propinas na casa das dezenas de milhões de reais, uma delas alcançando a soma de R$ 52 milhões.
O deputado disse aos seus pares que não mantinha conta no exterior. Autoridades suíças enviaram documentos comprovando o contrário.
Na Câmara, Cunha presidirá no domingo a votação do processo de impeachment.
O deputado é um dos capi do movimento para depor Dilma Rousseff.
Ele nega ser autor de ilegalidades.
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Michel Temer, vice presidente da República, presidente nacional licenciado do PMDB
No seu ensaio de discurso para a iminência de ser promovido a presidente, Michel Temer não citou a palavra “corrupção”.
Notícia recente, intitulada “Em mensagem, Cunha cita repasse de R$ 5 milhões a Michel Temer”: “O procurador-geral da República, Rodrigo Janot, reuniu indícios de que o vice-presidente, Michel Temer (PMDB), recebeu R$ 5 milhões do dono da OAS, José Adelmário Pinheiro, o Leo Pinheiro, um dos empreiteiros condenados em decorrência do escândalo da Petrobras. A informação sobre o suposto pagamento a Temer está em uma das manifestações do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Teori Zavascki, que fundamentou as buscas da Operação Catilinárias, deflagrada na última terça-feira. A menção ao pagamento está em uma troca de mensagens entre Pinheiro e o presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), em que o deputado reclama que o empreiteiro pagou a Temer e deixou ‘inadvertidamente adiado’ o repasse a outros líderes peemedebistas. ‘Eduardo Cunha cobrou Leo Pinheiro por ter pago, de uma vez, para Michel Temer a quantia de R$ 5 milhões, tendo adiado os compromissos com a ‘turma”, afirmou Janot, conforme a reprodução feita no documento assinado por Teori”.
Em delação premiada, o senador Delcídio Amaral “vinculou o nome de Temer às indicações de João Henriques e Jorge Zelada a cargos na Petrobras _ambos foram presos e condenados na Lava Jato por envolvimento com o esquema de desvios na estatal”.
Se Dilma Rousseff sofrer impeachment no Senado, Temer assumirá a Presidência.
Ambos têm numerosos correligionários envolvidos com corrupção.
Contra Dilma, inexiste suspeita de gatunagem. Contra Temer, as notícias acima mostram que sim.
Temer nega participação em irregularidades.