Jornal GGN – Em artigo na Folha de S. Paulo, André Singer relembra escândalos de corrupção desde 1946. Para ele, o Estado não foi tomado em 2003 por uma quadrilha especializada em propinas. Na verdade esse é e sempre foi o modo de financiamento político no Brasil.
“Nada disso exime o PT, principal acusado antes de Machado escancarar a abrangência do método. Ao contrário, também criado para combater tais práticas, o partido precisa explicar por que, onde e quando mudou de direção. Mas descarregar toda a indignação sobre o petismo não só é injusto, como não contribuirá para que o sistema no Brasil de fato mude”.
Da Folha de S. Paulo
Por André Singer
A delação completa de Sérgio Machado, além de detonar a cúpula peemedebista, mostra a longevidade das práticas desbaratadas pela Lava Jato. O Estado não foi tomado em 2003 por uma organização criminosa especializada em propinas: esse é o modo tradicional de financiamento político no Brasil. Para não deixar dúvidas, o delator retroage ao longínquo ano de 1946, ou seja, quando se inaugurou a democracia de massa no país e as campanhas ficaram mais caras, o ponto em que situa o início da maracutaia generalizada.
O ex-presidente da Transpetro sabe do que fala. Consta no “Dicionário Histórico-Biográfico” do CPDOC, a fonte mais confiável sobre os políticos brasileiros, que seu pai ingressou no antigo PSD (Partido Social Democrático) em 1946, e foi, sucessivamente, deputado estadual, federal e ministro de Viação e Obras Públicas. Ficou na Câmara até ser sucedido pelo filho, em 1991, numa típica passagem das aristocracias que compõem o Parlamento.
Que o regime 1946-1964 fosse tocado a expressivas doses de corrupção não surpreende qualquer leitor medianamente informado. Embora as denúncias recaíssem, de maneira desequilibrada, sobretudo em cima da coalizão popular getulista, atingiam todo o espectro. Basta lembrar o dístico que celebrizou o ex-governador paulista Adhemar de Barros (longe de ser um contestatário): rouba, mas faz.
Quanto ao período militar (1964-1985), se faltassem dados antigos, aí está o depoimento recente do empresário Ricardo Semler, segundo o qual, nos anos 1970, era impossível vender equipamentos para a Petrobras sem pagamento de propina. Na mesma direção, Pedro Corrêa, ex-deputado e ex-presidente do PP, herdeiro da antiga Arena, afirmou, na sua colaboração premiada, saber dos desvios na estatal desde a ditadura. O próprio depoente reconheceu receber propinas desde aquela época, só que por contratos no velho Inamps.
Restabelecidos os civis no poder, pouco parece ter mudado. O pessedebista Semler relata que a sua empresa voltou a tentar vender para a Petrobras nos anos 1980 e 1990, encontrando a mesma situação anterior. “Não há no mundo dos negócios quem não saiba disso”, escreveu. Senador pelo PSDB durante o mandato de FHC, Machado, ele mesmo, realizou operações de desvio para os tucanos (que haviam deixado o PMDB em 1988 por causa da corrupção!).
Nada disso exime o PT, principal acusado antes de Machado escancarar a abrangência do método. Ao contrário, também criado para combater tais práticas, o partido precisa explicar por que, onde e quando mudou de direção. Mas descarregar toda a indignação sobre o petismo não só é injusto, como não contribuirá para que o sistema no Brasil de fato mude.