Helicóptero das Forças de Defesa Nacional da África do Sul sobrevoa área inundada de Beira, em Moçambique, nesta quarta-feira (20) — Foto: Maryke Vermaak / AFP
O brasileiro Jeferson Antônio Miguel está impressionado com o estrago provocado pela passagem do ciclone Idai, que destruiu praticamente toda a cidade portuária de Beira, em Moçambique, no dia 14. Mais de 200 mortes foram confirmadas no país, mas o presidente Filipe Nyusi teme que o número de vítimas passe de mil.
“Foi terrível. O que me impressionou foi que eu passei lá três dias depois do ciclone e não tinha um bombeiro na rua, um policial. Não tinha exército. Não tinha ninguém orientando as pessoas. O povo de Beira está jogado à própria sorte”, conta Miguel, que conseguiu voltar para São Paulo na noite de terça-feira (19).
Imóvel onde funcionava o projeto ‘Iluminando Vidas’, em Beira, Moçambique, ficou destruído pelo ciclone Idai — Foto: Jeferson Antônio Miguel/ Arquivo Pessoal
Miguel, que é pastor Metodista e vereador de Brodowski (SP), conta que as próprias pessoas estão se organizando para tirar as árvores das ruas e limpar as casas.
Ele costuma visitar o país periodicamente, pois participa do projeto “Iluminando Vidas”, que cuida de 60 crianças carentes na cidade de 350 mil habitantes, no leste do país africano. Ele e quatro amigos tinham chegado lá havia uma semana quando souberam que um ciclone atingiria a região.
Ruas ficaram alagadas e imóveis ficaram destruídos em Beira, Moçambique — Foto: Jeferson Antônio Miguel / Arquivo pessoal
“Entendi que seria uma tempestade forte, mas nunca imaginei que seria um furacão como foi. Ele durou cerca de 12 horas. Começou na quinta (14) umas 17h e foi se intensificando. Entre meia-noite e 3h [de sexta] foi terrível. Nunca vi na minha vida coisa semelhante: o vento, o barulho, a chuva. Foi algo surreal. Não dá nem para descrever”, afirmou.
Árvores de Beira, em Moçambique, foram arrancadas pelos ventos que atingiram 170km/h na quinta-feira (14) — Foto: Jeferson Antônio Miguel / Arquivo Pessoal
O ciclone Idai, depois de devastar Moçambique, também atingiu o Zimbábue e o Malawi. Ele já é considerado a pior tempestade tropical a atingir a região nas últimas décadas e pode ser uma das piores a ter atingido o sudeste do hemisfério sul, de acordo com a Organização das Nações Unidas (ONU).
Além das 200 mortes em Moçambique, 100 foram registradas no Zimbábue. Porém, autoridades do país acreditam que esse número pode chegar a 300.
A Embaixada do Brasil em Maputo, capital moçambicana, estima que cerca de 300 brasileiros vivam nas províncias de Sofala e Manica – as mais atingidas pelo ciclone Idai. Segundo o Itamaraty, todos estão a salvo, exceto por danos materiais.
Pastor Jeferson (de azul à esquerda) e os amigos tiraram selfie antes da passagem do ciclone em Beira, no leste de Moçambique — Foto: Jeferson Antônio Miguel/ Arquivo pessoal
Após a noite de muito medo, ele e os amigos deixaram a casa onde estavam, no bairro Macuti, para ver os estragos pela cidade e ficaram impressionados. Eles viram postes no chão, árvores derrubadas pelo vento de 170 km/h, imóveis destruídos e invadidos pela água.
“Nossa casa só teve uma telha arrancada e ficamos com uma goteira, mas a cidade ficou destruída. Vimos pessoas andando de um lado para o outro. Uns 80% da cidade são favelas e casebres. Ficaram todos alagados. As casas ricas e os hotéis também foram atingidos. Um resort chinês, que tinha acabado de ficar pronto, desabou. O telhado do maior supermercado desmoronou.”
Até domingo, quando deixaram a cidade, ainda tinha “água e mantimento, mas a gente acha que vai acabar em pouco tempo se não houver reabastecimento”.
Ciclone Idai atinge Moçambique e afeta outros dois países da África — Foto: Rodrigo Sanches/G1
“A situação está ficando muito grave. Se não houver ajuda internacional, o que já era precário, vai virar o caos. Eles não vão reconstruir tão fácil. Lá já tem muito assalto, muita violência. Vai virar uma loucura”, lamentou.
Sem energia elétrica, internet e linhas telefônicas, as informações se propagaram lentamente. Miguel e seus amigos não conseguiram se comunicar até domingo.
“Lá dentro, nós não tínhamos muitas notícias de morte. Ouvimos uma ou outra notícia de pessoas que morreram, mas não muitas”, afirma. Apenas nessa quarta, uma operadora de celular anunciou ter restabelecido sua linha na região.
Pessoa atravessa área devastada por ciclone em Beira, em Moçambique — Foto: Jeferson Antônio Miguel / Arquivo Pessoal
Aeroporto alagado
O grupo tinha um voo marcado para sexta-feira (15), mas o aeroporto de Beira estava totalmente alagado.
“Fomos várias vezes para o aeroporto, mas ele estava abandonado. Não tinha ninguém para dar informação. O guichê da South Africa estava fechado. No domingo, fomos com mala e tudo para lá e conseguimos um voo para Joanesburgo [na África do Sul]”, contou.
O grupo só chegou na noite de terça-feira em casa, no interior de São Paulo. Desde então, ele não teve notícias das crianças que frequentam a associação. “Foi impossível ter informações sobre eles”. O imóvel onde funciona a associação ficou destruído, mas eles já estão em busca de um novo local para funcionar. “Não vamos abandonar Beira”, garantiu.
Regiões isoladas
O presidente Nyusi pediu para aqueles que vivem perto de rios na região que “deixam a área para salvar suas vidas”, porque as autoridades poderiam não ter outra escolha senão abrir as barragens, apesar de as terras já estarem inundadas.
Em Moçambique, uma zona de 100 km de extensão segue totalmente inundada nesta quarta, segundo o ministro do Meio Ambiente, Celson Correia.
Grupos humanitários estão tendo dificuldades para chegar até os sobreviventes isolados em áreas remotas país. Imagens divulgadas por agências de notícias mostraram na terça-feira que havia desalojados aguardando ajuda em cima de árvores.
Moçambicanos que moram no exterior se desesperam sem informações sobre os moradores da cidade. Eles buscam informações pelo Facebook e em grupos criados por voluntários no WhatsApp.
Em Beira está o segundo maior porto moçambicano e a cidade serve como passagem para países da região que não têm saída para o mar. A mídia local afirma que já falta alimento e combustível em partes do centro de Moçambique por causa do isolamento da cidade.
Moradores aguardam em estrada que liga Beira e Chimoio, no distrito de Nhamatanda, em Moçambique, na terça-feira (19) — Foto: Adrien Barbier / AFP
Nesta quarta-feira (20), a ONU aprovou ajuda de US$ 20 milhões – cerca de R$ 75 milhões – para ajudar as vítimas do Idai. A União Europeia também anunciou apoio de 3,5 milhões de Euros, equivalentes a R$ 15 mi, para os três países afetados pelo ciclone.
Além disso, a Organização Mundial da Saúde (OMS) anunciou envio de ajuda médica ao Moçambique, ao Zimbábue e ao Malaui. Segundo o órgão, o carregamento é suficiente para ajudar 10 mil pessoas durante três meses, inclusive para pacientes em estado grave.
Furacão ou ciclone?
O termo furacão para designar uma tempestade tropical dá a impressão de que ele é mais forte do que um ciclone ou um tufão. Porém, é apenas uma questão de nomenclatura.
As tempestades tropicais recebem nomes diferentes dependendo da região do mundo em que se formam.
Quando se formam no Pacífico Sul e no Oceano Índico recebem o nome de ciclone. Quando se formam no norte do Atlântico e no nordeste do Pacífico, recebem o nome de furacão. Já os tufões se formam no noroeste do Oceano Pacífico. (Clique aqui e saiba mais)
— Foto: Arte/ G1