O Brasil é o país dos extremos, vítima de movimentos pendulares radicais.
Determinadas tendências vão se radicalizando pela inércia, sem que sejam contidas por fatores moderadores. Quando assumem proporções intoleráveis, são sucedidas por movimentos contrários que, primeiro corrigem os excessos anteriores para, depois, promoverem sua própria radicalização. E não há freios, amortecedores para reduzir a intensidade desses movimentos.
Se alguém afirmar que o governo Dilma foi dos mais desastrosos da história, não vou discutir. Mas um sistema institucional robusto teria que dispor de instrumentos para passar incólume pelo desafio Dilma, permitir ajustes sem abrir espaço para aventuras golpistas.
A crise atual lança luzes sobre um conjunto de vulnerabilidades da sociedade brasileira, permite identificar as correções a serem feitas, mas não se vislumbram agentes econômicos, sociais ou políticos para cumprir a função moderadora.
O subdesenvolvimento é uma construção de gerações, já se dizia.
Chave 1 – Agentes moderadores das políticas públicas
Os movimentos de política econômica costumam ser pendulares. A oposição torna-se governo criticando os exageros da política anterior. Há um movimento inicial, virtuoso, de correção de rumos, de trazer o pêndulo para o centro. Na medida em que se tem sucesso, o movimento tende a radicalizar para o outro extremo. Ou seja, o próprio sucesso do modelo planta as sementes dos exageros posteriores.
Com a eleição de Dilma Rousseff, após as ações anticíclicas vitoriosas de 2008, havia a esperança de que o país estaria imunizado contra movimentos radicais voluntaristas.
O que se viu foi o poder solitário de uma presidente produzindo um conjunto de medidas voluntaristas não tão drásticas quanto os vizinhos, mas suficiente para desmontar a economia, expondo o governo a uma oposição destrutiva.
Como conseguir o equilíbrio? A imprensa não tem capacidade ou maturidade para exercer esse papel moderador. Há décadas é presa ao refrão único dos juros altos, livre fluxo de capitais, Estado mínimo, alergia a qualquer forma de aprofundamento da democracia. É uma imprensa do nível da venezuelana.
Um Conselho Superior de Economia não só coibiria os exageros, como qualquer mudança de rota. Portanto, não seria aconselhável.
O grande problema do presidencialismo brasileiro não é apenas a dispersão de partidos. É também o poder absoluto do presidente. Quase tão absurdo quanto o golpe foi a atuação individual da presidente, inibindo a atuação de conselhos populares, de fóruns empresariais, não concedendo audiências a representantes de outros poderes e sequer se alinhando com seu próprio partido.
O ideal seria partidos políticos programáticos, com ideias claras sobre a economia e, principalmente, instrumentos para conter ímpetos voluntaristas dos seus candidatos eleitos.
O mínimo que se espera é que os atos do presidente sejam analisados, avalizados ou não, pelo seu partido ou base de apoio. Hoje em dia, nem partidos há.
A grande dicotomia a ser vencida é, de um lado, criar ferramentas que subordinem o presidente ao programa do partido e canais de participação técnica e popular. De outro, não inibir seu protagonismo.
2. O papel desestabilizador das corporações públicas.
Pior, o corporativismo impediu o CNMP (Conselho Nacional do Ministério Público) de exercer o papel moderador. A procuradoria de coalizão – fruto da escolha do procurador mais votado para a PGR – faz com que os candidatos cada vez mais se afastem dos valores constitucionais do Ministério Público e se aproximem da ansiedade por poder da massa da corporação.
Por outro lado, sem o mecanismo da eleição direta para a lista tríplice, corre-se o risco de se voltar ao tempo do Ministério Público engavetador.
De alguma forma, se terá que encontrar o meio-termo, ou através da formação de um Conselho de Notáveis, com as figuras referenciais do próprio Ministério Público que, mesmo não tendo poder de veto, possa exercer moralmente um papel moderador.
É inacreditável que um poder, a PGR, que se vangloriava de contar com altos conselhos técnicos para qualquer tema, não tenha conseguido montar uma identidade simples:
Poder Executivo – Dilma Rousseff = Michel Temer + Eliseu Padilha + Geddel Vieira Lima + Moreira Franco + Eduardo Cunha = – Poder do MPF
3. A leniência com a ilegalidade
O jogo anterior à Lava Jato estimulava o malfeito. Apelações infinitas, uso indiscriminado do fruto da maçã podre para anular inquéritos, sentenças jamais cumpridas.
Aí o movimento pendular se inverte.
Os vazamentos de inquéritos sigilosos, com propósitos políticos, tornam-se uma constante. O uso de inquéritos policiais para represálias políticas, um novo normal. O uso abusivo de poder de Estado de qualquer procurador iniciante, representando contra grupos políticos, solicitando prisões midiáticas, vazando informações para a imprensa passam a ser aceitos como normal. A incapacidade do STF de confrontar os abusos, infelizmente, tornou-se uma constante.
Ao tolerar vazamentos, o PGR Rodrigo Janot ajudou a criar um poder paralelo incontrolável, na parceria política mídia-procuradores. O que era uma prática coibida, considerada abusiva, torna-se o novo normal, inclusive na PGR.
Ao aceitar as gravações contra Delcídio do Amaral, o Ministro Teori Zavascki convalidou o grampo ilegal. E a falta de providências contra os vazamentos de escutas ilegais, no episódio dos diálogos da presidente, comprovou a subversão no sistema de hierarquia do Judiciário.
Os ataques montados pela parceria mídia-procuradores contra o Ministro Marcelo Navarro Ribeiro do STJ (Superior Tribunal de Justiça), são de natureza pior do que os ataques apócrifos perpetrados contra a esposa do Ministro Luís Roberto Barroso, ou com as possível intimidação do Ministro Luiz Facchin, que praticamente imobilizaram o Supremo.
A história do “não é comigo” não cola. Esse quadro é de responsabilidade direta de Rodrigo Janot, Teori Zavascki, Ricardo Lewandowski, Luís Roberto Barroso, que permitiram que o STF passasse a ter a cara de Gilmar Mendes e a se deixar conduzir pela Lava Jato. E menciono apenas aqueles dos quais se esperava algo.
Tem-se agora uma re-centralização política similar ao período da ditadura. Os estamentos brasilienses – Congresso, corporações públicas, MPF, Judiciário – avançando sobre o orçamento público, ao preço de arrebentar com a estrutura de despesas federais, saúde, educação, segurança, Previdência e outras funções de Estado.
5. O papel desestabilizador da Globo
Desde as campanhas de 2006 e 2010, ampliada pela campanha do mensalão, observou-se o papel deletério do cartelização da mídia. A cartelização produziu dois fenômenos opostos, mas correlatos. De um lado, a plena liberdade dos grupos oficiais de mídia para assassinar reputações, adulterar notícias, jogar vergonhosamente com a autoestima nacional, em episódios inaceitáveis para qualquer sociedade minimamente civilizada. De outro, uma ação pertinaz de esmagamento do discurso contrário, através de ações judiciais contra blogs e sites independentes..
A tendência dominante é o de enfraquecimento gradativo da mídia e aumento da atoarda representada pelas redes sociais. Mas o papel das Organizações Globo tornou-se uma questão de Estado. Sua influência sobre a opinião pública, o Judiciário e o Ministério Público criou um território indevassável, que conseguiu bloquear até a cooperação internacional do MPF com o FBI, nas investigações do caso FIFA, ou das contas no escritório Mossak Fonseca.
A regulação econômica da mídia e o uso correto das concessões públicas tornaram-se uma questão de sobrevivência da democracia brasileira.
PS – Agora à noite, ao solicitar que o TSE (Tribunal Superior Eleitoral) também investigue as contas de Aécio Neves, “por uma questão de isonomia”, a Ministra Maria Thereza de Assis Moura comprova a superioridade de gênero: mulher, fez o que Ministro nenhum tem ousado fazer, com receio da agressividade inaudita e do uso da mídia por Gilmar Mendes, deixando o Judiciário refém da falta de limites.