preocupa Polícia
A luta pela igualdade de gêneros entre homens e mulheres escreve um capítulo indesejado no Ceará. A presença do sexo feminino no mundo do crime tem feito vítimas e ajudado a aumentar as estatísticas negativas de mortes violentas de mulheres no Estado. Foram 97 mortes em quatro meses, 46 delas em Fortaleza e 71 com uso de arma de fogo.
No ano passado, o número total de vítimas do sexo feminino foi de 214.Em pelo menos dois dos últimos casos mais emblemáticos do mês de abril, as mulheres vítimas tinham envolvimento com a criminalidade. A Polícia afirma estar trabalhando nos casos e demonstra preocupação com o aumento da presença das mulheres em meio ao crime.
No último dia 29, terça-feira, uma mulher foi morta dentro de um táxi clandestino na avenida Governador Raul Barbosa, no bairro Aerolândia, em Fortaleza. A Polícia Civil identificou, posteriormente, que a vítima se chamava Alessandra Oliveira Aragão, e tinha 23 anos. Na ocasião da morte de Alessandra, a Polícia descobriu na bolsa da mulher cerca de cinco quilos de um pó branco semelhante a cocaína. A mulher, que segundo a Polícia Civil era modelo, nasceu em Belém do Pará e estava envolvida com um homem, criminoso, que cumpre pena em presídio na Grande Fortaleza. A Divisão de Homicídios e Proteção à Pessoa (DHPP) está investigando o homicídio. Outros detalhes sobre a o caso não foram repassados para não atrapalhar as apurações. No último dia 18, sexta-feira Santa, Lucimara Firmino da Silva, 22 anos, outra mulher tombou morta a tiros e teve o corpo arrastado por entre as ruas do bairro Granja Portugal, sendo jogada, já em óbito, às margens de um canal na Rua Democrata. Lucimara, segundo a Polícia, tinha envolvimento com o tráfico de drogas na região e havia participado de um homicídio. O crime brutal contra a vida da mulher foi cometido por dois jovens. Na ocasião, um casal de adolescentes acabou apreendido e confessou o crime. A menina que participou da morte de Lucimara tem apenas 16 anos. As duas mulheres mortas estão inseridas em um universo de 97 vítimas que perderam a vida de maneira violenta no Ceará em 2014. Os números, ainda não consolidados, são da Secretaria de Segurança Pública e Defesa Social (SSPDS) e se referem a mortes registradas até o último dia 28 de abril. Nesse mesmo período, em todo o Estado, 1.419 pessoas foram vítimas de Crimes Violentos Letais Intencionais (CVLIs), que abrangem os homicídios, latrocínios (roubos seguidos de morte) e lesões corporais seguidas de morte). De acordo com os números de mulheres mortas por violência no Estado, Fortaleza lidera, com 46 casos registrados. Em seguida, os municípios da região metropolitana Maracanaú, Eusébio e Caucaia tiveram, cada um, cinco mulheres mortas por violência no ano. Em Juazeiro do Norte, no Cariri, quatro mulheres foram mortas neste ano. Em Maranguape, Crateús e Limoeiro do Norte houve duas vítimas em cada município em 2014. As cidades de Araripe, Beberibe, Boa Viagem, Pacajus, Russas, Umirim, Icapuí, Pacatuba, Sobral, Aquiraz, Aracati, Canaubal, Chaval, Guaraciaba do Norte, Itaitinga, Morrinhos, Paracuru, Porteiras, Quixeramobim, Redenção, Reriutaba, Santa Quitéria, Iguatu, Milagres e Morada Nova tiveram, cada, uma mulher vítima de violência no ano.
O mês que mais contabilizou mortes foi janeiro. 33 mulheres perderam a vida nos primeiros 31 dias do ano. Em fevereiro, no entanto, foram 15 mortes. Já em março, o número voltou a aumentar: 32 vítimas. Em abril, nova queda, para quase a metade do mês anterior: 17 mulheres mortas. O diretor da Divisão de Homicídios e Proteção à Pessoa (DHPP), delegado Luiz Carlos Araújo Dantas, ressalta a preocupação com o crescimento da participação das mulheres no mundo do crime, o que, em sua visão, tem potencializado a vitimização do sexo feminino. Vítima “A mulher é vítima quando acaba envolvida e é vitima quando morre. Muitas vezes, é vítima por conta de ações desenvolvidas pelo próprio companheiro. A mulher, infelizmente, está furtando, está roubando, algumas têm se envolvido em tráfico de drogas. E muitas têm morrido por conta disso. As motivações são inúmeras, fora as passionais”, disse o delegado. O diretor da DHPP garante, também, que está empenhado na elucidação dos casos. “Realizamos investigações preliminares em todos os homicídios que acontecem em Fortaleza e Região Metropolitana. Nossas equipes vão aos locais de crime e os inquéritos policias são instaurados. As investigações estão acontecendo com muito critério”, afirmou Dantas. DDM busca atender demanda Se, por um lado, há a vitimização da mulher, por outro há um aparato policial para auxiliar e investigar os casos em que o sexo feminino é alvo da violência. A Delegacia de Defesa da Mulher (DDM) de Fortaleza tem buscado minimizar, ao menos, os casos de agressão à mulher, especialmente os ligados à violência doméstica. De acordo com a delegada Ivana Coelho Marques Figueiredo, da DDM, os trabalhos vêm apresentando resultados positivos. Prova disso, segundo ela, é a quantidade de atendimentos diários: cerca de 50. Denúncias “O número de denúncias é alto. Atendemos de 40 a 50 mulheres por dia para fazer registro de ocorrência. Este número é alto, mas acredito que isso reflita que as mulheres estão sendo mais informadas”, diz a delegada. Ivana reforça a importância da Lei Maria da Penha, de 2006, para o atendimento junto às mulheres. “A Lei Maria da Penha é uma legislação nova, porém, já dá seus frutos. Ela é diferente, ajuda bastante. Traz elementos de combate ao agressor e prevê a proteção à vítima. Por isso, as mulheres estão se sentindo mais seguras. A denúncia pode ser feita tanto na Delegacia da Mulher como em qualquer outra Delegacia de bairro, que o caso vai ser transferido para cá. O atual número alto de atendimentos é reflexo da Lei Maria da Penha, que traz esses instrumentos”, disse. Para a delegada, a própria mulher já está consciente da diferença entre ser vítima de agressão doméstica e ser vítima de violência urbana. “As mulheres estão identificando o que é a violência doméstica, não só a lesão corporal ou homicídio. Também é violência sofrer ameaças, injúrias, falta de respeito, ser chamada por palavrão. Tudo isso configura tipos penais que podem gerar um Processo-Crime por crime de violência doméstica. Além disso, ela tem a capacidade de identificar o agressor, que não é só namorado, marido, mas pode ser um filho, pai, avô, ou qualquer um que convive, que tenha parentesco natural ou por afinidade com ela, desde que seja violência de gênero, pode comparecer à Delegacia”, explicou. Casos de violência doméstica lideram O sociólogo, professor e pesquisador do Laboratório da Conflitualidade e Violência (Covio), da Universidade Estadual do Ceará (Uece), Geovani Jacó Freitas, explica que, historicamente os homens sempre estiveram mais expostos à violência, ao contrário da mulher, que sempre esteve “protegida” dessa exposição da esfera pública. Apesar de admitir a crescente participação das mulheres no crime organizado, ele ainda atribui a maior parte dos casos de homicídios com vítimas do sexo feminino no Ceará à violência doméstica. Segundo ele, a mulher era preparada para a vida matrimonial e criação dos filhos. “Essa esfera doméstica, teoricamente protegida pela sociedade, era a esfera da mulher”, afirma. Jacó ressalta que a medida que a mulher estava protegida da violência da rua, ela estava mais exposta à violência doméstica. “Essa situação ainda permanece, no sentido que o Ceará ainda é um dos Estados que apresenta um dos maiores índices dessas ocorrências de violência doméstica”, destacou. O pesquisador ressalta que em 95 % dos casos de homicídios os autores e vítimas são do sexo masculino, mas disse que o crime tem se apropriado de sujeitos que estavam protegidos da violência pública, que são os adolescentes e as mulheres. “Temos mulheres assumindo postos de comando no crime, que eram exclusivamente dos homens. Isso expõem as mulheres à situação de conflitos e de violência”. Levi de Freitas Repórter/DN
Poderá também gostar de: