A força dos evangélicos
Fábio Vaz de Lima, marido da ex-senadora, ex-ministra e candidata à Presidência da República Marina Silva, é réu numa ação civil por improbidade administrativa. A ação tramita na 6ª Vara da Justiça Federal, em São Luís, capital do Maranhão. Conhecido e noticiado como “Caso Usimar”, o processo, número 2001.37.00.008085-6, está, neste momento, com o juiz federal Jorge Ferraz de Oliveira Junior. O último registro eletrônico no site da 6ª Vara Federal diz que os autos estão conclusos para decisão desde o último dia 5 de maio.
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Vaz e outros 18 réus foram denunciados pelo Ministério Público Federal (MPF) por ter aprovado, em 14 de dezembro de 2000, um projeto da Usimar Componentes Automotivos no Conselho Deliberativo da Superintendência de Desenvolvimento da Amazônia (Sudam). Segundo a denúncia, o projeto, que nunca saiu do papel, resultou num prejuízo de R$ 44,15 milhões. A ação tramita na Justiça desde dezembro de 2001. Já subiu para o Supremo Tribunal Federal – mas, em 2008, a ministra Cármen Lúcia mandou que retornasse à 6ª Vara, onde está até hoje, 13 anos depois de começar, à espera de julgamento.
Vaz foi procurado por ÉPOCA, direta e indiretamente. Não quis falar até o fechamento desta reportagem. No dia 20 de agosto, quando Marina se declarou candidata a presidente no lugar de Eduardo Campos, Vaz deu uma entrevista ao blog do jornalista Altino Machado, de Rio Branco, capital do Acre. Machado perguntou sobre o Caso Usimar. Vaz respondeu: “Infelizmente, colocaram meu nome de maneira indevida, pois naquela reunião do Conselho Deliberativo da Sudam eu participava apenas como ouvinte. Não votei, pois não era titular e nem suplente do Conselho Deliberativo. Estou pagando caro por um erro que não cometi”.
Na ata da reunião da Sudam – onde 19 conselheiros tinham direito a voto –, o nome dele aparece como um dos 18 nomes que deram aprovação ao projeto da Usimar. Apenas um voto foi contundentemente contra – do então superintendente da Receita Federal para a Região Norte, João Tostes Netto, hoje secretário estadual da Fazenda no Pará. Num voto estritamente técnico, Tostes elencou diversas irregularidades que, no seu entendimento, não deveriam permitir a aprovação. Vaz estava na reunião da Sudam, em São Luís, representando oficialmente o então governador do Acre, Jorge Viana (PT), do qual era subsecretário. Viana e seu suplente, o secretário de Planejamento Gilberto Siqueira, não puderam comparecer. “Fui deslocado para São Luís de maneira inesperada”, disse. “Viajei uma noite toda, cheguei no final da manhã, mas atrasado para a reunião da Sudam. Por ter assinado a lista de presença, acredito que meu nome foi colocado na ata, depois não (me) ocorreu atenção de retificar.” Vaz responde a processo porque seu nome aparece na ata – e a Justiça decidirá sobre sua participação no episódio.
Vaz tem 49 anos e é pai de dois dos quatro filhos de Marina. Nascido em Santos, litoral paulista, foi para o Acre com 17 anos, em 1983. Enraizou-se, trabalhou na área agrícola e na militância social. Conheceu Marina na Universidade Federal do Acre. Juntaram os trapos em 1986, quando ela já se separara do primeiro marido. Foram ambos do PT até 2009, quando Marina se desfiliou e entrou para o PV. Embora tenha se desfiliado, Vaz nunca entrou para o PV ou outro partido. Também não se afastou dos governos petistas no Acre – onde trabalhou em cargos executivos de confiança durante quase 14 anos. Só se afastou do governo de Tião Viana dois dias antes de Marina declararse candidata a presidente. Como secretário adjunto de Desenvolvimento Florestal, da Indústria, do Comércio e dos Serviços Sustentáveis, seu salário era de R$ 18 mil.
O casal tem uma outra chateação, além da que se amontoa na 6ª Vara Federal. Tem a ver com o hoje ministro de Esportes da presidente e candidata Dilma Rousseff, Aldo Rebelo. Na madrugada de 11 de maio de 2011, Aldo era só deputado federal, pelo PCdoB. Estava cercado de deputados, no plenário da Câmara Federal, todos tensos com a acirrada discussão sobre o Código Florestal, então acompanhada com lupa e Twitter por Marina. Disseram a Aldo, relator do projeto, que a ex-ministra postara um comentário acusando-o de fraudar uma parte do texto em discussão (não era verdade).
Aldo explodiu (como o leitor curioso pode ver no YouTube). Dedo em riste, disse: “Quem fraudou contrabando de madeira foi o marido de Marina Silva, defendido por mim, nesta Casa, quando eu era líder do governo. Quando líder do governo, evitei o depoimento do marido de dona Marina”. Ele se refere a uma denúncia feita em 2004, durante o primeiro governo Lula. Marina era ministra do Meio Ambiente. E Vaz – técnico agrícola, ongueiro e então secretário do já segundo governo Viana – passava pela chateação de ter sido acusado por irregularidades e corrupção no Ibama, órgão sob a coordenação de Marina. Publicadas na imprensa, as denúncias chamaram a atenção do deputado oposicionista Luiz Carlos Hauly, do PSDB do Paraná.
No requerimento 25/04, Hauly formalizou um convite para que o presidente do Ibama, Marcus Barroso Barros, dois outros comissionados do órgão e mais Vaz fossem prestar esclarecimentos na Comissão de Fiscalização Financeira e Controle (CFFC) da Câmara dos Deputados. Especificou o tema: “Superfaturamento em contratações do Ibama, com recursos do BNDES”. ÉPOCA refez a tramitação do requerimento de Hauly e ouviu o áudio da reunião em que ele foi votado – está tudo on-line, no site da Câmara dos Deputados. Foi a sexta reunião ordinária da CFFC, em 12 de maio de 2004, presidida pelo deputado Antony Garotinho. Foi nela que atuou Aldo, então líder do governo petista.
A ata cita Hauly apresentando a convocação dos quatro e registra que o deputado João Magno (PT-MG) fez uso da palavra. No áudio, Magno pede a Hauly que só o presidente do Ibama fosse chamado. Depois das negociações, Hauly acatou. Os quatro viraram um só: “Em votação, o requerimento foi aprovado por unanimidade com alteração: convidar somente o senhor Marcus Barroso Barros”. Vaz estava livre. Barroso Barros depôs em 16 de junho de 2004 – e o citou duas vezes. “Conheci o Fábio Vaz de Lima por ser esposo da ministra Marina Silva”, disse aos deputados da CFFC. “Não desconheço (sua) importância para a organização dos trabalhadores na criação de reservas extrativistas.”
Depois da explosão de Aldo, naquele maio de 2011, Marina convocou uma entrevista coletiva para rebater as acusações contra seu marido. Disse que eram “falsas e levianas”, “cortina de fumaça para sair do debate do Código Florestal”. E representou ao procurador-geral da República, Roberto Gurgel – processo 005422/2011-58. Pediu que fossem investigadas “as acusações proferidas pelo deputado Aldo Rebelo e todas as demais acusações delas derivadas veiculadas na imprensa desde então”, relativas a “supostas irregularidades ocorridas durante sua gestão no Ministério do Meio Ambiente, entre janeiro de 2003 e maio de 2008, que teriam beneficiado seu marido, Fábio de Lima”. Nem ela nem o marido processaram Aldo – nem ele retirou ou pediu desculpas pelo que disse.
Gurgel deu seu parecer dois anos depois – em 23 de julho de 2013, momento em que Marina lutava pela aprovação legal da Rede Sustentabilidade. É um parecer conclusivo: “Quanto às acusações feitas contra Fábio Vaz de Lima, não há um único elemento que confira foros de verossimilhança aos fatos mencionados pela imprensa. Determino o arquivamento dos autos”.
Marina traz o documento de três páginas e meia sempre à mão. Vaz ainda não esqueceu a madrugada em que Aldo o atacou. “A democracia não se faz com mentiras e atos torpes como ele fez”, disse. Na semana passada, ÉPOCA perguntou a Aldo, por meio de sua assessoria, se ele retirava o que disse. Não retirou.
Resta, ativo, o processo da 6ª Vara Federal. E, claro, a prosaica questão sobre como será chamado se Marina for a próxima presidente da República. Primeiro-cavalheiro, como recomendam alguns puristas? Ou primeiro-damo, como alguns já o chamam em tom de brincadeira?
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