Por Ceci Juruá
ou se vai recorrer à clássica socialização das perdas?
Logo nos primeiros meses de 2015, intelectuais e membros da Academia promoveram sucessivas reuniões em São Paulo, Rio de Janeiro e Brasilia[1], com o propósito de analisar a crise iniciada após a proclamação dos resultados eleitorais de outubro de 2014.
A posição majoritária manifestada naquelas reuniões era de que não havia ainda grave crise econômica. Até então o que se deveria enfatizar era a crise política, liderada pelo partido derrotado nas urnas (PSDB). Mas foi também destacado que a continuidade da crise política resultaria, necessariamente, em crise econômica. A eleição de novo presidente da Câmara de Deputados, em fevereiro de 2015, só veio reforçar tal convicção.
Porque se afirmava que não havia ainda crise econômica? Era possível na ocasião sustentar esta tese, pois o pagamento parcial dos juros da dívida pública vinha sendo cumprido desde 2003. Apesar de o PT ter herdado do governo anterior um superendividamento, 60,4% do PIB (2002)! A prática petista de honrar a dívida pública só foi interrompida em 2009 (crise mundial) e em 2014, ano em que se verificou um déficit primário de 0,6% do PIB no orçamento governamental. [2]
Mas além do déficit primário, em 2014 verificou-se ainda um gigantesco déficit nas transações correntes do Balanço Internacional de Pagamentos: US$ 90,9 bilhões.[3] Um déficit que se pode atribuir à excessiva valorização da taxa de câmbio e à desnacionalização da economia brasileira, fato gerador de rendas destinadas ao exterior.
Notou-se ainda que a crise política se avolumava em razão dos procedimentos originais adotados pela força-tarefa da Lava Jato, grupo do Ministério Público em Curitiba. Por exemplo, logo no início de 2015 a força-tarefa investiu contra “unidades produtivas que representavam 2/3 da receita líquida das 28 maiores empresas brasileiras de engenharia e construção civil.[4]
Ao longo do segundo semestre de 2015 foi sendo desvelada a posição de algumas federações empresariais, sobretudo de São Paulo e do Rio de Janeiro (FIESP e FIRJAN), contrárias à política econômica e ao governo de Dilma Roussef. Lamentavelmente, tais posições foram reforçadas por correntes favoráveis ao governo eleito, e maximizadas pela mídia oligopolizada.
Em resumo, no espaço de alguns meses a crise política desdobrou-se em crise econômica de grandes proporções, levando ao afastamento da presidenta legítima pois eleita pelo voto popular. Os efeitos, sobre a economia e sobre os trabalhadores não tardaram. Ao final deste semestre de 2016 já são conhecidos alguns resultados preocupantes:
-no contingente de desempregados, que já supera 10% da população ativa, destaca-se o desemprego de 26,36% dos jovens entre 14 e 24 anos; [5]
-perda do poder aquisitivo dos salários de trabalhadores que recebem menos de um salário mínimo (perda de 10%); redução do salário real e desemprego produziram uma massa salarial de apenas R$173 bilhões entre fevereiro e abril de 2013, patamar idêntico ao verificado em 2013; [6]
-a dívida pública no entanto vem crescendo, por força da correção monetária e de juros abusivos (taxa SELIC superior a 5% ao ano, descontada a inflação);
-“seis companhias brasileiras já são alvos de ações coletivas nos Estados Unidos”, em decorrência da divulgação dos resultados das operações Lava Jato e Zelotes; entre elas a siderúrgica Gerdau e o banco BRADESCO, e “quatro das maiores empresas do país” (PETROBRÁS, BRASKEN, ELETROBRÁS e VALE);[7]
-dada a recessão/depressão que encolhem a economia do Brasil, tendo por efeitos principais desemprego e queda de salários, mas também a redução das receitas tributárias dos governos central e sub-regionais, “ao menos 18 Estados ‘estouram’ gasto com a folha de pagamento” de seus funcionários.[8]
Não se poderia, no espaço deste artigo, fazer a lista completa dos desdobramentos econômicos, perversos, nefastos, resultantes da crise política, no centro da qual localizamos partidos políticos e as entidades citadas, Ministério Público e Federações da Indústria. São múltiplos efeitos, infinitamente prejudiciais à sociedade, pois afetam o arcabouço institucional que nos foi legado pela Constituição de 1988, e ainda a própria democracia e a soberania nacional!
A esta altura, a questão colocada – quem vai pagar a conta? – parece ter uma resposta óbvia. Os trabalhadores, as classes médias, a pequena burguesia, e até parcela da grande burguesia, a brasileira, é que serão convocados a pagar uma fatura desenhada com requinte, porém sem elegância, por parte da minoria rentista que não chega a constituir 1% da população brasileira. Entre redução da taxa de juros com reescalonamento civilizado da dívida, e o ataque aos direitos sociais da população brasileira, os rentistas e seu governo interino não hesitam. Repressão e pau nos trabalhadores, sejam eles empregados ou patrões!
Jamais se viu, na história do Brasil, uma situação tão nefasta e tão conforme ao que se chama, no mundo civilizado, a Ditadura dos Credores!
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*Ceci Juruá, economista, mestre em desenvolvimento e planejamento econômico, doutora em políticas públicas, foi vice-presidente da Federação Nacional dos Economistas e conselheira por dois triênios do CORECON-RJ.
[1] Reuniões promovidas pela FPA-Fundação Perseu Abramo e o grupo acadêmico Plataforma Política Social e Brasil debate.
[2] Ver GGomes (org) – Vinte anos de economia brasileira
[3] ibid
[4] Ver Ceci Juruá in Carta Maior. Carta aberta em defesa da Engenharia Nacional.
[5] Carta de maio de 2016 do IPEA, Grupo de Conjuntura da Diretoria de Estudos e Políticas Macroeconômicas
[6] ibid
[7] Jornal Valor Econômico de 08-06-2016
[8] Jornal Valor Econômico de 10-06-2016