GUAMARÉ RN-Ginga com tapioca


172418Yuno Silva
Repórter

Para começar a entender a tradicional combinação que surgiu há cerca de 60 anos na Praia da Redinha, nada melhor que preparar e saborear: de um lado é preciso tratar, temperar, espetar os peixinhos (a ginga) em palitos feito com folha de coqueiro e fritar no azeite de dendê; do outro peneirar a goma, colocar sal, ralar o coco e colocar em uma frigideira antes de montar como um ‘sanduíche de marinheiro’. Esse é o modo de preparo da famosa receita que se perpetua até os dias de hoje, prato típico do litoral que encontrou seu lugar ao Sol na orla urbana de Natal. A herdeira legítima desse conhecimento culinário tem nome: Dona Ivanize Januário, filha de Geraldo e Dalila.

Alex RegisA ginga com tapioca, iguaria da nossa culinária praiana, é foco de estudo de nutricionista e virou livroA ginga com tapioca, iguaria da nossa culinária praiana, é foco de estudo de nutricionista e virou livro

Entre os anos 1950 e 60, o casal Januário (já falecidos) criou a receita – ali mesmo na Redinha – para evitar o desperdício de filhotes de peixe esquecidos à beira mar.

“A cozinha, pensada no seu sentido mais amplo, é uma linguagem que revela muito sobre uma sociedade e até mesmo sobre um grupo inserido nela. É um espaço imaginário composto por alimentos, ingredientes, modos de preparo e comportamentos”, escreveu a nutricionista Rebekka Fernandes Dantas, que transformou seu trabalho de final de curso universitário em livro.

“Ginga com Tapioca” (Sebo Vermelho Edições, R$ 20) será lançado nesta próxima terça-feira (29), das 16h às 19h, na sede vermelha da Av. Rio Branco. Na ocasião, Dona Ivanize irá preparar seu quitute carro-chefe para deleite dos presentes.

“Há pratos semelhantes em outros pontos do litoral nordestino, como no Ceará e na Bahia, mas todo mundo diz que a ginga é nossa!”, disse Rebekka, que passou um ano e meio envolvida na pesquisa. Na Bahia a combinação comestível é chamada de “pititinga (o nome do peixe) com tapioca”; enquanto no Ceará, onde a receita também é bastante apreciada, o prato ficou com o óbvio “peixe com tapioca”.

A pesquisadora contou que a ideia surgiu quando uma colega do curso de Nutrição da UFRN, Natalie, fazia um trabalho sobre a parte nutricional da ginga com tapioca e sugeriu que ela abordasse o tema sob aspectos culturais. Rebekka concluiu o estudo em 2012, quando se graduou: “Tentei publicar a pesquisa como artigo científico, mas o formato pedia um livro”.

Rebekka Dantas foi buscar informações na barraca de Dona Ivanize, na Praia da Redinha. Queria saber por que as pessoas faziam questão de ir comer a ginga com tapioca dela – uma vez que o tira gosto é servido em vários estabelecimentos próximos: “O comensal busca uma nostalgia, uma sabor tradicional que faz parte de sua memória desde o tempo de criança. Chamei esse comportamento de ‘confort food’, devido o paladar remeter ao passado e fazer parte do costume das pessoas”, explicou a autora.

O prefácio, que cita Câmara Cascudo, é assinado pela professora Michelle Medeiros, do curso de Nutrição da UF de Campina Grande. A orelha traz reflexão do também professor Alex Galeno, da área de Ciências Sociais da UFRN, que agregou contribuições teóricas à pesquisa. Rebekka contou que foi procurar a Sebo Vermelho Edições por sugestão da professora Vera Lúcia Xavier Pinto, do curso de Nutrição da UFRN, também responsável pela revisão do livro.

“O trabalho é de 2012, mas a decisão de publicar como livro é recente. Acredito que minha pesquisa, ao unir nutrição e antropologia, confere importância ao considerar questões culturais para falar de alimentação”.

Alex Galeno dá pistas dessa importância em seu texto: “Comer é relembrar, é ritualizar a cultura e manter as tradições à mesa. (…) O gosto popular que toma conta das bocas de pessoas de classes e lugares distintos. Pobre ou rico, não importa, todos morrem pela boca no Bar-Restaurante de Dona Ivanize, no Mercado da Redinha. Comer ginga ou gingar para comer. Outra combinação que a tradição e a palavra nos permitem.”

Sebo Vermelho fecha ciclo 2015
Editor e sebista veterano, Abimael Silva comemorou 30 anos de Sebo Vermelho em 2015 com média de 25 novos títulos lançados. “Ginga com Tapioca” fecha o ano: “Nada melhor que encerrar 2015 com ginga, tapioca e cerveja pra rebater”, adiantou. Silva lembra que quando Rebekka mostrou seu estudo aprovou na hora. “Gostei demais da proposta, essa é a primeira publicação sobre o tema”, valoriza. “Ginga com tapioca é o prato mais natalense que existe”, acrescenta.

Sobre a performance da coleção João Nicodemos de Lima, que acumula 436 títulos publicados, o capitão do Sebo Vermelho disse que os 25 livros lançados em 2015 ficou um pouco abaixo da média. “Este ano foi bem complicado, mas 25 é um bom número. Tivemos grandes lançamentos, obras importantes e temas históricos. Em 2016 pretendo voltar ao patamar de 30 lançamentos”, planeja.

Abimael destacou entre os novos títulos a reedição de “Natal S/A” e o inédito “O mando do mar”, ambos do pesquisador e historiador Lenine Pinto – o primeiro acrescenta detalhes sobre o período da 2ª Guerra Mundial em Natal; já o segundo traz novas evidências que reacendem a polêmica do descobrimento do Brasil ter sido na costa do RN.

“Interessante que fechamos este ano falando sobre alimentação, e vamos abrir o próximo com o mesmo tema: vamos reeditar o livro ‘Conservação de alimentos no sertão do Seridó’, lançado em 1965 por Oswaldo Lamartine de Faria”, adiantou.

Serviço
Lançamento do livro “Ginga com Tapioca” (Sebo Vermelho Edições, R$ 20, 63 páginas), de Rebekka Fernandes Dantas.
Terça-feira (29), das 16h às 19h, na sede do Sebo Vermelho – Av Rio Branco, 705, Cidade Alta.

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Levany Júnior

Levany Júnior é Advogado e diretor do Blog do Levany Júnior. Blog aborda notícias principalmente de todo estado do Rio Grande do Norte, grande Natal, Alto do Rodrigues, Pendências, Macau, Assú, Mossoró e todo interior do RN. E-mail: [email protected]

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