Certa vez, precisei analisar documentos que estavam em determinado processo, regularmente tramitando perante um juízo qualquer (antes de mais nada, chama-se de juízo o órgão do Judiciário apto a dirimir contendas). Pois bem. Chegando lá, solicitei ao servidor que me apresentasse os autos (conjunto ordenado de peças), para que eu pudesse analisar detidamente os documentos que o constituíam.
Como de praxe, o educado servidor, ao analisar o sistema informatizado que facilita a localização e o acompanhamento do processo, informou-me que este estava concluso (ou seja, estava no gabinete do juiz). Repeti o meu anseio:
– Gostaria de ver os autos, pois preciso conferir uma informação neles contida.
E a resposta foi uma das mais comuns que nós, advogados, públicos ou privados, estamos acostumados a ouvir nos ‘fóruns da vida’:
– Mas o processo está concluso, doutor. Está com o juiz.
E eu respondi:
– Pois não. Quero analisá-lo. Aqui mesmo em cartório (ou na secretaria, como preferirem). Busque-o para mim, por gentileza.
O servidor, acostumado com reações de conformismo, levantou-se, um pouco sem norte, andou para um lado, para o outro… E retornou:
– Doutor, a informação do sistema é que os autos estão com o juiz. O processo está concluso.
– Eu entendi. Gostaria, então, que você fosse ali, no gabinete dele e buscasse os autos para mim. Preciso analisar um documento que compõe o processo – solicitei gentilmente.
O servidor, mais uma vez, deu-me as costas, seguindo como quem caminhasse, agora sim, em direção ao gabinete. Mas antes que pudesse, finalmente, buscar o processo, desistiu.
– Doutor, é que o processo está concluso e o juiz está aí.
– Ah, tudo bem. Sem problemas. Então, por favor, o senhor bata na porta, entre, informe ao juiz que eu gostaria de analisar o processo e o traga para mim.
– Mas quando o processo está concluso, ele não pode sair do gabinete. Eu não tenho como atender ao seu pedido.
Quem não já passou por situações análogas? Estou certo que muitos colegas. Milhares. Mas a questão é: desde quando não se permite a análise de processos conclusos?
A conclusão dos autos para algum tipo de decisão impossibilita a carga, pois ela causaria atrasos à marcha processual, podendo até mesmo colocar em risco a efetividade da jurisdição. Não tenho dúvidas disso. Mas a análise, no próprio órgão judicial, não é vedada.
São escassas decisões que comprovam o aqui defendido, mas já houve oportunidade em que o então Ministro do Supremo Tribunal Federal Carlos Ayres Britto permitisse vistas em cartório (não exatamente de um processo, mas de um procedimento, o INQUÉRITO 2.632-8 – STF). Estando os autos em pauta, também foi deferida vista dos autos em cartório pelo (já falecido) Ministro Menezes de Direito, também do STF (RECLAMAÇÃO 4.895-1 – STF). Em ambas as hipóteses, os autos estavam conclusos.
Com a virtualização dos feitos e a (vagarosa) implantação dos processos judiciais eletrônicos, esse problema não mais existirá no futuro. Já hoje, mesmo quando o juiz, em seu gabinete, com o processo aberto na tela de seu computador, começa a prolatar a sentença, ainda assim, de qualquer parte do mundo, o advogado terá, utilizando sua respectiva senha, acesso aos autos, podendo imprimir eventual documento de que necessite. Então, se nos ‘processos virtuais’ o acesso é possível, por que nos processos físicos, existe esse óbice?
Estamos discorrendo sobre um problema caótico que atrapalha a vida do advogado e, por consequência, do próprio cidadão. A falta de acesso rápido ao processo causa transtornos das mais variadas espécies e o pretexto de que os autos estão com o Juiz, conclusos, produz a errada conclusão de que o Judiciário estaria desobrigado de apresentar o processo e dar vistas do mesmo, ainda que no balcão do cartório (ou secretaria).
O art. 7º do Estatuto da Advocacia (Lei nº 8.906/94) dispõe, expressamente, que é direito do advogado “ter vista dos processos judiciais ou administrativos de qualquer natureza, em cartório ou na repartição competente, ou retirá-los pelos prazos legais”. Óbvio que esta regra comporta exceções, como no caso de processos que estejam tramitando em sigilo, quando somente a ele terão acesso os advogados habilitados e constituídos nos autos. Mas a mera conclusão dos autos não pode nem deve ser óbice de vistas. Ainda mais nos tempos de hoje, sem exagero, em que são festejados o acesso à informação, a publicidade, a transparência.