Dono da página ‘Guarujá Alerta’ diz não se sentir responsável por morte


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11/05/2014 21h37 – Atualizado em 11/05/2014 21h46

Dono da página ‘Guarujá Alerta’ diz não se sentir responsável por morte

Retrato falado postado na página, na verdade, é de um crime cometido em 2012, no Rio de Janeiro.

Um boato assustador: uma multidão descontrolada e uma vítima inocente. O Fantástico mostra a sequência de mentiras e mal entendidos que levaram à morte violenta da dona de casa Fabiane Maria de Jesus, linchada em Guarujá, litoral de São Paulo. Uma mulher simples, religiosa e mãe de duas filhas.

O cartão de Dia das Mães já estava pronto. Yasmin, de 12 anos, fez o desenho e deixou uma mensagem.

“Mãe, eu te amo. Feliz dia das mães”, disse a tia de Yasmin, Sandra de Oliveira.

A mãe, a dona de casa Fabiane Maria de Jesus, encontrou o bilhete na sexta-feira (2) e escreveu uma resposta: “Eu sempre te amei e nunca deixarei você por nada princesa. Te amo. Fabi, sua mãe”.

Foi a última carta escrita pela mãe para a menina. Fabiane foi linchada no dia 3 no Guarujá, litoral de São Paulo. O crime chocou o país.

Segundo a família, Fabiane era uma mãe dedicada e feliz. Em vídeos caseiros, gravados este ano, ela aparece cuidando da filha mais nova, uma bebê de apenas um ano.

“Comigo ela queria era me beijar. Eu falava é não quero beijar agora não. Me agarrava muito”, conta o viúvo, Jaílson Neves.

A Fabiane morava numa casa na Favela Morrinhos, com o marido, as duas filhas, a mais velha de 12 anos e a menor, de um ano.

Fantástico: Como era a Fabiane?
Cunhada, Sandra de Oliveira: Fabiane era uma mãe cuidadosa. Você pode ver que ela gostava de pintar, fazer crochê.

Em casa, ela cuidava das duas filhas e também dos três netos da cunhada. Para a sogra, uma nora exemplar.

“Só ficava nós duas aqui. E toda a vida ela foi a minha companheira”, conta a sogra Maria de Jesus.

O estopim que levou à morte violenta de Fabiane veio da internet. Pela rede, surgiu uma série de boatos sobre uma mulher que estaria sequestrando crianças para usar em magia negra. A publicação de maior repercussão apareceu no dia 25 de abril, em uma rede social, na página ‘Guarujá Alerta’. Horas depois, uma nova publicação.

Fantástico: Você divulgou o quê? Você divulgou um retrato falado?
Dono da página: Sim.
Fantástico: E depois?
Dono da página: Apaguei horas depois
Fantástico: Por quê você apagou?
Dono da página: Porque logo depois ficamos sabendo que se tratava de apenas de um boato.

Pouco mais de uma semana depois, Fabiane foi morta. Segundo os suspeitos que a polícia prendeu, ela foi confundida com a mulher do retrato falado.

“Foi esse boato que postaram, esse boato que postaram na internet”, disse sem ser reconhecido.

O retrato falado postado na página, na verdade, é relativo a um crime cometido em 2012, na Zona Norte do Rio de Janeiro. Uma mulher teria atacado uma dona de casa com um canivete e tentando roubar o bebê de seus braços. Segundo o pai da criança, o ataque aconteceu na rua da casa da família.

“Quando chegou naquela esquina, bem na virada mesmo, a mulher agarrou ela por trás e a golpeou com a faca.  No momento que ela caiu no chão, ela puxou somente a minha filha. Agarrou a minha filha e voltou correndo”, conta o auxiliar de serviços gerais Tiago Vinicius Soares.

Um homem foi quem impediu o sequestro e o único que viu a criminosa frente a frente. Segundo ele, Fabiane não parece em nada com a sequestradora.

“Nada a ver, totalmente diferente. Cor, cabelos, rostos”, conta o serralheiro José Bonifácio.

Em Guarujá, Fabiane e a família moravam em uma região pobre, conhecida como ‘Morrinhos Um’. Morrinhos um e dois são áreas urbanizadas e asfaltadas. Morrinhoso três e quatro ficam em uma parte bem mais perigosa — dominada pela violência e pelo tráfico.

Segundo a família, Fabiane tinha um transtorno mental e tomava remédios que às vezes a deixavam desorientada.

Viúvo: Transtorno Bipolar
Fantástico: Ela era uma mulher agressiva?
Cunha: Não, nunca, ela podia ter o distúrbio dela, a única coisa que ela queria era ir pra rua. Ela pegava a bicicleta dela oi ir a pé mesmo e andar.

No dia do linchamento, sábado, 3 de maio, Fabiane saiu de casa de bicicleta e foi até a igreja São João Batista, em Morrinhos dois. Ela queria buscar a sua bíblia, que tinha esquecido no local. Depois, segundo a família, ela iria para a casa de uma prima, em Morrinhos três. De acordo com a investigação da polícia, nesse caminho, ela foi abordada por um grupo grande de pessoas.

Um grupo de moradores revoltado agarrou a moça, amarrou e ela em seguida foi espancada. O seu corpo foi arrastado até uma passarela. No local, ela foi encontrada por policiais militares em estado muito grave.

As imagens feitas por celular mostram dezenas de pessoas ao redor de Fabiane. Algumas delas afirmam que ela era a mulher do retrato falado. Outros moradores se opõem à agressão.

Alguns vizinhos ligaram para a PM, pedindo ajuda para resgatar Fabiane.

Atendente: Polícia Militar emergência
Homem: Manda um carro de polícia para cá, porque pegaram uma mulher aqui, tão espancando a mulher.
Mulher: Passou um monte de molecada com pau. Até desmaiaram ela, gente pelo amor de deus, manda uma viatura aqui.

Mas não adiantou.

Por que tanta violência?

“O comportamento de massa que é irracional, que é a explosão do momento. Uma série de raivas acumuladas no dia a dia que algumas pessoas não controlam e acabam elegendo, escolhendo uma vítima. Jamais se pode supor que exista justiça pelas próprias mãos. Aquilo que é feito pelas próprias mãos não é justiça, é execução”, disse Mario Sérgio Cortella, filósofo e educador.

Fantástico: Quando você soube que ela foi confundida com uma sequestradora de crianças?
Viúvo: Minha prima me ligou. Cheguei lá ela falou: ‘tenho uma coisa muito desagradável pra te mostrar’. Foi no computador, tava com o computador ligado. Quando ela abriu, a primeira foto que apareceu eu já reconheci logo. É a Fabiane. Ela me perguntou três vezes. ‘Tem certeza? Tem certeza?’ Tenho certeza”.

Até agora, cinco suspeitos de matar Fabiane foram identificados. Quatro já estão presos.

“Respondem por homicídio duplamente qualificado. Não só pelo motivo fútil, mas também pela impossibilidade de defesa da vitima”, disse o delegado Luis Ricardo Lara.

Segundo o delegado, mesmo quem apenas assistiu ao linchamento pode ser punido.

“Poderão responder pelo crime contra a paz pública”, disse.

O advogado da família de Fabiane quer punição também para o dono da página que divulgou os boatos.

Fantástico: O senhor responsabiliza o dono dessa página nessa rede social como um dos responsáveis pela morte da Fabiane?
“Sim, responsabilizo. Se você retirar de toda a relação do fato, a postagem, ninguém ia confundir a Fabiane. A gente quer justiça nem um milímetro a mais, nem um milímetro a menos”, disse o advogado da família, Airton Sinto.

O dono da página está colaborando com as investigações.

“A página está sob os cuidados da delegacia do Guarujá, o perfil, a senha, tudo está nas mãos do delegado. Para que possa ser verificado todas as postagens já feitas e se tem ou não participação do meu cliente”, disse o advogado do dono do site, Diego Soares de Oliveira Scarpa.

Fantástico: Você se sente responsável pela morte da Fabiane?
Dono da página: Não, não me sinto. Em nenhum momento eu incitei ninguém à violência.

A mãe de Fabiane aceitou dar entrevista, mas, emocionada, não conseguiu.

Fantástico: Sua vida daqui pra frente, como é que vai ser?
Viúvo: Vai ser a batalha. Sentir a saudade dela daqui pra frente. Vou ter que suportar a perda. E segurar a onda com as minhas filhas.

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Levany Júnior

Levany Júnior é Advogado e diretor do Blog do Levany Júnior. Blog aborda notícias principalmente de todo estado do Rio Grande do Norte, grande Natal, Alto do Rodrigues, Pendências, Macau, Assú, Mossoró e todo interior do RN. E-mail: [email protected]

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