São pernas habituadas a correr para longe – pernas de correr maratona, essa prova que é um emblema da Olimpíada. E agora elas nem precisaram se mexer tanto: só o bocadinho dos metros finais para ir lá, subir a escada, acender a pira olímpica, dar início aos Jogos do Rio de Janeiro, dar a passada final para a história. Vanderlei Cordeiro de Lima, o atleta impedido de ganhar o ouro em Atenas, foi o escolhido para o momento máximo de uma festa que celebrou a música brasileira, louvou nossa beleza e mandou um recado de conscientização ambiental ao formar os aros olímpicos com a representação de mudas plantadas por integrantes das 207 delegações.
Vanderlei recebeu a tocha de Hortência, que a recebera de Guga, o responsável por adentrar o Maracanã com o fogo olímpico – Pelé, alegando problemas de saúde, não participou da abertura. Terminava, assim, uma cerimônia menos suntuosa do que a de Pequim, menos midiática do que a de Londres, mas que soube, com simplicidade e alegria, festejar o esporte, valorizar a cultura brasileira e cumprir a missão de dar boas-vindas ao maior evento esportivo do planeta.
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Antes, a delegação brasileira, eufórica, fez vibrar o Maracanã, comandada pela porta-bandeira Yane Marques. Caetano Veloso, Gilberto Gil e Anitta, cantando juntos, fecharam as apresentações musicais de uma noite que também teve desfile de Gisele Bündchen e apresentações de artistas como Paulinho da Viola (cantando o hino nacional), Jorge Ben Jor e Elza Soares.
A festa
A voz suave de Paulinho da Viola entoou o hino nacional e abriu caminho para Santos Dumont sobrevoar o Rio de Janeiro com seu 14 bis – do Maracanã para o Corcovado, para a Baía de Guanabara, para Copacabana, para as curvas de uma cidade que redefine a noção de beleza. O “Samba do avião”, esse hino carioca extraoficial, embalou o voo virtual do pioneiro aviador brasileiro pelo Rio de Janeiro. E convidou Gisele Bündchen a fazer o maior desfile de sua vida – sobre o palco olímpico, sob o som de “Garota de Ipanema”, cantada por Daniel Jobim, neto do maestro Tom Jobim.
A bossa nova era o começo da imersão musical da cerimônia. Logo entrou o funk, som de um povo que só quer é ser feliz e andar tranquilamente na favela onde nasceu. E aí era a hora de Elza Soares – mulher, negra, artista inventiva com mais de 70 anos, a eterna inspiração das pernas tortas de Mané Garrincha, aquelas pernas que tanta arte criaram no gramado do Maracanã.
Vieram Zeca Pagodinho e Marcelo D2. Veio Jorge Ben Jor cantar um local abençoado por Deus, bonito por natureza. O público, em coro, cantou junto mesmo depois de a música terminar – em um dos momentos mais bonitos da abertura.
Cantou, e aí levou um golpe de realidade. Um golpe de Carlos Drummond de Andrade, nas vozes de Fernanda Montenegro e de Judi Dench. Elas declamaram “A flor e a náusea”, famoso poema do poeta mineiro, em alerta sobre a situação climática do planeta: o aquecimento global, o derretimento da calota polar, o avanço das águas. Foi então anunciado que cada atleta plantaria uma semente em uma muda de planta nativa do Brasil para ajudar no reflorestamento do planeta.
E essa foi a senha para a entrada das delegações. Começou com a Grécia – uma homenagem à nação que criou os Jogos Olímpicos. A partir daí, os países foram entrando em ordem alfabética, antecedidos por bicicletas repletas de plantas e seguidas por sambistas: as quatro representantes da Arábia Saudita, a delegação da Austrália (que tanto sofreu com problemas na Vila Olímpica), a Bolívia com um atleta banhado em lágrimas de emoção, Michael Phelps portando a bandeira americana, a cadeirante Zahra Nemati comandando a delegação do Irã, o representante solitário de Tuvalu, a emocionante equipe de refugiados.
Até que chegou a hora do Brasil. Aos pulos, os brasileiros entraram no Maracanã ao som de “Aquarela do Brasil”. Yane girava a bandeira como se fosse carnaval – e quase era: os atletas sorriam, cantavam, abriam os braços, balançavam os chapéus, dançavam.
Em seguida, ocorreu um dos momentos mais simbólicos da noite: a formação dos aros olímpicos com a representação do verde que os atletas ajudaram a cultivar ao plantar sementes em pequenas mudas. O Brasil, mais do que qualquer outra sede olímpica, deixava naquele instante uma forte mensagem ecológica ao planeta.
E mensagem quem também passou foi o queniano Kip Keino, bicampeão olímpico no atletismo, que se emocionou ao receber o primeiro Laurel Olímpico. Ele tem projetos de apoio a crianças carentes em seu país. Entrou no Maracanã correndo, acompanhado por crianças e representações de pombas da paz. Foi muito aplaudido.
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Logo depois, o presidente em exercício da República, Michel Temer, sob vaias e alguns aplausos, declarou abertos os Jogos em rápido pronunciamento.
A bandeira olímpica logo apareceu no estádio, carregada por símbolos do esporte brasileiro – Marta, Oscar Schmidt, Sandra Pires, Emanuel, Joaquim Cruz e Torben Grael. Robert Scheidt fez o juramento olímpico na sequência.
E aí veio o grande final. Caetano Veloso, Gilberto Gil e Anitta, juntos no palco, cantaram “Sandália de prata”, de Ary Barroso, acompanhados por baterias de escolas de samba. Era o prenúncio da chegada da chama.
Guga, emocionado, entrou no Maracanã carregando o fogo. E entregou a tocha para Hortência. Foi ela a responsável por passar o símbolo dos Jogos a Vanderlei Cordeiro de Lima. O maratonista, que há 12 anos vivia a decepção olímpica ao ser agarrado por um padre irlandês quando corria para o ouro olímpico, desta vez encontrou a eternidade: subiu uma escadaria, ergueu a chama e posicionou o fogo na pira olímpica, que subiu aos céus do Maracanã para fazer girar uma estrutura que simboliza o sol.
Uma queima de fogos encerrou a festa no Maracanã. Pertinho dali, de braços abertos, o Cristo Redentor, colorido de verde-amarelo, terminava de compor o cenário que abria os Jogos Olímpicos de 2016, os Jogos Olímpicos do Rio de Janeiro.
* Participaram da cobertura Felipe Siqueira, Lydia Gismondi, Marcos Guerra e Thierry Gozzer. Texto de Alexandre Alliatti.