Caroline Palmeira teve seu pescoço apertado três vezes antes de ouvir, da boca do homem que tentou enforcá-la, que ele teria desistido de sua morte. Bianca dos Reis viu seu pescoço ser cortado por uma faca, antes de ser salva pela avó. Cintia Messias recebeu facadas na barriga e no peito, no meio na rua, até que o assassino resolvesse abandonar a cena do crime.
Não tiveram a mesma sorte Marilene de Souza Brito e Fernanda Hazelman, mortas pelas mãos de Sailson José das Graças, que diz ter matado 42 pessoas em nove anos (de 2005 a 2014). Sailson está preso desde dezembro de 2014 e seu primeiro julgamento acontece nesta terça-feira (18), na 4ª Vara Criminal de Nova Iguaçu, em que responde pelas mortes de Fernanda Hazelman e seu filho, o bebê Pedro Hazelman.
Sailson chamou atenção das autoridades e da população pela forma como ostenta suas vítimas. Mas o número de 42 mortes está bem além dos processos que ele responde na Justiça: seis homicídios e quatro homicídios tentados. Exames médicos anexados aos processos atestam que ele não é doente mental.
O rótulo de “serial killer”, que Sailson ganhou após a divulgação de seus casos, é contestado quando analisados seus crimes: quatro homicídios por encomenda, todos a mando de sua namorada, Cleusa Balbina de Paula.
Em troca de sexo, dinheiro, casa, calçados e até mesmo cigarros, Sailson assassinou a facadas Fátima Miranda, Paulo Vasconcelos, Francisco Chagas e Raimundo Basílio – este último ainda em fase de inquérito policial.
Os outros dois homicídios, de Marilene de Souza Brito e Fernanda Hazelman, apesar de as vítimas terem sido mortas pelo mesmo modus operandi do assassino – enforcamento e golpes a facadas –, não possuem qualquer ligação ou características físicas semelhantes.
Das quatro tentativas de homicídios, contra Caroline Palmeira, Bianca dos Reis, Cintia Messias e Gilberto da Silva, duas foram encomendadas: Cintia e Gilberto.
Para aprender a matar, Sailson conta que viu filmes “de psicopata”, como “O colecionador de corpos”, “Acorrentados” e “O colecionador de ossos”. “Aprendi a fazer, a matar direito. Pelo menos com as mulheres…”, vangloria-se o acusado.
Sete dias com Sailson
O delegado Marcelo Machado, responsável pelas investigações da Divisão de Homicídios da Baixada Fluminene (DHBF) nos casos de Sailson até 2015, conversou com o G1 sobre o tempo em que passou com o assassino. Foram sete dias ouvindo o acusado confessar seus crimes.
O trabalho de inteligência da polícia foi essencial para que o acusado desse, com detalhes, informações sobre as vítimas. Sailson criou certa afeição pelo delegado Marcelo, quando o vê nas audiências, abre um sorriso e acena com as mãos algemadas.
“Ele começou a contar dos crimes. Inicialmente, falou que matou 42 pessoas, depois, vimos que não era isso. Ele contou que existia um caderninho com o nome das pessoas que planejava matar por encomenda da Cleusa, e que já considerava todas elas mortas, mesmo as que estavam vivas”, explicou o delegado.
Cleusa Balbina de Paula era namorada de Sailson e ex-mulher de José Messias, os três formavam um triângulo amoroso. Moraram juntos e tramavam os crimes em trio também.
Pessoas que discutissem com Cleusa, tivessem dívidas com ela, ou que a olhassem torto eram vítimas potenciais para entrar no “caderninho da morte”. Entretanto, tais anotações nunca foram encontradas pela polícia. Sailson conta que Cleusa jogou fora antes de ser presa.
“Tinha muito homem pra cair ainda, gente pra caramba pra quebrar”, disse Sailson.
Messias queria que Sailson matasse a própria filha de criação, Cintia Messias.
“Ele disse pra mim: ‘Você que vai fazer esse trabalho’. Ele queria ficar com a neta e não gostava da filha porque ela ficava chamando ele de macaco, chipanzé. Porque ele é preto e ela é clarinha”, explica Sailson.
Pai pedindo pra matar filha, o valor do serviço é mais caro. “R$ 500”, sugere Sailson, que logo cai o valor para R$ 400…R$ 200. “Uns R$ 200 mesmo”, declara ele. Sem que o mandante precisasse pechinchar muito, Sailson diz que se daria por satisfeito se fosse pago com bermudas ou chinelos: “Não preciso exigir demais”.
Prazer em enforcar mulheres
O G1 teve acesso, com exclusividade, às imagens das primeiras oitivas de Sailson, com a equipe de polícia comandada pelos delegados Pedro Henrique Medina e Marcelo Machado.
O assassino revelou que gostava de matar mulheres brancas, que ficava procurando mulheres enquanto andava de bicicleta e estudando sua presa por um mês. “Mato por prazer, gosto de ver a mulher gritando, me batendo.”
É viciado em cigarro, mas afirma que não é chegado a drogas e bebidas: “Faço essas coisas, não”. Garante que começou a matar aos 17 anos, mas que aos 16 “já pensava em fazer”. Também revelou ao delegado Marcelo que começou os maus tratos com animais, os gatos eram os preferidos para o sadismo.
Já quis matar travestis também, sem sucesso. Com 1,80 m de altura, ele se acha bem alto e forte. Teve apenas duas mulheres na vida e é medroso. Confessou ao delegado que tem medo de armas e tiroteios, apesar de já ter sido preso por porte ilegal de arma.
“O prazer dele era apertar o pescoço das mulheres e ver o olho da pessoa murchando”.
Entretanto, era com facões que Sailson dava o golpe fatal. “Eu não usava faca de cozinha. Só facões, aqueles de podar árvore”. A riqueza de detalhes ao falar sobre seus assassinatos impressionou o delegado. “Me disse que quando saísse da cadeia ia comprar um facão maior, para abater as vítimas num golpe só”, relembra o delegado.
Se tivesse a chance de ter um pedido seu atendido, Sailson pediria para ficar no presídio Ferreira Neto, em Niterói, que atualmente só recebe policiais militares. “Queria ir pra essa cadeia de Niterói, parece um sítio, tem árvore, artesanato.”
Seus crimes na televisão
Certa vez, assistindo ao programa “Cidade Alerta”, Sailson viu uma tentativa de homícidio de sua autoria aparecer na TV. Na época, nem a polícia nem a vítima sabiam quem era o criminoso, pois ele usou máscara e luvas. Aos poucos, resolveu contar tudo para a polícia, que, após confrontar informações com ele e a vítima, confirmou o relato. Sailson ficou feliz ao ver seu crime na televisão.
“Eu disse que para acreditar nele, ele precisava me contar algo que não havia aparecido no programa. Foi então que ele me contou que deixou marcas de sangue no muro da casa ao fugir e que isso não havia sido mostrado na reportagem. Quando perguntei isso para a vítima, ela começou a chorar na hora e disse que logo após o crime, pintou as paredes do muro”, relata o delegado.
Vez ou outra, Sailson sorri. Uma risada tímida, de canto de boca. Parecia uma criança ao ver o delegado Marcelo fazer mágica para os amigos policiais, pediu para repetir, só faltou aplaudir.
“Ele é humilde, educado. Mas sentia prazer de matar. Uma vez, saímos com ele na viatura, para ele indicar um dos locais de seus crimes, aí passou uma loira e ele falou: ‘Essa aí eu matava fácil'”, detalha Marcelo.
Na opinião do delegado, Sailson não demonstra qualquer tipo de doença mental. “Não tem doença nenhuma. Também não mostrou nada de inteligência, adorava filmes de assassinos e se especializou nesse negócio.”
“Eu sabia que ia rodar nesses crimes de encomenda, porque ela [Cleusa] queria que matasse logo, não tinha tempo pra estudar. Quando matei o cara lá, vi que tinha câmera perto, no mercado”, confessa o assassino.
Desconstrução do rótulo de serial killer
Há 40 anos trabalhando como psiquiatra forense, um dos mais renomados do país, o médico Talvane de Moraes é enfático ao dizer que Sailson não tem perfil de serial killer, tanto pela forma como fala quanto pela forma como age.
“Pelo linguajar dele, conseguimos ver sua grande falta de inteligência. Ele criou essa fantasia de que cometeu muitos crimes e as pessoas participaram disso. Ele copiou ideias de filmes, enriqueceu o raciocínio, mas isso não faz dele um homem inteligente tampouco um assassino em série”, explica.
Talvane descreve Sailson como um homem de vaidade pessoal desmedida e com falta de autocrítica.
“Nem serial killer nem megalomaníaco. Ele é um retardado. Tem retardo mental, um ser com grande deficiência de inteligência. Como ele fala de vítimas que nunca foram encontradas e que as famílias nunca reclamaram? Ele não consegue nem nomear as pessoas. Aí enfeita a novela, dizendo que mata mulheres brancas, um discurso dotado de baixo nível intelectual.”
O especialista salienta que o número total de crimes confessados por Sailson não corresponde à verdade e que o fato de ele cometer crimes em troca de dinheiro já descaracterizam o perfil de serial killer.
“Os crimes de um serial killer têm lógica, ritual, série de vítimas com relações umas com as outras. Os homicídios dele não tinham isso. Ele matar as mulheres da mesma forma não faz dele um assassino em série. Precisa ter inteligência para isso, seguir uma linha de raciocínio. Além disso, ele fazia crimes encomendados. Um seria killer nunca aceitaria, pois ele tem que se sentir o senhor absoluto da ação”, acrescenta.
Talvane destaca que histórias de repercussão na mídia atraem criminosos: “Pode ver que quando tem casos que ganham destaque, aparecem na delegacia várias pessoas dizendo que são as autoras do crime e quando a polícia investiga não é nada daquilo”.
Ele ainda reforça que no Brasil não existe a cultura dos assassinos em série. “Trabalho há 40 anos nessa área e nunca vi um serial killer no Rio. No Brasil, foram poucos casos. Aqui não existe essa cultura, isso acontece mais nos Estados Unidos”, resume.
Compulsão x matador de aluguel
Sailson diz que sabe que o que faz é errado. Não tem arrependimentos, a não ser pelo bebê que matou porque estava chorando muito ao lado da mãe. O perito psiquiatra e psicanalista José de Matos explica que criminosos com o perfil de Sailson são mais complicados de serem avaliados.
“O Sailson traz uma questão polêmica. Não o examinei, mas parece que ele tem uma espécie de mitomania para se promover. Tenho curiosidade de saber em que espaço ele se encontra. Porque a psicopatia é inimputável, mas existem três situações que caracterizam crime e fazem com que o acusado responda na Justiça. Ele diz que sabe o que está fazendo”, analisa o psicanalista.
Mesmo que tenha prazer em matar, assim como um serial killer, Sailson está mais para alguém que sofre de transtorno de caráter, ligado a uma situação compulsiva, na avaliação do especialista.
“O serial killer diz que tem que matar porque precisa daquilo, mas o Sailson tinha interesses em se manter amparado numa casa, numa relação triangular. Quando existe compulsão é mais perigoso, porque a pessoa torna a fazer”, justifica.
“É preciso avaliar, com exames mais detalhados, esse transtorno misturado ao prazer e à compulsão. Tem que avaliar também se é só questão da personalidade dele, que admite ter uma profissão antiética como um matador de aluguel. O caminho de compulsão e o transtorno de sexualidade para ato perverso e sádico é mais grave, porque o acesso terapêutico é bem complicado”, conclui.
‘Só quero perguntar por que escolheu minha mãe’, diz filha da vítima
No dia 2 de maio, às 11h, Glauce Elen vai ficar cara a cara pela primeira vez com o assassino de sua mãe, Marilene, durante o tribunal do júri, em Nova Iguaçu. Por coincidência, Glauce também é prima de Paulo Vasconcelos, outro que foi assassinado por Sailson.
“Não sei qual vai ser minha reação na hora. Quem achou minha mãe morta fui eu, uma situação horrível, tive que fazer tratamento psicológico. Só quero perguntar a ele por que escolheu minha mãe. A vida dela era trabalho e família”, conta Glauce.
Na cena do crime, Marilene aparece deitada de bruços num colchão de solteiro, na sala de casa, com o travesseiro em cima da cabeça. Ela foi golpeada com mais de 10 facadas. “Queimei o colchão e vi que tinha muito sangue, espirrou no ventilador, também tinha marcas de mão com sangue na parede”. O crime aconteceu em janeiro de 2014.
Glauce está temerosa, acha que se o acusado pegar apenas 30 anos de prisão, vai voltar a matar na região. “Fico com medo de ele pegar apenas 30 anos e ser solto. Antes de matar minha mãe, ele entrou na casa da minha prima para tentar matá-la, mas não conseguiu. Acredito na justiça de Deus”
A filha de Marilene se deu alta do psiquiatra porque não queria tomar remédios controlados. Até hoje ela diz que dorme e acorda com a cena do momento em que encontrou a mãe. “Peço a Deus para tirar essa imagem horrível da minha cabeça, ele machucou muito a minha mãe.”
Sailson, na visão de Glauce, não tem nada de serial killer. “Ele não passa de um assassino. Um homem que traz medo à sociedade, tem que ficar preso para o resto da vida”, desabafa.
O G1 procurou a defensora pública que atua na defesa de Sailson, mas ela alegou que não poderia falar.
O Juiz titular da 4ª Vara Criminal de Nova Iguaçu, Alexandre Guimarães Gavião, informou que não iria se pronunciar antes dos julgamentos. A promotoria também não quis dar entrevista.
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