da Folha
Na encruzilhada escura, por Janio de Freitas
A única coisa clara é que Eduardo Cunha cometeu uma represália. Fez prevalecer a chantagem até perceber-se sem os dois ou três votos governistas que o salvariam no Conselho de Ética. Eis assim uma situação paradoxal: o possível processo de impeachment decorre de dois ou três votantes que não o apoiam. Os seus defensores, de dentro e de fora do Congresso, não tiveram força para impô-lo.
De tudo o que não se tem com o mínimo de clareza, nada é mais inquietante do que o contido nesta pergunta: que reação pode haver dos movimentos sociais com algum nível de organização e consciência do risco posto a seus ganhos?
A violência policial não é exceção no Brasil. A falta de lideranças políticas com audiência nas massas ativas é total. A ausência de talento político no Congresso é desértica.
O Brasil está posto em uma encruzilhada e no escuro. E o Brasil somos nós.
O FUTURO DE CUNHA
Tudo o que se passe na Câmara em torno do possível processo contra Cunha é pouco menos do que ocioso. Os riscos que o deputado corre são maiores do que a perda do posto e do mandato, e não estão na Câmara nem dependem dos seus aliados. Estão em fervura na Procuradoria Geral da República e no Supremo Tribunal Federal.
O interesse da Lava Jato na relação de Cunha com medidas provisórias não é bem como vazou. Em diferentes ocasiões, os procuradores e a Polícia Federal vazaram informações distorcidas, com a pretensão, já declarada, de obter determinados objetivos (que se saiba, o obtido foi apenas sensacionalismo, também de muito agrado). Isso mesmo teria ocorrido outra vez, no que era visto como as vésperas da votação de processo contra Cunha no Conselho de Ética: a indicação de um suborno de R$ 45 milhões deveria influir na votação.
A tal “anotação manuscrita” sobre aquele pagamento proveniente do banco BTG, ligado pelo noticiário a uma emenda na Medida Provisória 608, segundo a versão mais verossímil, é um registro impresso de computador. Como esse papel estava entre os recolhidos de Delcídio do Amaral e do seu assessor Diogo Ferreira, junto com os computadores de ambos, entende-se que a Lava Jato já tenha o esclarecimento a respeito. O qual se liga ao recolhido de André Esteves, do BTG, que proporcionou a farta e inesperada troca de consultas e respostas entre Cunha e o banco, a respeito de medidas provisórias na Câmara e suas emendas.
Cunha por certo vai dar sua resposta a cada suspeita e acusação. Até hoje, e isso vem de longe, ele sempre demonstrou tê-las com antecedência, prontas para eventualidades imediatas, difíceis de destruir mesmo quando inconvincentes. Não é à toa que, depois de tantos alçapões à sua frente, é o presidente da Câmara. Mas as circunstâncias não se sujeitam mais às suas habilidades, apenas. A pressa com que os sócios de André Esteves o expeliram do banco que criou, e comandava, sugere o que eles sabem ou pressentem capaz de embaraçar o companheiro audacioso. E entre esses embaraços aparece Cunha, em uma permuta de ousadias que ele só pode maquiar de um lado.
Seja protelando os trabalhos do plenário da Câmara, como nesta quarta (2), seja gastando o tempo como na terça (1º) no Conselho de Ética, a oposição do PSDB e do DEM trabalhou para Cunha. O PT, zonzo na identidade perdida, facilitou a colaboração dos oposicionistas que sonham com o impeachment. Mas nada disso influi nos amanhãs de Cunha que outros projetam.
MOSQUITOS LIVRES
O chefe de Mudança de Clima e Saúde, da Organização Mundial de Saúde, foi desalentador em entrevista a Vivian Oswald, na França, sobre zika e dengue:
“O controle da doença sem vacina é extremamente difícil” / “Não tivemos sucesso no combate ao Aedes aegypti [é latim, diz-se edes egipti] na maior parte do mundo” / “Alguns lugares tiveram sucesso com maior acesso a (…) controle dos focos de águas parada”.
Esse controle, que antecedeu a vacina e a complementou, foi decisivo para o fim da febre amarela no Brasil e a redução da dengue. Deixou de existir quando José Serra, por teimosia, extinguiu o serviço de mata-mosquitos, no governo Fernando Henrique. Foi a resposta de ambos ao movimento reivindicador de mais condições e ampliação do serviço, porque os locais de inspeção cresceram. O controle passou aos Estados, e não é preciso dizer no que deu.
Hoje quem responde é o mosquito.