Empresas estrangeiras podem ter créditos públicos do Brasil
Abaixo, link para interessante artigo sobre decreto do governo Temer ampliando as possibilidades do bancos públicos oferecerem garantias a empréstimos tomados no exterior por empresas estrangeiras interessadas em operar no Brasil.
O decreto – que passou supostamente despercebido pela imprensa – abrange inclusive os setores de serviços, gerando um perigoso descasamento de moedas, uma vez que esses setores não exportam e portanto não geram receita em moeda estangeira, mas terão seus empréstimos denominados em moeda estrangeira.
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O GGN reproduz reportagem de O Vermelho:
Por Joana Rozowykwiat
Sem alarde, foi publicado no Diário Oficial da União o decreto Nº 8957, que amplia drasticamente os setores da economia considerados de “alto interesse nacional”. Com isso, empresas de capital estrangeiro que atuam em quase todas as áreas poderão receber crédito e financiamento de fundos e bancos públicos brasileiros. O governo, que aposta num processo de privatização e internacionalização da economia, agora abre as portas para que isso seja feito, em praticamente todos os setores, com dinheiro público.
A mudança remete à Lei de Capitais Estrangeiros (Lei 4.131/1962). Tal norma determinou que o Tesouro Nacional e as entidades oficiais de crédito público da União e dos Estados só poderiam conceder e garantir empréstimos, créditos ou financiamentos a empresas estrangeiras quando estas atuassem em setores de atividades econômicas de “alto interesse nacional”.
Naquela época, com um projeto nacionalista em curso, pouquíssimas eram as áreas enquadradas nessa classificação, o que impedia abrir a maioria dos segmentos à concorrência estrangeira plena.
Em 1997, contudo, o então presidente Fernando Henrique Cardoso publicou o decreto Nº2233, que ampliava o escopo daquilo que era considerado “alto interesse nacional”. Isso facilitou o acesso do capital internacional aos recursos públicos em atividades específicas, como telefonia, setor automotivo, saneamento e algumas áreas de infraestrutura. Era parte do processo neoliberal de privatizações e abertura ao capital estrangeiro que tanto custou ao país.
Agora, com o decreto de Temer, a investida de FHC foi amplificada de forma gritante. Praticamente todos os setores da economia viraram de “alto interesse nacional”. De atividades ligadas a petróleo e gás natural, saúde e educação, até comércio, têxtil e tecnologias de informação e comunicação, quase tudo estará sujeito à participação estrangeira, com recursos subsidiados por bancos públicos.
De acordo com o doutor em economia Paulo Kliass, as mudanças contidas no decreto são “absurdas”. Para ele, não faz sentido que segmentos como o de têxteis, por exemplo, sejam considerados de “alto interesse nacional”, garantindo que estrangeiros possam receber verbas públicas para atuar nesse setor. “O decreto ampliou individualmente cada uma das áreas, abrindo por segmento, e incluiu novas áreas, que provavelmente foram objeto de lobby, como é o caso de petróleo e gás. A exceção agora são os setores que não se enquadram, é uma inversão completa”, diz.
Segundo ele, o ato de Temer torna ainda mais grave uma situação na qual vários setores estratégicos já estão abertos à concorrência do capital estrangeiro. “Já houve outras medidas que já autorizaram o capital estrangeiro a entrar, por exemplo, no petróleo, na saúde, na educação. O que o decreto faz é que, uma vez estando dentro, o capital estrangeiro tenha acesso a uma série de benesses que a legislação não permitia antes”, afirma.
A mudança ocorre em total sintonia com a estratégia da equipe econômica de Temer, que aposta todas as fichas da retomada do crescimento econômico através de licitações, concessões e privatizações nas áreas de infraestrutura e energia.
Vale lembrar que no ano passado, o Congresso aprovou projeto que pôs fim à exclusividade da Petrobras na exploração do pré-sal, abrindo as portas para empresas estrangeiras atuarem livremente na área. Desde que o presidente da estatal, Pedro Parente, assumiu o cargo, também ficou clara sua intenção de acabar com a política de conteúdo local na empresa. E, recentemente, a companhia abriu processo de licitação para a construção de uma unidade de processamento de gás natural no Rio de Janeiro, para o qual convidou apenas empresas estrangeiras. As nacionais ficaram de fora. São iniciativas que vão na mesma direção.
“Você está fazendo todo um esforço para o capital estrangeiro entrar no Brasil, porque, do ponto de vista desse governo, essa é a saída: aprofundar a privatização e a internacionalização. E, ainda por cima, para que eles se interessem pela gente, você oferece – além dos juros altos e das condições favoráveis nos processos licitatórios -, recursos do Tesouro, crédito facilitado do BNDES, do Bando do Brasil, da Caixa e do que mais for de instituição pública disponível. Tudo para facilitar a vida do capital estrangeiro”, ressalta o economista.
O agrado ao capital internacional acontece em detrimento das empresas nacionais e, principalmente, apesar do alegado sufoco fiscal pelo qual passa o país. “O governo diz: ‘não tenho dinheiro para saúde, educação, tem que fazer reforma da previdência senão o país não suporta, tem que ter a PEC do fim do mundo para 20 anos’. Mas, ao mesmo tempo, tem dinheiro para o BNDES financiar o fundo norte-americano, japonês ou europeu que quiser operar nesses setores que não têm nada de ‘alto interesse nacional’”, compara Kliass.
Segundo ele, trata-se claramente de um “processo de lobby para conseguir recursos público a custo barato, comprometendo o que seria mais importante, que seria o crédito público ir, não só para empresas nacionais, mas para áreas que sejam consideradas prioritárias e, não, para o comércio varejista, por exemplo”, completa.
Na avaliação do economista, se o governo acha que é importante a presença do capital estrangeiro no Brasil, deveria, ao menos, fazer com que ele traga seus próprios recursos ao país. “O que não pode é o Brasil, em meio a um esforço fiscal enorme, uma crise, oferecer benesses para um capital localizado fora daqui, que vai levar embora todo o seu retorno, na forma de remuneração de seu acionista que está lá fora e, não, aqui dentro”, condena.
Kliass chama a atenção para a contradição na ação governamental pós-golpe. “Você está facilitando crédito público em um momento de contração fiscal, em que todas as áreas sociais do orçamento estão comprometidas, mas você libera geral nessas áreas que não são de maneira nenhuma consideradas de alto interesse nacional, do ponto de vista da segurança estratégica do país. E, principalmente, você está dando esse recurso para um residente no exterior e, não, ajudando a recuperar a economia brasileira com agentes nacionais, o que seria importante num momento de crise como a gente está vivendo”, reitera.
Na prática, as mudanças promovidas por Temer atendem aos interesses do capital estrangeiro e vão no sentido de reduzir o papel do Estado. “É a opção que o governo está fazendo: privatização, desmonte do Estado e internacionalização da economia. O que antes era capital nacional, área sob responsabilidade do Estado, passa a ser atributo do capital privado e, de preferência, do capital privado internacional. Então, se esse povo precisa de dinheiro e quero que eles venham para cá, vou oferecer todas as condições – ainda que seja prejudicando a soberania nacional, prejudicando o país e a maioria da população”, avalia Kliass.
Os governos do PT costumam receber muitas críticas por conta da adoção da chamada política dos “campeões nacionais” – por meio da qual o governo concedeu crédito subsidiado para fortalecer empresas brasileiras.
“Você pode até fazer a crítica da forma como isso foi feito. Só que, agora, se inverte. O governo brasileiro vai dar dinheiro para os “campeões internacionais”. É um absurdo! Vai uma empresa brasileira pedir recurso público ao governo norte-americano! Ou ao governo da França! Eles não dão, porque esses países têm um projeto nacional. O governo norte-americano defende a economia norte-americana. E nós, aqui, assumimos o papel subalterno, bajulador, e estamos oferecendo recursos públicos brasileiros, de um país em crise, para o capital internacional. Tem sentido?”, questiona o economista.