A desfigurada Constituição das quase cem emendas
Uma das primeiras lições que aprendemos no Direito Constitucional é o conceito de constituição rígida: aquela cujo processo de alteração de seu texto é mas rigoroso do que o verificado com as demais espécies normativas. A rigidez constitucional garante a supremacia da Constituição e possibilita, assim, que se controle a constitucionalidade dos atos normativos hierarquicamente inferiores à Constituição.
Pela leitura da Constituição brasileira, constata-se facilmente a sua rigidez. Há, inclusive, quem fale em “super rigidez”, tendo em vista a existência das cláusulas pétreas, núcleos fundamentais que não podem ser abolidos, nem mesmo através de emendas. Todavia, na prática, não é isso que se vê.
Segundo o noticiário do começo desta semana, o Senado Federal aprovou em seu plenário mais 9 propostas de Emenda à Constituição que, somadas às 82 já existentes, totalizarão 91 alterações no desfigurado texto constitucional de 1988. Não demorará muito, portanto, para que alcancemos as 100 emendas em pouco mais de 25 anos.
A primeira razão para essa epidemia reformadora decorre do prolixidade da nossa Constituição, que avançou em diversos temas que poderiam ser disciplinados pela legislação infraconstitucional, mas que terminaram sendo incluídos no texto constitucional por opção do processo constituinte de 1988, pecador pelo excesso. Há disposição pra tudo, até mesmo para disciplinar a administração do Colégio Pedro II, localizado no Rio de Janeiro.
Outro motivo decorre do fetiche legislativo existente no Brasil. É comum assistirmos ao surgimento de leis como se fossem resolver problemas que precisam, na verdade, de ações materiais do poder público. Foi assim que se incluiu a moradia como direito social, como se a proteção à dignidade humana e os objetivos fundamentais do Estado brasileiro não fossem suficientes para o seu reconhecimento. Da mesma forma, a Constituição do Rio Grande do Norte foi emendada para acrescentar em seu texto o princípio da eficiência, como se isso fosse resolver os problemas administrativos do nosso Estado que beira a falência. E vários outros exemplos poderiam ser lembrados, onde fica clara a intenção de distorcer a realidade.
Por outro lado, ainda não se enxerga o Supremo Tribunal Federal como guardião da Constituição da forma como deveria acontecer. Se hoje no Brasil, por exemplo, é possível o casamento homoafetivo, é porque há alguns anos nossa Corte reconheceu essa possibilidade a partir de uma interpretação do texto constitucional, que apesar de permanecer o mesmo é aplicado distintamente. Será preciso alterar a Constituição e prever expressamente algo garantido? Não faltam projetos nesse sentido.
E, por fim, falta o que chamo de sentimento de Constituição. Nesses últimos anos, se falou em nova revisão constitucional e até mesmo em se criar uma assembleia constituinte paralela para tratar da reforma política. Não há zelo, não há respeito ao constituinte originário. Tudo isso há de ser visto com cuidado, pois a banalização do poder de reforma da Constituição, hoje inofensiva, pode um dia se transformar em instrumento de golpe, independentemente de qual partido ou grupo político esteja no poder.
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