Com o fracasso do petismo, com sua estratégia de conciliação, as esquerdas retornaram aos tempos heroicos, aquele do “em cada cabeça uma tendência”. Não chegam às baixarias da direita, de envolver famílias, apelar para insinuações sexuais, mas são muito mais dispersivas.
Em geral, dedicam mais energias a combater os grupos do mesmo campo de luta do que os adversários; têm uma dificuldade imensa em identificar os pontos centrais de uma estratégia política, perdendo-se em quizílias e detalhes irrelevantes, e, também, uma virtude/vício enorme, de questionamento permanente das estruturas vigentes na própria esquerda.
Do PT nasceu o PSOL; do PSOL, o PSTU; do PSTU um agrupamento mais à esquerda, todos brandindo, em geral, um antipetismo maior ainda do que o anti-neoliberalismo. E se somam a esse universo sindicatos, grupos sociais com agenda própria, como o MST (Movimentos dos Sem Terra) e MSTU (Movimentos dos Sem Teto Urbanos), outros menores, espalhados pelos quatro cantos, mais objetivos do que os agrupamentos políticos, mas sem condições de oferecer o projeto unificador das demandas.
O amálgama geral deveria ser o projeto de país, os princípios de uma política econômica desenvolvimentista e social – e há inúmeros diagnósticos espalhados entre as universidades (Unicamp, UFRJ, UFMG, EE-FGV), mas sem liga com as bases – e um candidato competitivo em 2018.
O caminho óbvio é a constituição de uma frente de esquerdas, não mais o predomínio de um partido. Mas há uma gama enorme de desafios pela frente.
Primeiro, os desafios concretos:
1. A incapacidade do partido maior, o PT, liderar a frente, e mesmo de se alinhar com os novos tempos, devido à estratificação ocorrida em sua estrutura de comando. No PT, a mudança virá de fora para dentro.
2. O surgimento de novos grupos sociais criados a partir das redes sociais, que abominam qualquer forma de verticalização de comando, mas que tem a vitalidade do novo, como tinham os movimentos sociais dos anos 80. E que até hoje não encontraram espaço adequado na frente de esquerdas. A maneira como o PT jogou ao mar o MPL (Movimento Passe Livre) é um clássico do pensamento autofágico da esquerda, com o velho devorando o novo. A maneira como Luciana Genro, do PSOL, despeja sua ira exclusivamente sobre o PT, outro clássico de como o novo não se liberta da ira freudiana de destruir o pai.
3. A dificuldade em consolidar um projeto de país que expurgue da social-democracia as concessões absurdas feitas ao mercado – em nível global, saliente-se -, mas que, ao mesmo tempo, não embarque na visão de um socialismo utópico.
4. O fracasso das políticas de conciliação e a dificuldade em definir as novas bandeiras, que ampliem o campo de alianças e não limitem as esquerdas a uma militância de guetos.
Os dois discursos que melhor sintetizam os novos tempos são os de Lula e Ciro Gomes, ambos com alguma diferença de nuance.
O de Lula sensibiliza uma base maior, pelo simbolismo do seu nome, pelas lembranças da fase áurea do país e por sua posição nas pesquisas eleitorais para 2018. O de Ciro sensibiliza os que julgam impossível um pacto de convivência com os setores que deram o golpe, tendo em vista o fracasso da política de conciliação de Lula e Dilma.
A política é mais sujeita aos movimentos dos ventos do que supõem os mais radicais. Ambos não sairão candidatos ao mesmo tempo. O arco da esquerda ou estará com Lula ou com Ciro, e o outro apoiará. Nem a definição se dará agora.
Hoje em dia, o direito de preferência é de Lula. Amanhã, poderá ser de Ciro.
Lula terá que passar pelas armadilhas da Lava Jato e da sua própria exaustão com a política, normal em que perdeu seu grande ponto de apoio emocional e jamais teve um minuto de folga a vida inteira.
Se Lula se candidata, Ciro terá posição central no novo governo. Se, pelo contrário, a frente do golpe conseguir inabilitar a candidatura de Lula, a vaga é de Ciro. Há ainda a hipótese, nada remota, de Lula poder ser candidato, mas abdicar em favor de Ciro. E a hipótese concreta de que, lançando antecipadamente Ciro, ele se torne rapidamente alvo de todas as pós-verdades da mídia.
Todas essas hipóteses dependem de um conjunto de circunstâncias que ainda estão indefinidas:
1. Qual a tendência que se imporá nas forças golpistas com o aprofundamento da crise: implosão, novo arco de alianças para enfrentar o fenômeno Bolsonaro ou adesão a uma ultradireita feroz?
2. Tentativa de reforçar o Estado de exceção defendido, entre outros, pelo Ministro Luís Roberto Barroso, do STF, ou a busca de um novo consenso?
3. Como se comportarão as Forças Armadas?
Por tudo isso, a estratégia das esquerdas, no presente, não definirá antecipadamente o candidato em 2018.
O foco das esquerdas, no momento, é sair da defensiva, se aglutinar em torno de algumas teses centrais, estimular as discussões em torno de um programa de governo. E a única pessoa capaz de promover essa articulação é Lula. Poderiam ser os governadores de esquerda, reunidos em torno de um Conselho, mas aí se trata de um desenho inédito que ainda não conta com uma liderança aglutinadora.
Lula paira acima das idiossincrasias das esquerdas e do próprio PT. Em que pese ter sofrido o maior bombardeio jornalístico da história, continua vivo e as lembranças dos anos de ouro do lulismo são o instrumento mais forte para aglutinação de grupos sociais, políticos e até empresariais.
Sua candidatura tem inúmeras vulnerabilidades, a maior das quais é o profundo sentimento anti-Lula que a mídia conseguiu incrustar em largas faixas da população. Mas são restrições para serem avaliadas mais perto das eleições.
Por ora, a única maneira de consolidar um arco de esquerdas – fundamental para alicerçar qualquer veleidade política não só de Lula, como de Ciro – é unir-se em torno de Lula.
Daí a importância do teste do Manifesto.
A petição pedindo a candidatura de Lula pode ser acessada clicando aqui.
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