Ciro Marques
Repórter de Política
“O voto é uma mercadoria que a gente compra”; “os mandatos são comprados”; “a prestação de contas é, totalmente, fictícia”; “é quase impossível um candidato a reeleição não cometer crime”. É bem provável que os leitores d’O Jornal de Hoje já tenham ouvido frases como essa em rodas de amigos ou discussões políticas informais. É difícil, porém, imaginar que um magistrado, que tem a experiência de ter sido juiz eleitoral e comandando duas eleições na segunda maior cidade do Estado. Contudo, foi exatamente isso que afirmou o juiz Herval Sampaio em entrevista concedida esta semana a rádio 96 FM, que lançará um livro no final deste mês sobre as decisões proferidas em Mossoró e que confirmam parte dessas declarações feitas.
Herval Sampaio entrou para a história de Mossoró por ter cassado, numa mesma eleição, as duas principais candidatas: Larissa Rosado (PSB) e Cláudia Regina (DEM). Esta, ressalta-se, retirada da Prefeitura pela força de 12 cassações (a maioria proferida por Herval).
“Não penso que em Mossoró acontece mais (irregularidade). Penso que acontece na maioria esmagadora das cidades. Agora, o que eu acho que acontece em Mossoró? Algumas coisas foram feitas, com todo respeito, às escancaras, sem nenhuma cerimônia. Muitas vezes o político faz, com todo respeito, não quero generalizar, de modo dissimulado. De fingir. Ele fingi que está fazendo algo legal e, na realidade, ele está, de alguma forma, abusando do poder. Alguns fatos que eu registro infelizmente, foram feitos sem nenhuma cerimônia”, afirmou Herval Sampaio, em uma das polêmicas frases da entrevista.
Segundo ele, pela experiência adquirida na Justiça Eleitoral, é possível dizer que a arrecadação das campanhas já manteve de maneira ilícita. “O mandato é comprado em todos os termos, inclusive, arregimentado nas bases, ao ponto de eu ser indagado agora, por um cidadão, que chegou para mim e se disse impressionado que ‘sou funcionário público e me disseram que vereador tal recebe de deputado a partir de tanto, deputado federal é outro valor, senador é outro, governador é outro’. E querendo saber se eu arrumo alguns votos onde eu estou para também vender. E é assim. O negócio está, me desculpe a expressão, rasgado, aberto. O voto é uma mercadoria que a gente compra”, garantiu.
Isso, porém, não seria culpa apenas dos candidatos. “É uma coisa bem mais ampla. E essa reforma do sistema político, acaso ocorra, se houver vontade, porque as vezes se muda para manter o status quo, o que é impressionante. Agora, se houver essa reforma sem haver uma mudança do eleitor, que faz parte disso, que também comete crime, também tenta se dar bem financeiramente na eleição. O grande problema não é só a classe política não”, acrescentou.
Segundo o magistrado, é preciso, primeiro, mudar dois pontos fundamentais: a prestação de contas e a reeleição. “É difícil o cara que está no poder não incidir em uma conduta vedada. É quase impossível. Ele já entra na reeleição com grandes possibilidades, 90%, de cometer ilicitude. Então, para começar, tem que acabar com a reeleição”, garantiu, acrescentando que a prestação de contas é outro grande erro. “A prestação de contas é, totalmente, fictícia. Totalmente. Tanto é, no meu entender, por parte dos candidatos, que fingem que prestam contas, porque você vê mais uma vez da presidência da república, os valores colocados, que parece piada; e por parte da Justiça Eleitoral, que finge que homologa”.
Dessa forma, Herval Sampaio afirmou que “o sistema é tão corruptivo como um todo, que até aquelas pessoas que querem ir contra o sistema, acabam sendo corrompidos por ele. Estou falando o sistema como um todo, não juiz e promotor. Então, é difícil você dizer que esse tipo de decisão, por si só, vai mudar e resolver com que haja essa consciência. Na verdade, já estavam até esquecidas. Se eu não resolvo ousar e escrever o livro, o assunto já estava esquecido. Estou fazendo isso não para me promover. É por um processo de conscientização do eleitor”.
“Se disser que eu estou querendo aparecer, vou responder”
O magistrado Herval Sampaio lançará, no próximo dia 29, em Mossoró, o seu livro sobre a experiência na Justiça Eleitoral da cidade. “Eu já cumpri a minha missão, então, fico mais a vontade. Não ando comentando caso concreto, em tese. No livro, eu fiz uma copilação das decisões, evidentemente, com uma linguagem mais diferente. É um livro social, que dá para atingir o povo”, afirmou ele, justificando o motivo do livro.
Herval Sampaio reclamou, também, das duras críticas que sofreu pelas decisões proferidas em Mossoró. Críticas essas, inclusive, que não pode responder, para não correr o risco de agir de forma irregular ao exercício da profissão. “Agora, se bater, vai levar. Se disser que eu estou querendo aparecer, vou responder, porque não é um projeto pessoal”, garantiu.
O magistrado, que agora é juiz convocado do Tribunal de Justiça do RN, acrescentou que a Justiça Eleitoral do Estado tem dado mostras de evolução e criticou aqueles que afirmam que a soberania popular, ou seja, quem foi eleito nas urnas, independentemente da prática ou não de irregularidades, deve ser respeitada. “Se a soberania é absoluta, eu faço uma sugestão, porque estamos gastando dinheiro: vamos acabar com a Justiça Eleitoral e levar, de quebra, o Ministério Público Eleitoral, e toda essa estrutura. Se vale o que a gente vota com todas essas ilicitudes, o que estamos fazendo os juízes e promotores?”, questionou.