Blog do Levany Júnior

Eclesiastes – capítulo 8

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Leitura anterior: Eclesiastes – capítulo 7

Eclesiastes 8 segue o discurso prático docapítulo anterior, começando com uma pergunta (“Quem é como o sábio?”) que se liga à frase imediatamente posterior, “que sabe a interpretação das coisas”, colocando como uma espécie de enigma a ser decifrado o provérbio “a sabedoria do homem faz reluzir o seu rosto, e muda-se a dureza da sua face” (v. 1).

Ora, de imediato, no capítulo 8, o Pregador diz que há, sim, um benefício na sabedoria, que é o brilho do rosto e a leveza da face. Há outro componente que deve ser analisado: um rosto brilhante significa, em linguagem bíblica, uma proximidade de Deus.

A face de Moisés resplandecia de tal maneira quando falava com Deus no monte, que teve que usar um véu (Êxodo 34:35). Quando Daniel tem a visão de um anjo (que boa parte da tradição diz ser o arcanjo Gabriel), este tem o rosto como um relâmpago (Daniel 10:6), o que se parece muito com a glória de Deus (Ezequiel 1:26-28; Apocalipse 1:12-16).

Davi também tinha essa ideia de que era Deus a fonte da sabedoria que ilumina o rosto dos seus filhos: “Quem nos dará a conhecer o bem? Senhor, levanta sobre nós a luz do teu rosto” (Salmo 4:6).

O próprio Salomão fizera conhecido um dos seus provérbios em que associa a dureza do rosto à impiedade: “o homem perverso mostra dureza no rosto, mas o reto considera o seu caminho” (Provérbios 21:29).

É esta “consideração do caminho”, de todos nós, este “conhecimento do bem”, que podemos chamar de sabedoria, conforme o provérbio seguinte ensina: “não há sabedoria, nem inteligência, nem mesmo conselho CONTRA o Senhor” (Prov. 21:30).

O sábio “conhece o tempo e o modo, porque para todo propósito há tempo e modo” (Ecl 8:4-5). O início do capítulo 8 fala de como devemos nos comportar diante do rei, e é possível interpretar esses versículos como sendo o rei o próprio Deus.

De fato, um rei (aqui com um significado bem abrangente, de líder, presidente, governador, etc.) deve se cercar de homens sábios como conselheiros, mas o Pregador coloca um juramento divino como garantidor da fidelidade a Deus, juramento este que mostra o rei (no caso, Salomão) como alguém ungido por Deus para esta função e este domínio sobre o povo.

A Bíblia de Jerusalém entende este juramento como uma possível interpolação do texto por alguém da época em que os Ptolomeus dominavam o Egito e a Palestina (séc. II a. C.), mas isso é mera suposição, sem nenhuma evidência mais concreta.

O fato é que, a meu ver, este juramento se encaixa dentro do propósito do Pregador, que no começo do capítulo 5 já havia advertido quanto às palavras e aos votos feitos ao Senhor.

Assim como não devemos nos apressar a pronunciar palavra alguma diante de Deus (5:2), não devemos nos apressar em deixar a presença do rei (8:3), pois ele faz o que bem entende. Já o homem tem que carregar uma espécie de “peso do mal” sobre ele (v. 6), “porque este não sabe o que há de suceder; e, como há de ser, ninguém há que lho declare” (v. 7).

Este deve ser um versículo que todos os clarividentes e prognosticadores certamente não gostariam de ler, pois aí está bem claro que não existe adivinhação do futuro mediante uma bola de cristal (pelo menos que seja aprovada e atestada por Deus).

O v. 8 merece um pouco mais de atenção, pois há um problema de tradução com relação à palavra רוּח (rûach ) na expressão “não há nenhum homem que tenha domínio sobre o rûachpara o reter”.

A Almeida Revista e Atualizada traduz a palavra por “vento”, enquanto a Revista e Corrigida e a NVI traduzem-na por “espírito”. As Bíblias católicas têm uma visão um pouco diferente, mas ainda na linha de alma, espírito.

A Bíblia de Jerusalém diz; “Homem algum é senhor do sopro, para reter esse sopro” e a Bíblia do Peregrino é mais poética: “O homem não é dono de sua vida, nem pode encarcerar seu alento”. A Tradução Ecumênica segue o mesmo caminho: “Ninguém tem poder sobre o sopro vital para reter esse sopro”.

Esta diversidade de traduções para a mesma palavra já foi discutida no capítulo 3 e a sua importância teológica é para o debate entre aqueles que creem na existência e na imortalidade da alma, e aqueles outros que a negam peremptoriamente.

A mim me parece que o contexto imediato favorece a primeira posição, pois o raciocínio do mesmo versículo é completado com a expressão “nem tampouco tem ele poder sobre o dia da morte”.

Logo, me parece que a melhor tradução realmente seja “espírito”, já que no dia da morte, ninguém pode reter a alma, o espírito.

Ainda nesse contexto, o v. 8 é completado com a frase “nem tampouco a perversidade livrará aquele que a ela se entrega”. Por “entregar-se” aqui deve ser entendido “tornar-se escravo”, conforme indica a palavra hebraica בּעל – ba‛al .

Logo, quem se torna escravo do mal, da perversidade, nesta vida, não se livrará dela, mas ¿só nesta vida?

Ainda que não exista aqui nenhuma referência explícita a uma sobrevivência da alma após a morte, nem seja possível desenvolver uma teologia do inferno a partir dessa expressão, a meu ver ela se encaixa dentro do espírito do v. 8, de que realmente há uma alma, um espírito que sobrevive à decadência do corpo e que, mesmo após a morte, ainda é escravizada, de alguma forma, ao mal e à perversidade.

A seguir, o v. 9 fala do poder do rei, e aqui numa visão já bastante terrena, no sentido de que todo aquele que lidera, que governa, e que, de alguma forma, abusa deste poder, além de arruinar os outros, termina prejudicando a si mesmo.

Isto viria a ser verdade do reinado do filho de Salomão, Roboão, quando o reino se dividiu em Norte e Sul (1 Reis 12).

v. 10 fala das injustiças da vida, muito comuns até hoje, em que pessoas más são sepultadas com todas as honras (indevidas), enquanto pessoas boas são deixadas no mais completo abandono e esquecimento.

O v. 12 fala da inclinação do coração do homem para o mal, ocasião em que o Pregador faz uma pequena pausa para falar de coisas concretas, que realmente preocupam o crente ao ver a injustiça do mundo, realçando um dos pilares de Eclesiastes, que é o temor a Deus.

De fato, diz Qohélet, “bem sucede aos que temem a Deus”, enquanto o perverso, que não teme a Deus, terminará sendo punido de alguma forma (v. 13).

Isso não elimina a confusão que muitas vezes percebemos, entre justos a quem ocorrem coisas más, e perversos a quem ocorre coisas boas, mas preocupar-se com isso – diz o Pregador – também é vaidade (v. 14).

Voltando ao seu padrão existencialista – na melhor acepção da palavra –, no v. 15 o Pregador repete pela terceira vez um conselho que já havia dito antes (2:24 e 5:18): vivam com alegria! Comam, bebam e alegrem-se! Isso faz parte do dom da vida que Deus nos deu. Agora é a providência divina que está em foco.

Por fim, já tendo falado dos pilares da sabedoria, do temor de Deus e da providência, resta o último pilar do discurso de Qohélet: a eternidade. E, para destacá-la, ele termina o capítulo 8 repetindo, de certa forma, Eclesiastes 3:11, dizendo que o homem não consegue compreender toda a obra de Deus, nem o sábio a pode achar, pois ela não tem princípio nem fim, como que se estivesse escondida debaixo do véu da eternidade, esta mesma eternidade que foi colocada por Deus no coração do homem.

 


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