A mãe de Verônica Bolina contestou a versão da polícia que aponta que travesti ficou com o rosto desfigurado ao ser agredida por presos revoltados com o fato dela se masturbar dentro da cela de uma delegacia em São Paulo. Em entrevista ao G1, a funcionária pública Marli Ferreira Alves Francisco declarou que Verônica lhe disse que foram policiais que bateram nela.
Verônica, que tem 25 anos, está presa há uma semana, suspeita de tentar matar uma idosa e arrancar a orelha de um carcereiro. As fotos do agente ferido e da travesti vazaram na internet e passaram a ser compartilhadas, o que tornou o caso público.
A travesti foi ouvida nesta sexta-feira (17) pela Defensoria Pública e por promotores do Grupo de Atuação Especial de Controle Externo da Atividade Policial (GECEP), do Ministério Público (MP). Ainda nesta tarde ela seria ouvida por um juiz corregedor (no vídeo acima, o momento em que ela deixa a audiência).
A Corregedoria da Polícia Civil irá apurar a conduta dos policiais envolvidos na prisão de Verônica. O Ministério Público também vai investigar o caso, que é acompanhado pela Defensoria Pública.
A Secretaria da Segurança Pública (SSP) informou que os policiais do 2º DP negaram qualquer agresssão a travesti, e que ela apanhou de presos ao se masturbar na frente deles. Em seguida, um carcereiro foi tentar ajudá-la, mas foi mordido por ela, que lhe arrancou parte da orelha, segundo a versão da polícia.
“Não teve aquela história de preso bater [em Verônica] e [a travesti] se masturbou na cadeia. Não teve essa história”, disse Marli, 48 anos, nesta sexta-feira (17). “Estão colocando palavras na boca [de Verônica]. Não houve isso”, afirmou.
Marli contou que conversou com Verônica na quarta-feira (15), ainda na carceragem do 2º Distrito Policial, Bom Retiro. “Não teve preso que bateu nela. Não teve nada disso. Pensa bem: ela está com a cabeça do jeito que ela está. Você acha que ela ia se masturbar na prisão?”, questiona a mãe da travesti.
De acordo com Marli, Verônica relatou que policiais militares e civis a agrediram durante a confusão ocorrida na cadeia e no hospital para onde foi levada ferida.
“Eles bateram nela no hospital, algemada, no abdômen dela”, disse a funcionária pública. “No rosto dela foi por causa da orelha que ela ficou na boca. Eles não sedaram ela, eles esmurram ela para ela soltar a orelha”.
A declaração de Marli sobre Verônica é compatível com a nota divulgada nesta semana pelo Centro de Cidadania Lésbicas, Gays, Bissexuais e Transexuais (LGBT), vinculado à Secretaria Municipal de Direitos Humanos e Cidadania de São Paulo.
O registro do Centro de Cidadania informou que Charleston Alves Francisco, de 25 anos, “que usa o nome social de Verônica Bolina, relatou ter sofrido agressão em vários momentos por parte de policiais militares e de “preto”, fazendo referência aos agentes do Grupo de Operações Estratégicas (GOE), ocorridas no momento de sua prisão” e “durante o episódio em que atacou o carcereiro da Polícia Civil por conta de uma troca de cela e no Hospital do Mandaqui quando do atendimento médico”.
Marli disse que ela e outros órgãos estiveram presentes durante a declaração de Verônica ao Centro da Cidadania, na quarta. O que a travesti declarou naquele dia diverge, no entanto, do que ela falou na terça-feira (14), quando gravou um áudio de autoria desconhecida que circula na web.
Nas gravações, Verônica diz que não foi torturada e isenta os policiais de tortura e agressão. “O que o povo está falando é que ela foi coagida [a gravar]. Eu não sei falar para o senhor porque eu não estava perto”, disse Marli. “Mas no outro dia, que eu assisti à audiência dela, que ela falou, aquilo tudo é verdade.”
O áudio de Verônica foi gravado durante visita da Coordenadora de Políticas para a Diversidade Sexual do Estado de São Paulo, Heloisa Alves. O órgão é vinculado à Secretaria da Justiça e da Defesa da Cidadania do governo estadual, que não comentou a gravação.
“Não é porque ela [Verônica] é uma travesti ou transexual, que ela ia mentir. Ela é verdadeira. Minha filha sempre foi verdadeira”, falou Marli.
O Grupo de Atuação Especial de Controle Externo da Atividade Policial (Gecep), do Ministério Público (MP), instaurou na quinta-feira (16) procedimento de investigação para apurar denúncias de tortura e maus-tratos contra Verônica.
costas de Verônica Bolina (Foto: Divulgação)
Fotos
Fotos que mostram a travesti algemada, desfigurada, com os seios à mostra circularam em redes sociais de policiais. “Graças a deus que vazou tudo isso [fotos de Verônica] na internet. Porque se não tivesse vazado, talvez ela estaria morta agora”, disse Marli. “O que tentaram fazer de mal para ela veio para o bem. Porque se não tivesse divulgado aquelas fotos, talvez a gente não estaria sabendo o que tinha acontecido com ela”.
Apesar disso, a funcionária pública contou que Verônica lhe disse que se sentiu humilhada por causa das fotos que vazaram na web e foram tiradas por alguém que acompanhou sua prisão. “Muita humilhação. Muito humilhada. Não só ela, como todas as travestis, as pessoas em comum. A vergonha de ter passado por aquilo. Foi muito humilhada”, disse Marli.
“Ela [Verônica] também errou, mas ela também não deveria ter sofrido o que ela sofreu”, afirmou Marli. “Ela não tem rosto agora, infelizmente. Ela vai se recuperar porque ela falou que vai sair dali e vai ser a Verônica de novo”.
Marli contou ainda que Verônica é uma pessoa calma e que trabalha como cabeleireira para ajudar a sustentar a famíla, que mora em Mococa. “Minha filha é doce, educada, vaidosa e muito guerreira”, disse. “Me orgulho dela porque ela nunca deu trabalho para mim”.