A festa da fertilidade, as mulheres-lixo e o estuprador chique Roger Abdelmassih
Mulher não vale nada mesmo. Mulher é lixo. Durante 13 anos, a uma média de quatro estupros por ano, ou um a cada três meses, o médico Roger Abdelmassih atacou impunemente. Foram ao menos 52 estupros e 4 tentativas contra 39 mulheres, cometidos entre 1995 e 2008.
Imagina-se que tenha sido muito mais.
Os crimes acima contabilizados são apenas os que foram denunciados por vítimas que ousaram se expor. Mas sabe-se que, na maioria dos casos, o estupro é uma violência tão terrível que emudece para sempre quem a sofre. Traumatiza. Destroi, corrói.
Relato de vítima:
“Ele me violentou quando eu estava sedada, só que eu acordei alguns minutos antes e consegui me desvencilhar e fazer o exame de corpo de delito. Fui a vítima que teve a prova cabal contra ele porque tive esse documento. Eu fiquei dois anos sem sair de casa, com pânico desse homem.”
Roger Abdelmassih, estuprador em série, tinha um método –atacava as próprias pacientes, mulheres que desejavam ardentemente se tornar mães e que buscavam sua clínica de reprodução, no elegante bairro dos Jardins, em São Paulo, onde ele se fazia chamar de “Doutor Vida”.
“Doutor Vida” não se esgueirava por esquinas escuras atrás de suas presas. Elas vinham até ele. Não lhes arrancava as roupas. Elas é que se despiam para ele, o especialista que daria a cada uma a chance de ter filhos. Da mesma forma, o médico não se escondia depois de seus crimes. Em vez disso, desfilava orgulhoso pelos salões de festas paulistanos, adulado pelos ricos e poderosos (algum deles pediu desculpas?).
Relato de vítima:
“Ele destruiu famílias, destruiu sonhos de mulheres, casamentos e familias. (…) Perdi parte da saúde, fiquei doente, não tive filho, não consegui engravidar, minha vida ficou caída, me separei do meu marido, fiquei um ano, dois anos sem ninguém encostar em mim.”
No dia 7 de novembro de 2007, Roger Abdelmassih festejou em traje de gala os 30 anos da primeira fertilização in vitro no mundo. “Festa da fertilidade”… Pelo salão de pé-direito altíssimo do restaurante Leopolldo Plaza, Hebe Camargo desfilou, carregando consigo um bebê de brinquedo que ela embalava como se de verdade fosse. “Acho o trabalho do Roger fabuloso e ele foi pioneiro em muitos estudos. É um orgulho saber que ele é o responsável por devolver alegria às mulheres que não podem engravidar naturalmente”, elogiou Hebe.
A festa contou com as presenças de Luciana Gimenez e marido; do humorista Tom Cavalcante e a mulher Patrícia; da socialite Lilibeth Monteiro de Carvalho; do apresentador César Filho, além da primeira bebê de proveta do mundo, a britânica Louise Brown, trazida especialmente para o regabofes.
Na ocasião, destemido, Roger Abdelmassih entregou o troféu FIV 30 a “personalidades que contribuíram para o sucesso dessas três décadas de trabalho”. (FIV 30 é a sigla para Fertilização in Vitro, 30 anos). Pelé figurou entre os que deixaram associar sua imagem à do “Doutor Vida”. Fernando Collor, idem.
Relato de Vítima:
“É difícil você encarar um homem que fez o que ele fez. Nós sabemos de detalhes do que ele fez com mulheres que é terrível. Pacientes que retalharam as coxas porque era onde ele pegava, mulheres que apanharam dos maridos, que foram abandonadas.”
Dissimulado, Roger Abdelmassih ia colhendo os frutos de sua estrelada estratégia de marketing. Mais de oito mil bebês nasceram por reprodução assistida feita em sua clínica (dizia-se que o preço de uma tentativa girava em torno da casa dos R$ 40 mil).
Pois foi esse estuprador em série, condenado a 278 anos de prisão pela Justiça de São Paulo, que mereceu do ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal, em 2010, o inimaginável direito de recorrer da sentença em liberdade. E ele, que burro não é, previsivelmente, fugiu.
Mulher é lixo mesmo.
Relato de vítima:
“A defesa dele dizia que eram mulheres frustradas que não conseguiam ter filhos que estavam entrando contra ele e que poderiam estar confundindo as coisas. Ele me agarrou e eu estava lúcida, e eu engravidei de gêmeas dentro da clínica dele, então, eu derrubo a defesa dele. Não tem defesa. Ele é safado, ele é estuprador, ele é um monstro sim.”
Recapturado no Paraguai, depois três anos de vida tranquila e sossegada em Assunção, o “Doutor Vida” foi encaminhado para o presídio de Tremembé. Quais serão as cenas do próximo capítulo da novela da impunidade (dos ricos, é claro!) que a (in)Justiça brasileira vai encenar?
Relato de vítima:
“Eu quero que ele apodreça na cadeia. Que ele viva muito para apodrecer e pensar e pagar por tudo que ele fez com a gente.”
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