Em um País de extensão continental as desigualdades regionais são grandes, determinando o perfil do eleitor. No Nordeste brasileiro, a secura do solo se confunde com a aridez de vidas humanas, formando uma geografia peculiar com demandas diversas, que não podem ser ignoradas no jogo do poder. Compreendendo 26,7% do eleitorado nacional, a região é um celeiro de votos indispensável na campanha à Presidência.
Para arrematar votos, Dilma Rousseff (PT), Aécio Neves (PSDB) e Marina Silva (PSB) criaram uma agenda de campanha mais incisiva na Região. Mesmo com propostas equânimes, eles entendem que para se chegar ao Executivo são necessárias ações que coloquem o nordestino como protagonista.
Nas últimas três eleições presidenciais, os estados nordestinos têm se destacado como principal bastião do Partido dos Trabalhadores no País. Em 2002, Luiz Inácio Lula da Silva foi eleito com 61,2% dos votos, sendo que, no percentual por região, ele garantiu no Nordeste uma votação superior à média nacional, com 61,5% dos eleitores. Este panorama seguiu-se nos pleitos posteriores, com a reeleição de Lula apoiada por 60,8% dos nordestinos, em 2006, e a presidente Dilma Rousseff atingindo uma marca de 70,5% da votação na Região, em 2010.
Segundo os especialistas, a boa avaliação do PT na Região, nos últimos 12 anos, se deve, sobretudo, à implementação de políticas de distribuição de renda e inclusão social, entre as quais está o Bolsa Família, que beneficiou milhares de nordestinos. Nos últimos 10 anos, as transferências do programa foram responsáveis pela criação e manutenção anual de 807 mil empregos e ocupações na Região Nordeste.
“No Brasil, cerca de 40% dos eleitores são de baixa renda, sendo que a maior parcela está no Nordeste. Nos últimos três governos, esta população foi bastante beneficiada. Isto tira a percepção de uma região que tinha o hábito do coronelismo e do voto do cabresto. O que se observa agora é um voto dessas classes C e D motivado por essas políticas sociais de inclusão”, avaliou a cientista política e professora do Ibmec no Rio de Janeiro, Christiane Romeo.
O cientista político e professor da Universidade de Fortaleza (Unifor), Clésio Arruda, afirma que o voto revela os interesses da população. Ele entende que, como ainda se observa uma má distribuição de renda, o peso das políticas sociais vai ser mais incisivo na definição do voto. “É de se esperar que um político que se apresente com essas ações vai ter mais aceitabilidade na região”, observou.
Propostas
Pelos últimos resultados eleitorais, a disputa política mostrou que ignorar um celeiro eleitoral com 38,1 milhões votos, perdendo apenas para o Sudeste, não é apenas um risco, mas um erro de estratégia para os presidenciáveis. Por causa disso, Dilma, Aécio e Marina estão com um discurso focado nos interesses da população nordestina e com propostas que atendam as suas necessidades.
“O Nordeste tem peso eleitoral bastante significativo e pode decidir uma eleição. Não podemos esquecer ainda do poder de influência que essa população tem sobre o resto do Brasil, já que estamos falando de pessoas que habitam outros estados e regiões do País, mas que são influenciadas pelo que acontece no Nordeste”, considerou o presidente da Associação Brasileira de Consultores Políticos (Abcop), Carlos Manhanelli.
Tentativa tucana
Com o objetivo de melhorar a avaliação do PSDB na Região, o tucano Aécio Neves lançou, no último dia 23, em Salvador, o programa “Nordeste Forte”, tratado pela campanha como a maior vitrine do partido entre a população nordestina.
Entre os principais pontos do projeto está a promessa de que as famílias nordestinas terão um renda per capita mínima de US$ 1,25 por dia. Ele também prometeu “evoluir o Bolsa-Família”, tornando o programa uma “política de Estado”. Uma das metas do presidenciável é se blindar do que os tucanos chamam de “tática do medo”, que consiste nos rumores de que uma vitória da legenda levaria ao fim dos programas de transferência de renda implantados pelo PT.
Além do pacote de ações, o tucano iniciou um périplo pelo Nordeste e tenta agregar elementos da Região ao marketing de sua campanha. Chamado de “cabra do bem” na propaganda do PSDB, o mineiro ainda não conseguiu transformar o discurso em resultado e aparece em terceiro lugar nas pesquisas.
De acordo com Manhanelli, o principal erro do PSDB é ter um perfil muito ligado ao Sudeste, o que não garante a confiança do eleitor nordestino. Além disso, segundo o especialista, Aécio não é carismático. “O erro do PSDB foi ter formado uma chapa mineira e paulista, em vez de escolher um vice do Nordeste para dar a certeza de que as promessas iam se cumprir. Aécio não dá tranquilidade de o nordestino votar na chapa. A representabilidade dele não soma”, avalia.
Em contrapartida, o que falta ao tucano, sobra a Dilma e Marina: uma relação construída com a Região. Enquanto a petista carrega um governo bem avaliado pela população local, Marina herda o legado do ex-governador de Pernambuco, Eduardo Campos, e um perfil ligado às classes menos favorecidas. “Marina assume o papel de Campos, tem um perfil negociador e não faz parte da esquerda tradicional. Já Dilma apresenta um resultado positivo no governo”, considerou Christiane Romeo.
´Fator emoção´ acirra disputa
Com o acirramento da disputa após a morte de Eduardo Campos (PSB), no último dia 13, especialistas acreditam que a região pode definir os rumos da eleição presidencial. A última pesquisa Ibope, divulgada no dia 26 de agosto, sinaliza uma possível alteração na avaliação dos candidatos entre os nordestinos após a substituição do ex-governador de Pernambuco.
Segundo o levantamento, neste período de “luto eleitoral”, a presidente Dilma Rousseff (PT), que no início do mês tinha 51% das intenções de voto, hoje apresenta 46%. Marina Silva (PSB) tem o apoio de 27% do eleitorado, 15 pontos percentuais a mais que seu antecessor. Já Aécio Neves (PSDB) continua estagnado em 11% das intenções.
O diretor da Associação Brasileira de Consultores Políticos, Carlos Manhanelli, considera que ainda é cedo para dar um diagnóstico sobre uma migração de votos dos eleitores da Região. Segundo ele, os três principais candidatos estão “navegando dentro da margem de erro” e é preciso esperar que o “fator emoção” pela morte de Campos se esgote para avaliar o resultado das pesquisas. “Estamos sob a égide da comoção social, que tem um prazo de validade e aguardamos que esse prazo termine”, afirmou o especialista.
A cientista política e professora do Ibmec, Christiane Romeo, também acredita que “ainda não dá para saber se esse resultado é emocional ou uma transferência de voto consciente, que pode ser contabilizado para o candidata do PSB”.
Para o cientista político e professor da Unifor, Clésio Arruda, a luta de Marina agora vai ser para manter os votos que têm conotação emotiva.
Segundo o cientista político e professor da Universidade de Brasília, David Fleischer, bem avaliada em Pernambuco, falta a Marina palanque em outros estados para garantir a liderança. “Ela tem forte penetração no Sudeste e o Nordeste pode desempatar a disputa”, afirmou.
Política mudou perfil dos votantes
Cada estrato social deve ser considerado na disputa à Presidência da República. Nas bases da motivação do voto, segundo os especialistas, são levadas em conta pelo eleitor as necessidades primordiais diante do contexto socioeconômico em que estão inseridos.
“Os interesses na política são vários. A questão de um candidato obter mais votos é trabalhar um programa contendo o maior número de interesses”, explicou o cientista político e professor da Unifor, Clésio Arruda.
O especialista explica que o perfil do eleitorado nordestino mudou em função das políticas de distribuição de renda e inclusão social, implementadas pelos presidentes petistas. “Em 2002, o desemprego era alto. Hoje, vivemos o pleno emprego. Além disso, há mais acesso à educação e pessoas com nível superior. Isso dá um impacto enorme às eleições”, considerou o professor.
Segundo ele, os três governos do PT criaram novas demandas para os adversários e impuseram uma necessidade de os opositores ampliarem as propostas com apelo social. “É necessário renovar o discurso, o projeto político. Ainda não foi sinalizado claramente quem seria o candidato capaz de conduzir um programa que atendesse a esse novo projeto de mudança do País”.
Clésio Arruda diz que, ao mesmo tempo que é preciso renovar o discurso, a tentativa de abandonar as políticas compensatórias no Nordeste seria “um tiro no pé” para os opositores na Região. “Sair dessa política é voltar para um nível elevado de pobreza. Nenhum candidato vai voltar para isso. Eles precisam elaborar propostas que sejam paralelas sem reduzir a importância da política assistencialista”, considerou o professor.
A cientista política e professora do Ibmec, Christiane Romeo, diz que é preciso um foco maior na educação, aliada ao ensino técnico. “É preciso investir numa mão de obra qualificada que permita o desenvolvimento do indivíduo localmente”, defendeu.
Fonte: Diário do Nordeste