Os recursos do gigantesco empréstimo de R$ 11,2 bilhões para as distribuidoras de energia serviram apenas para cobrir os gastos do setor até o mês passado. Cerca de R$ 8 bilhões foram usados para financiar o rombo das companhias de fevereiro e março, e os R$ 3,2 bilhões restantes serão abocanhados pelo buraco de abril — que será liquidado em junho. A Abradee (Associação Brasileira de Distribuidores de Energia Elétrica) já elaborou um novo pedido ao governo de mais R$ 7,2 bilhões para que as empresas do setor consigam honrar seus compromissos entre maio e dezembro de 2014, o que elevaria o socorro a R$ 18,4 bilhões este ano.
Esse custo adicional se refere: à exposição ao mercado à vista de 350 megawatts (MW) médios que restou após o leilão emergencial do último dia 30 (R$ 1 bilhão); ao custo do próprio leilão A-0 para as empresas que só terão novo reajuste em 2015 (R$ 1,2 bilhão); à estimativa de gasto com térmicas até o fim do ano (R$ 1,5 bilhão); e ainda à projeção de custo hidrológico dos geradores que agora é pago pelos consumidores (R$ 3,5 bilhões).
Com isso, a fatura de 2014 para as contas de luz nos próximos anos chegará a 18,4% de reajuste, já que cada bilhão despejado no setor representa 1 ponto porcentual de aumento nas tarifas.
Em entrevista ao Broadcast, serviço de informação em tempo real da Agência Estado, o presidente da Abradee, Nelson Leite, alega que, para 2015, o problema se resolve por três razões: a exposição das distribuidoras praticamente acabará; entrarão no sistema cotas de energia de concessões vencidas; e as Bandeiras Tarifárias mitigarão o problema do custo das térmicas e do custo hidrológico.
Veja a seguir os principais trechos da entrevista.
Por que a exposição de 3.300 MW médios caiu para 2.400 MW médios antes mesmo do leilão emergencial?
Nelson Leite – A exposição é em função da carga, ou seja, ela depende da demanda de consumo, que é sazonal. Então, quando você pega janeiro e fevereiro deste ano, a carga foi bem mais alta do que no restante do ano. Em março já foi menor. Quando a gente falava em 3.300 MW médios de exposição, era a média de janeiro a dezembro. Como o leilão foi feito no último dia de abril, a minha necessidade é menor de maio para frente. O rombo médio até dezembro agora é de 2.400 MW médios.
Como o consumo caiu tanto?
Leite – O vilão da exposição no começo do ano é o aparelho de ar condicionado. No período em que as temperaturas são mais elevadas, há um consumo maior, tanto no segmento residencial como no comercial. Já o consumo industrial é praticamente estável, não varia muito porque é mais ligado aos fatores de produção. Em janeiro e fevereiro deste ano, tivemos temperaturas bem acima da média histórica. Só no Rio de Janeiro, a carga de janeiro deste ano foi 22% maior que a registrada em janeiro no ano passado. A falta de chuva e o calor são perversos dos dois lados: diminuem a oferta de energia pelas hidrelétricas e aumentam o consumo.
Até quando dura o empréstimo de R$ 11,2 bilhões?
Leite – Recapitulando, na liquidação de fevereiro — paga em abril — já foram gastos R$ 4,7 bilhões. Na liquidação de março — que ocorre agora em maio — gastou-se mais R$ 3,3 bilhões. Quando você soma esses dois meses, a conta já foi de R$ 8 bilhões dos R$ 11,2 bilhões do financiamento. Então, na realidade, o que sobrou foi R$ 3,2 bilhões, que nós acreditamos que vão dar para pagar apenas a liquidação de abril, que ocorrerá em junho. A própria CCEE (Câmara de Comercialização de Energia Elétrica) já tem conhecimento disso.
E de maio para frente? Quanto ainda será o rombo do setor?
Leite – Com o leilão emergencial, a exposição ao mercado de curto prazo remanescente caiu para 350 MW médios. Com um preço médio da energia à vista em R$ 600 por MW/hora, nós vamos ter mais R$ 1 bilhão de custo até dezembro. Mas o próprio leilão gera custo adicional porque a energia foi comercializada a R$ 268 por MW/hora, mas as distribuidoras que tiveram seus reajustes anuais de tarifas antes de abril estão sendo remuneradas em menos de R$ 150 por MW/hora. Essa diferença, que podemos chamar de “custo leilão A-0″, terá um custo de mais R$ 1,2 bilhão até o fim do ano.
Ou seja, mesmo com o leilão, ainda sobrará uma conta de R$ 2,2 bilhões…
Leite – Mas ainda tem a conta das térmicas. O despacho das usinas térmicas vai continuar até o fim do ano e nós vamos continuar pagando um valor alto por essa energia. A nossa estimativa para o período que vai de maio a dezembro é de mais R$ 1,5 bilhão. E ainda tem outro gasto, que passou a ser o mais significativo, que é o chamado risco hidrológico que agora passou a ser dividido com os consumidores. Essa conta corresponde aos períodos em que as usinas geram menos que 95% da garantia física e os geradores precisam comprar eletricidade no mercado à vista. A nossa estimativa para essa variável é de mais R$ 3,5 bilhões até o fim do ano.
Chegamos então a uma conta de R$ 7,2 bilhões que não está coberta pelo empréstimo? É isso mesmo?
Leite – São R$ 7,2 bilhões em oito meses, para o período que vai de maio a dezembro. Ou seja, menos de R$ 1 bilhão por mês. Para quem vinha de liquidações de mais de R$ 3,5 bilhões por mês até abril, o peso já está bem menor. Mesmo assim, o setor de distribuição não consegue absorver sozinho esse custo. Se as empresas comprometerem R$ 7,2 bilhões até o fim do ano, terão que parar todos os investimentos e deixar de recolher uma série de compromissos já feitos. É incompatível com a nossa capacidade e pode gerar um desequilíbrio econômico-financeiro em todo o setor.
E como pagar essa conta? Qual a alternativa?
Leite – A saída é voltar a negociar. Acho muito difícil que haja um novo aporte do Tesouro Nacional, que tem metas de superávit primário. Mas é possível se buscar uma solução de mercado, como foi feito com os R$ 11,2 bilhões por intermédio da CCEE. Não sei se usando o mesmo modelo de empréstimo com os mesmos bancos, mas o governo vai ter que pensar nisso. Trata-se, afinal, de um valor bem mais baixo do que aquele já foi negociado.
A grande questão é que todo esse novo custo também vai parar na conta de luz dos consumidores. O impacto de 11,2% nas tarifas subirá para 18,4% a ser repassado a partir de 2015.
Leite – Mas isso fatalmente será diluído em mais de um reajuste anual. Se for em dois anos, o impacto é de 9,2% por ano. Mas, se for em três anos, esse peso já cai para 6,1% em cada período. Um novo empréstimo pode ser negociado em um número de parcelas maior.
E o que garante que no próximo ano não haverá mais um rombo de R$ 18,4 bilhões que acabará novamente no bolso dos consumidores?
Leite – No ano que vem temos a entrada de cotas de energia de concessões que vencem em 2015, zerando a exposição involuntária e dando viés de baixa para as tarifas. A exposição foi uma condição atípica de 2014, que não irá se repetir. O que continuará trazendo volatilidade para o setor é a questão hidrológica, que obriga o despacho de usinas térmicas, mas já há uma solução tarifária desenhada para isso: o regime de Bandeiras Tarifárias, que o governo adiou para o próximo ano. Se as bandeiras já estivessem valendo esse ano, teríamos uma renda mensal adicional de quase R$ 900 milhões por mês, que é justamente a necessidade de recursos que teremos até o fim deste ano.
Fonte: R7