O amor pelas motocicletas sempre acompanhou a recifense Jussara Melo ao longo de seus 35 anos. Em 2014, a paixão transcendeu o universo pessoal e chegou ao campo profissional quando ela decidiu fazer um curso para atuar como motolância do Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (Samu) do Recife. Sendo a única profissional feminina a atuar no cargo desde então, ela já enfrentou diversas formas de preconceito por ser mulher em um ambiente masculinizado, mas celebra nesta quarta (8), Dia da Mulher, a habilidade que desenvolveu para desviar das críticas com a mesma precisão e prudência com que conduz a sua moto.
Acionadas em casos graves de trauma causados por acidentes no trânsito, as motolâncias são utilizadas por serem mais rápidas do que as ambulâncias convencionais e contêm os principais materiais de primeiros socorros para auxiliar as vítimas antes da chegada do carro. O trabalho é nobre, vital e exigente, mas no caso de Jussara, o fato de ser mulher trouxe desafios ainda maiores.
Os primeiros obstáculos surgiram logo quando a enfermeira decidiu participar do curso para atuar no Grupamento de Motociclistas de Atendimento de Urgência (Gmau). Durante as aulas, um acidente com a moto causou dores e hematomas na profissional e provocou, sobretudo em sua mãe, o medo de que a rotina lhe trouxesse mais acidentes. Ainda assim, a realização do sonho falou mais alto e não abalou a vontade de Jussara de concluir a capacitação.
“Somos treinados para subir e descer escadarias com a moto. Eu consegui subir, mas na hora de descer, me desequilibrei e caí. Mesmo sentindo muitas dores, fiz novamente o exercício. Era o meu sonho e eu sabia que estava ali porque aquela oportunidade me foi dada por Deus”, relembra a profissional.
No ambiente profissional, o famigerado rótulo de ‘sexo frágil’ chegou a provocar dúvidas sobre a qualificação de Jussara. “A maioria das pessoas me deu apoio, mas teve gente que achou que eu não iria dar conta do serviço. Diziam que eu teria um certo atraso para fazer as atividades”, relembra.
Sem se importar com os comentários, ela se mostrou firme desde o início. “Se eu fiz o curso e fui aprovada, então estou apta a fazer o que faço”, argumenta. Pouco a pouco, a dúvida foi se transformando em admiração – não somente da equipe, mas também de quem acompanha os salvamentos feitos pela profissional nas ruas da capital pernambucana.
“Eu sempre pensei que as críticas iam acabar se eu mostrasse que tinha condições de estar ali, de fazer o que faço, e foi exatamente isso que aconteceu”, conta. A cada resgate, os comentários surpresos dos transeuntes sobre o fato de a socorrista ser mulher são respondidos conforme cada situação: às vezes com palavras, às vezes com um sorriso tímido. “Eu fico feliz pelo reconhecimento da população, por eles perceberem que as mulheres também podem estar ali”, diz a profissional.
Mãe de uma adolescente de 15 anos, Jussara diz que a filha, Synara Santana, não quer seguir os mesmos passos, mas sente orgulho de dizer aos amigos sobre o trabalho da mãe. Entre as amigas, a profissão também faz sucesso. “Tem gente que me apresenta para outras pessoas com o maior orgulho. Eu sempre fico muito feliz com isso. Só fico triste mesmo quando estou em casa, de folga”, brinca.
Ao longo de três anos salvando vidas no trânsito, Jussara se sente honrada por ser a única mulher em meio a 14 homens que exercem a mesma função no Samu Recife e comemora os aprendizados sobre companheirismo, lealdade e força de vontade adquiridos com a vivência da profissão. “Independentemente de quem queira derrubar você, a gente não pode abaixar a cabeça. Não dá pra desistir”, conta. Para ela, é preciso olhar para frente em todas as situações – seja para o futuro ou para se equilibrar sobre as duas rodas de sua fiel companheira.